Publicado na BBC
Brasil – Por Mariana
Schreiber
11/11/2016
16h09
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse em
entrevista à BBC Brasil que pesquisadores que defendem um sistema universal de
saúde - ou seja, que atenda todos os segmentos da população - "não são
técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o assunto como se não
existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho".
A declaração foi dada após ser ele questionado
sobre a opinião do professor da UFBA Jairnilson Paim (autor do livro "O
que é o SUS"), para quem um sistema que atende menos pessoas tende a ser
pior.
O ministro ressaltou que o governo está com saldo
negativo nas contas - e que essa crise se deve a decisões do governo anterior.
"Falar que tem que pôr mais gente demandando,
sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. (…) O SUS é tudo para todos,
ou tudo que está disponível no SUS para todos?", questionou também.
No momento, sua pasta elabora uma
proposta de "planos de saúde acessíveis", com cobertura de
atendimento reduzida, para o público de menor renda. O objetivo é que essas
pessoas façam consultas e tratamentos no sistema privado, desafogando o SUS
(Sistema Único de Saúde).
Há um grupo de trabalho dentro do ministério, que
inclui representantes da indústria de planos de saúde, elaborando um novo
produto a ser disponibilizados pelas operadoras. Contrária à proposta, a
Proteste, uma associação de defesa do consumidor, pediu para participar e está
acompanhando a discussão.
Associações médicas também têm se
oposto à ideia. Para os críticos, a medida vai contra a tendência dos últimos
anos, de ampliar as exigências mínimas de tratamentos oferecidos pelos planos,
com objetivo de melhorar o serviço.
Questionado também sobre críticas de alguns
economistas à PEC do teto dos gastos públicos, que poderia potencialmente tirar
recursos da saúde, o ministro voltou a minimizar a importância dos estudiosos.
A proposta de emenda constitucional, que deve ser
aprovada pelo Congresso em dezembro, limita por vinte anos o crescimento das
despesas do governo à inflação.
"Vou escrever um livro: 'Eu e os
especialistas'. Como tem especialista para tudo, né? Pode escrever qualquer
tese maluca que não se sustenta. Não dá para trabalhar nesse nível de
conversa", disse.
"Não tem redução de recursos de saúde com a
PEC. Isso não existe", afirmou também, ressaltando que o teto proposto é
para o conjunto de gastos e outras despesas poderão ser reduzidas para que o
orçamento de sua pasta seja aumentado.
Barros, eleito deputado federal pelo PP em 2014,
teve como maior doador individual de sua campanha o empresário Elon Gomes de
Almeida, presidente da Aliança, administradora de planos de saúde, com uma
contribuição de R$ 100 mil.
À BBC Brasil, a assessoria do ministério ressaltou
que essa doação representa somente 3,1% do total gasto pela campanha de Barros
(R$ 3,1 milhões). O órgão disse também que "continuará trabalhando na
melhoria da atuação dos planos de saúde, por meio da Agência Nacional de Saúde
Suplementar, e que a atuação da gestão independe de relação partidária,
jurídica ou pessoal".
Confira
abaixo os principais trechos da entrevista.
Pedro Ladeira/Folhapress
BBC
Brasil - Como está a discussão do grupo de trabalho sobre os
planos acessíveis? Que proposta está se desenhando?
Ricardo Barros - Isso é com o secretário
Francisco (Figueiredo, da Secretaria de Atenção à Saúde do ministério).
BBC Brasil - Mas o senhor não está
acompanhando, sendo informado? O que poderia sair desse programa?
Barros - Parece que duas propostas
foram apresentadas ao grupo de trabalho. O grupo foi prorrogado (de 60 dias
para 120 dias), e eles estão caminhando para uma solução de oferta de um novo
produto de mercado.
BBC Brasil - E qual a previsão de quando
isso possa sair?
Barros - Isso é com o Francisco.
