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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Acordo comercial com União Europeia pode onerar SUS em mais de R$ 2 bilhões anuais.

FONTE: BRASIL DE FATO

Depois de aprovar emenda constitucional que congela os investimentos da União por 20 anos (EC 95/2016) e de pautar, em regime de urgência, a reforma da atual lei dos planos de saúde – que libera planos de cobertura reduzida e livra os empresários de reembolsar o serviço público pelo atendimento prestado a quem tem plano privado – o governo de Michel Temer pode desferir mais um golpe contra os cofres do SUS.

Reunidos esta semana em Brasília, no âmbito do 29º Comitê Negociador Birregional (CNB), representantes do governo brasileiro, de países do Mercosul e da União Europeia discutem, entre outras questões, capítulos do acordo de livre comércio entre os dois blocos regionais. Entre eles, aquele referente a propriedade intelectual.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o Brasil, que preside o bloco e que atua de forma coordenada com seus demais sócios do Mercosul, tem interesses estratégicos na área de propriedade intelectual, em que se destacam as medidas relacionadas à saúde pública e transferência de tecnologia. E que o Mercosul entende que a principal referência nesta área deve continuar a ser o Acordo TRIPS, da Organização Mundial do Comércio (OMC) e os Acordos da OMPI, subscritos pelas partes.

Os dois blocos estão reunidos em Brasília desde o começo da semana para uma nova rodada de negociações do tratado.

Ou seja, as cartas continuarão sendo dadas em um jogo cujas regras não têm beneficiado trabalhadores nem a população mais pobre. Foi por meio desses acordos, assinados durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que o Brasil reconheceu patentes até mesmo de medicamentos cujas formulações, antigas, já estavam sob domínio público.

E esses acordos, em grande parte os responsáveis pelo alto custo dos medicamentos e pelo impacto aos cofres do sistema público de saúde, deverão impor ao país gastos adicionais de pelo menos R$ 1,9 bilhões por ano.

O estudo da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, vinculada à Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), divulgado no último dia 28 de setembro, projeta números bem abaixo da realidade. Isso porque os pesquisadores botaram na conta apenas o que o governo desembolsa com a compra de medicamentos para tratar a hepatite C – uma média de R$ 1,8 bilhão – e de R$ 142 milhões contra antirretrovirais (ARV) usados no tratamento de HIV/Aids.

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores analisaram as compras de 22 ARVs pelo SUS em 2015 e dos três medicamentos contra hepatite C comprados em 2016. Os valores equivalem aos custos anuais do tratamento de 60 mil pessoas com hepatite, com o uso de medicamentos de última geração, e mais de 57 mil pacientes com HIV.

A projeção se limita aos 25 medicamentos usados para tratar essas doenças. "O Ministério da Saúde compra muitos outros para tratar diversas doenças. Por isso o impacto das propostas dos europeus pode representar custos anuais muito maiores que esses quase R$ 2 bilhões que calculamos", disse a  pesquisadora do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Ensp/Fiocruz, Gabriela Chaves.

Protecionismo

De acordo com os pesquisadores, a União Europeia quer aumentar o protecionismo com a adoção de medidas capazes de proporcionar maior exclusividade de mercado para as suas multinacionais com grande atuação no mercado de medicamentos. São medidas com impacto maior que de acordos anteriores, que encontram maior abertura em governos neoliberais.

Gabriela Chaves lembra que o SUS já paga uma conta alta pelo fato de o Brasil ter assinado os acordos em 1996, quando por decisão do governo de FHC, deixou de desenvolver sua indústria de genéricos quando tinha um prazo de 9 anos, previsto no acordo com a OMC, para implementá-la.

“O que está em jogo nos resultados dessas negociações é a sustentabilidade do sistema público de saúde, já que medidas que fortalecem o monopólio de tecnologias essenciais em saúde possibilitam que as empresas pratiquem preços muito altos, ameaçando o princípio da universalidade do SUS”, explica.

Desde o final da década de 1990, o país passou a gastar mais com os antirretrovirais patenteados antes da hora por FHC. Quando as patentes de medicamentos entraram em vigor, em 1997, o governo brasileiro teve que adotar diferentes estratégias para a redução dos preços de  medicamentos sob monopólio, como produzir genéricos.

