O acesso da população mundial a medicamentos sofre
restrições exorbitantes: a cada três pessoas, uma não dispõe dos medicamentos
essenciais de que precisa. Cerca de 5,5 bilhões de pessoas não têm acesso a
analgésicos, sofrendo ou morrendo de dor. Pacientes que precisam de tratamento
para hepatite C na maioria dos países passam pela mesma situação, não recebendo
tratamentos indispensáveis a suas vidas. O problema da falta de acesso afeta
países pobres e ricos, sendo causado, principalmente, pelos crescentes custos
das tecnologias de saúde e pela falta de novas ferramentas para solucionar
recentes ameaças, como o ebola, zika e a resistência antimicrobiana.
A solução para este problema envolve um trabalho conjunto
entre governos e indústria, desvinculando o custo de pesquisa e desenvolvimento
do valor final dos produtos. É esta a principal conclusão de um relatório do
Painel de Alto Nível da ONU sobre o acesso a medicamentos divulgado nesta quarta-feira
(14/9) em Nova York. É a primeira vez que uma comissão de alto nível da ONU
discute o tema e estabelece recomendações aos países.
O inédito Painel de Alto Nível foi convocado em novembro de
2015 pelo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, tendo sido formado por quinze
especialistas no mundo todo com o objetivo de propor soluções e medidas para
melhorar o acesso a medicamentos. As recomendações do relatório foram
concluídas ao final de um processo de dez meses sob a liderança de Ruth
Dreifuss, ex-presidente da Confederação Suíça. Dois brasileiros são membros do
grupo: o ex-ministro e atual presidente da UNITAID, Celso Amorim, e o
Vice-Presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Jorge Bermudez.
“As críticas ao atual sistema de pesquisa e desenvolvimento
(P&D), centrado na proteção patentária e levando a monopólios e preços
inacessíveis estiveram no centro do debate”, disse Bermudez. “Ressaltamos a
questão fundamental dos direitos humanos como centro da discussão,
contrapondo-se a direitos individuais, além da constatação de que o acesso a
medicamentos hoje não é mais um problema restrito a países de renda baixa e
média, mas sim algo que atinge a toda a população mundial. Não é possível para
nenhum sistema de saúde absorver os preços exorbitantes de novas tecnologias,
como acontece por exemplo com novos antivirais para o tratamento da Hepatite C
e produtos oncológicos”, acrescentou.
O relatório recomenda que os governos solicitem aos
produtores e distribuidores de tecnologias de saúde que revelem às agências e
autoridades reguladoras em cada país informações-chave como os custos de
pesquisa, desenvolvimento, produção, marketing e distribuição de medicamentos e
tecnologias, discriminando separadamente cada uma dessas despesas. Também é
recomendada a divulgação de qualquer financiamento público para o
desenvolvimento da tecnologia em questão, incluindo subsídios e isenções
fiscais.
“Os governos devem exigir que os fabricantes e
distribuidores de tecnologias de saúde divulguem estes custos e os pormenores
de quaisquer financiamentos públicos recebidos durante o desenvolvimento de
tecnologias de saúde, incluindo créditos fiscais, subsídios e subvenções”,
disse o Co-chair do painel e ex presidente da Botsuana Festus Mogae.
Tratados internacionais e constituições nacionais há décadas
consagram o direito fundamental à saúde e o direito de acessar os avanços
científicos em medicina, porém, ainda assim, tratamentos essenciais para muitas
doenças continuam chegando a quem deles necessita. Segundo o relatório, isso se
dá devido a um conflito de interesses entre o direito à saúde e os direitos de
propriedade intelectual e de comércio de medicamentos de outro.
“Por um lado, o governo busca os benefícios econômicos do
aumento do comércio. Por outro, o imperativo de se respeitar as patentes sobre
tecnologias de saúde em certos casos pode criar obstáculos para os objetivos de
saúde pública e o direito à saúde”, disse a co-chair do painel Ruth Dreifuss.
O Painel recomenda que os governos formem um grupo de
trabalho para iniciar a negociação de um Código de Princípios para P&D na
área Biomédica. O objetivo seria apresentar um relatório anual sobre o
progresso realizado na negociação e implementação do Código, em preparação para
a negociação na Convenção.
Flexibilização do TRIPS
Assinado em 1994 pela Organização Mundial do Comércio (OMC),
o Acordo TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
Rights, em português: Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados ao Comércio) é um tratado internacional que
regulamenta a propriedade intelectual internacionalmente. Ele prevê a aplicação
de flexibilidades para atender interesses públicos em saúde. Isso significa que
cada país pode personalizar suas leis nacionais de propriedade intelectual para
cumprir suas obrigações em saúde pública.
No entanto, o Painel identificou com preocupação relatos de
governos que estão sendo submetidos a pressões políticas e econômicas indevidas
para não flexibilizar o TRIPS. O firme parecer do Painel foi que essa pressão
prejudica os esforços dos governos para cumprir suas obrigações em termos de
direitos humanos e saúde pública e que viola a integridade e a legitimidade da
Declaração de Doha. “Pressões de países e outros atores evitam que países
menores possam fazer uso das flexibilidades do Acordo TRIPS adotado por todos
os países membros da OMC, questão que foi arduamente discutida e duramente
criticada”, disse Jorge Bermudez.
“Os membros da OMC devem fazer pleno uso das flexibilidades
do TRIPS, como reafirmado pela Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e Saúde
Pública. Isto é essencial para promover o acesso às tecnologias de saúde”,
disse Michael Kirby, membro do Painel de Alto Nível e presidente do Grupo
Consultivo de Especialistas, que destacou que os membros da Organização Mundial
do Comercio devem registrar queixas contra a pressão política e econômica
excessiva. “Eles precisam tomar medidas firmes e eficazes contra os membros transgressores”.
Fiocruz
Fonte: http://saudeamanha.fiocruz.br/onu-propoe-acoes-para-garantir-acesso-a-medicamentos/
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