[Após a entrevista, a assessoria do ministério
informou que o grupo de trabalho está "em fase de discussão" e que
"o produto final das atividades será consolidado e encaminhado à
ANS", agência que regula a indústria de planos de saúde. A ANS
"avaliará a pertinência do projeto e sua possível implementação", diz
ainda o ministério. O grupo deve concluir os trabalhos no início de dezembro.]
BBC Brasil - Ainda sobre essa questão,
existem alguns estudiosos do setor de saúde, como um professor da UFBA que a
BBC Brasil entrevistou recentemente (Jairnilson Paim), que afirmam que quanto
mais universal for o SUS, quanto mais gente estiver nesse sistema, melhor ele
tende a ser, pois é mais gente vocalizando, demandando. Essa proposta (de mais
planos de saúde) não vai contra isso? Não tende a enfraquecer o SUS?
Barros - Você tem que conversar com o
contribuinte. Se tiver gente disposta a contribuir para que todos demandem o
SUS, eu também concordo. Então falar que tem que pôr mais gente demandando,
sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. Ele está falando de uma
ideologia, do pensamento, do sonho, e não está falando da realidade. Não são
técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o assunto como se não
existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho. Não é um sonho,
nós temos que administrar uma realidade aqui.
BBC Brasil - Um estudo do Ipea feito com a
Receita Federal mostra que a perda de receita com desconto no Imposto de Renda
de gastos com planos de saúde, tanto para pessoa física como jurídica, chegou a
R$ 10,5 bilhões em 2013. Por que seria correto subsidiar um produto privado em
vez de investir no sistema público?
Barros - A leitura para nós disso é (que
esses recursos são) dinheiro carimbado para a saúde. Toda essa (perda de)
arrecadação é vinculada diretamente à saúde. Se não for, recolhe aos cofres do
Tesouro, 25% (arrecadação com IR tem que ser repassado) para Estados, 25% para
municípios, aí (a outra metade) entra (na divisão prevista) nos vínculos
constitucionais, educação, etc.
Vai sobrar para saúde um pedacinho desse tamanho.
Por isso que eu falei: para de sonho, gente. A
realidade é diferente do sonho. É fácil falar.
BBC Brasil - Esse valor (subsídios para planos
de saúde) é basicamente para as pessoas de renda mais alta, pois é elas que
fazem esses gastos e conseguem descontar (do Imposto de Renda). Então não é um
recurso que poderia estar sendo recolhido e investido em serviços para os mais
pobres?
Barros - Não, 55% do financiamento
da saúde brasileira é privado, 45% é público. As entidades filantrópicas, que
atendem mais de 50% dos atendimentos do SUS, se equilibram economicamente
atendendo 60% do SUS e 40% convênio. E deixam de pagar os impostos.
Evidentemente, os recursos que sustentam os
convênios fazem parte do equilíbrio econômico do sistema como um todo. Não há
nenhum prejuízo nesse incentivo que as pessoas utilizem recursos na saúde e
possam descontar, porque a pessoa que paga imposto e desconta esse recurso tem
direito ao SUS também.
Então, em vez de a gente atender no SUS, nós
estamos permitindo que ele faça o atendimento e desconte no imposto, desde que
declarado tudo devidamente.
É um modelo que está estabelecido há muitos anos.
Tem gente que defende que filantrópica não deveria deixar de pagar imposto, é
uma ideia. Se ela ficasse em pé, seria ótima.
Mas se nós fizermos isso, nós desestruturamos 50%
do atendimento dos brasileiros que estão nas filantrópicas. Então, a matemática
deve ser feita com a visão geral do sistema. Essas críticas pontuais,
inconsistentes e impensadas, elas não ajudam o sistema.
BBC Brasil - Parece haver um impasse: existe
resistência aos impostos, até um certo tabu que impede uma discussão mais
racional, mas também existe uma demanda muito forte por saúde pública, por um
SUS forte. Então como a gente sai desse impasse? É um tabu discutir mais
recursos para saúde?
Barros - Não é um tabu. O Congresso
apresentou agora R$ 18 bilhões em emendas parlamentares (recursos da União que
os deputados e senadores podem investir de acordo com suas prioridades,
normalmente em suas bases eleitorais) para a saúde.