A pesquisadora lembra que em 2007, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva licenciou compulsoriamente – quebra de patente – do medicamento Efavirenz, usando no tratamento da Aids. Assim foi possível passar a produzir no país a versão genérica, que custa até 77% mais baratas. Mas ainda não houve quebra de patente de nenhum medicamento para hepatite C.

Soberania

Desde o episódio Efavirenz, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) tem se posicionado em defesa do interesse público, do desenvolvimento da saúde e da soberania e contra acordos internacionais costurados para defender interesses de transnacionais, conforme conta o presidente do colegiado, o farmacêutico Ronald Ferreira dos Santos.

"Há muito tempo o CNS vem se posicionando no sentido de criar mecanismos que dê mais autonomia e capacidade de decisão em torno dos interesses da saúde pública do que do interesse do mercado internacional, como geralmente acontece quando esses acordos são costurados", diz. "Desde que nasceu, esse acordo Trips é, na verdade, um grande aceno das corporações bilaterais dos Estados Unidos, da Europa e do Japão, que dominam esses mercados nesses três continentes, e que acabam definindo o regramento única e exclusivamente para atender os seus próprios interesses."

Ronald destaca que o Sofosbuvir – fármaco usado para hepatite C, incluído nos estudos da Ensp/Fiocruz – foi alvo de manifestações do CNS. Em março passado, o colegiado editou a Recomendação 007, na qual sugere que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se  posicione de maneira contrária ao reconhecimento de patente pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Para os conselheiros, o medicamento está em meio a um processo de internacionalização da tecnologia, para parceria de produção com laboratórios de genéricos indianos de genéricos.

Na avaliação do presidente do CNS, a soberania brasileira está sendo atacada hoje em dia de maneira muito mais virulenta do que foi na década de 1990 – "centenas de vezes mais virulento".  "Há muito interesse dessa turma ultraliberal, que observa ou vai definir suas planilhas com taxa de investimento e taxa de retorno".

"Nós também somos contra aquilo que nós consideramos um golpe do atual governo, de retirar a premissa da Anvisa de anuência prévia para registro de patente. Nossa discussão quanto à propriedade industrial tem sido sempre no sentido de defender que os interesses das necessidades de saúde e a própria soberania nacional prevaleçam sobre qualquer tratado internacional".


Ronald considera que a situação do país não é nada confortável sob o comando de um "governo entreguista", que já colocou a perder avanços obtidos nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. É o caso do complexo industrial da saúde, uma parceria com o setor produtivo, que já sofrem revezes. "Veja o que aconteceu com a indústria naval, o que está acontecendo com a indústria do petróleo. É um jogo muito pesado, e isso levando-se em conta que temos a gigante Petrobras. Imagine então esse jogo no segmento farmacêutico, onde ainda estamos no século 19. A luta acaba sendo desproporcional."

Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2017/10/05/acordo-comercial-com-uniao-europeia-pode-onerar-sus-em-mais-de-rdollar-2-bilhoes-anuais/?platform=hootsuite

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ONU propõe ações para garantir acesso a medicamentos.


O acesso da população mundial a medicamentos sofre restrições exorbitantes: a cada três pessoas, uma não dispõe dos medicamentos essenciais de que precisa. Cerca de 5,5 bilhões de pessoas não têm acesso a analgésicos, sofrendo ou morrendo de dor. Pacientes que precisam de tratamento para hepatite C na maioria dos países passam pela mesma situação, não recebendo tratamentos indispensáveis a suas vidas. O problema da falta de acesso afeta países pobres e ricos, sendo causado, principalmente, pelos crescentes custos das tecnologias de saúde e pela falta de novas ferramentas para solucionar recentes ameaças, como o ebola, zika e a resistência antimicrobiana.
 
A solução para este problema envolve um trabalho conjunto entre governos e indústria, desvinculando o custo de pesquisa e desenvolvimento do valor final dos produtos. É esta a principal conclusão de um relatório do Painel de Alto Nível da ONU sobre o acesso a medicamentos divulgado nesta quarta-feira (14/9) em Nova York. É a primeira vez que uma comissão de alto nível da ONU discute o tema e estabelece recomendações aos países.
 
O inédito Painel de Alto Nível foi convocado em novembro de 2015 pelo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, tendo sido formado por quinze especialistas no mundo todo com o objetivo de propor soluções e medidas para melhorar o acesso a medicamentos. As recomendações do relatório foram concluídas ao final de um processo de dez meses sob a liderança de Ruth Dreifuss, ex-presidente da Confederação Suíça. Dois brasileiros são membros do grupo: o ex-ministro e atual presidente da UNITAID, Celso Amorim, e o Vice-Presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Jorge Bermudez.
 
“As críticas ao atual sistema de pesquisa e desenvolvimento (P&D), centrado na proteção patentária e levando a monopólios e preços inacessíveis estiveram no centro do debate”, disse Bermudez. “Ressaltamos a questão fundamental dos direitos humanos como centro da discussão, contrapondo-se a direitos individuais, além da constatação de que o acesso a medicamentos hoje não é mais um problema restrito a países de renda baixa e média, mas sim algo que atinge a toda a população mundial. Não é possível para nenhum sistema de saúde absorver os preços exorbitantes de novas tecnologias, como acontece por exemplo com novos antivirais para o tratamento da Hepatite C e produtos oncológicos”, acrescentou.
 
O relatório recomenda que os governos solicitem aos produtores e distribuidores de tecnologias de saúde que revelem às agências e autoridades reguladoras em cada país informações-chave como os custos de pesquisa, desenvolvimento, produção, marketing e distribuição de medicamentos e tecnologias, discriminando separadamente cada uma dessas despesas. Também é recomendada a divulgação de qualquer financiamento público para o desenvolvimento da tecnologia em questão, incluindo subsídios e isenções fiscais.
 
“Os governos devem exigir que os fabricantes e distribuidores de tecnologias de saúde divulguem estes custos e os pormenores de quaisquer financiamentos públicos recebidos durante o desenvolvimento de tecnologias de saúde, incluindo créditos fiscais, subsídios e subvenções”, disse o Co-chair do painel e ex presidente da Botsuana Festus Mogae.
 
Tratados internacionais e constituições nacionais há décadas consagram o direito fundamental à saúde e o direito de acessar os avanços científicos em medicina, porém, ainda assim, tratamentos essenciais para muitas doenças continuam chegando a quem deles necessita. Segundo o relatório, isso se dá devido a um conflito de interesses entre o direito à saúde e os direitos de propriedade intelectual e de comércio de medicamentos de outro.
 
“Por um lado, o governo busca os benefícios econômicos do aumento do comércio. Por outro, o imperativo de se respeitar as patentes sobre tecnologias de saúde em certos casos pode criar obstáculos para os objetivos de saúde pública e o direito à saúde”, disse a co-chair do painel Ruth Dreifuss.
 
O Painel recomenda que os governos formem um grupo de trabalho para iniciar a negociação de um Código de Princípios para P&D na área Biomédica. O objetivo seria apresentar um relatório anual sobre o progresso realizado na negociação e implementação do Código, em preparação para a negociação na Convenção.
 
Flexibilização do TRIPS
 
Assinado em 1994 pela Organização Mundial do Comércio (OMC), o Acordo TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, em português: Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) é um tratado internacional que regulamenta a propriedade intelectual internacionalmente. Ele prevê a aplicação de flexibilidades para atender interesses públicos em saúde. Isso significa que cada país pode personalizar suas leis nacionais de propriedade intelectual para cumprir suas obrigações em saúde pública.
 
No entanto, o Painel identificou com preocupação relatos de governos que estão sendo submetidos a pressões políticas e econômicas indevidas para não flexibilizar o TRIPS. O firme parecer do Painel foi que essa pressão prejudica os esforços dos governos para cumprir suas obrigações em termos de direitos humanos e saúde pública e que viola a integridade e a legitimidade da Declaração de Doha. “Pressões de países e outros atores evitam que países menores possam fazer uso das flexibilidades do Acordo TRIPS adotado por todos os países membros da OMC, questão que foi arduamente discutida e duramente criticada”, disse Jorge Bermudez.
 
“Os membros da OMC devem fazer pleno uso das flexibilidades do TRIPS, como reafirmado pela Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e Saúde Pública. Isto é essencial para promover o acesso às tecnologias de saúde”, disse Michael Kirby, membro do Painel de Alto Nível e presidente do Grupo Consultivo de Especialistas, que destacou que os membros da Organização Mundial do Comercio devem registrar queixas contra a pressão política e econômica excessiva. “Eles precisam tomar medidas firmes e eficazes contra os membros transgressores”.
 
Fiocruz


Fonte: http://saudeamanha.fiocruz.br/onu-propoe-acoes-para-garantir-acesso-a-medicamentos/