Não tem tabu nenhum. Todo mundo quer botar mais recurso para a saúde.
BBC Brasil - Mas na prática a PEC do
teto dos gastos (que prevê que as despesas não podem crescer mais que a
inflação) vai reduzir recursos para saúde, no sentido de que a população está
envelhecendo e vai haver mais demanda por serviços de saúde.
Barros - Não vai haver redução de
recurso para a saúde. Desculpa, querida, não é verdade.
BBC Brasil - Não estou dizendo que vai em
termos de quanto é investido hoje, mas de que a demanda tende a crescer e o
orçamento não vai crescer no mesmo nível.
Barros - É um problema que acontece
em qualquer (país)… não tem nada a ver com a PEC, tem? O que a PEC tem com o
envelhecimento das pessoas, gente? Nada, isso é uma realidade estabelecida.
Desculpa, mas eu não tenho muita paciência para
esse ideologismo inconsequente. Isso é uma bobagem. O envelhecimento das
pessoas vai acontecer de qualquer jeito. A PEC não tem nada a ver com isso.
A PEC garante que há um limite para o conjunto dos
gastos públicos. No conjunto dos gastos, a Previdência vai gastar mais do que a
inflação (crescer mais que a inflação). A saúde e a Previdência vão ter seus
recursos mantidos ou ampliados e as outras áreas de governo vão ter que
compensar com redução, para compensar o teto.
Não tem redução de recursos de saúde com a PEC.
Isso não existe.
BBC Brasil - Tem uma questão da PEC que é a
seguinte: a expectativa é que haverá uma recuperação da economia, o que vai
aumentar a arrecadação do governo, porém esses recursos, por causa do teto, lá
na frente vão ser exageradamente destinados ao superavit primário (economia
para pagar juros da dívida). Existem inclusive economistas liberais que fazem
essa crítica, como o Felipe Salto e a Monica de Bolle.
Barros - E para que serve o
superavit primário?
BBC Brasil - Para pagar a dívida publica. Ela
é mais importante que a saúde?
Barros - Não, mas não precisa
pagar a dívida, então? Nós não vamos pagar a dívida nunca?
BBC Brasil - Não, é questão de volume. A
crítica deles é que haverá um volume muito grande destinado ao superavit
primário.
Barros - Nós estamos há quatro anos
fazendo um deficit primário (na verdade desde 2014, mas a previsão é de novos
rombos em 2016 e 2017), não pagamos um centavo nem do juro da dívida. E aí?
BBC Brasil - A União está rolando a dívida.
Estamos contraindo mais dívida, não estamos deixando de pagar juros.
Barros - Estamos endividando nossas
futuras gerações. E aí? As futuras gerações querem ser endividadas ou não? Qual
é a contestação à tese do equilíbrio fiscal, não é bom o equilíbrio fiscal?
BBC Brasil - Não estou dizendo que é
ruim, estou dizendo que economistas liberais…
Barros - Vou escrever um livro: "Eu e
os especialistas". Como tem especialista para tudo, né? Pode escrever
qualquer tese maluca que não se sustenta, não se sustenta. Não dá para
trabalhar nesse nível de conversa.
Nós temos que equilibrar o país, pôr as contas em dia, pagar nossa dívida e
seguir a vida. Eu não posso discutir uma tese que "olha, nunca mais vamos
pagar a dívida, vamos continuar fazendo deficit porque eu preciso gastar, então
eu gasto, pronto".
BBC Brasil - Não foi isso que eu disse,
ministro.
Barros - Eu estou discutindo isso agora no
Supremo (Tribunal Federal) com a judicialização (recursos judiciais para obrigar
o governo a prestar atendimentos ou fornecer remédios): o SUS é tudo para
todos, ou tudo que está disponível no SUS para todos? É isso que o Supremo vai
decidir.
BBC Brasil - Eu só quero registrar que eu não
disse que não vai ser pago juros da dívida. Eu disse que esses economistas
falam que vai ter um excesso, um valor além do necessário para regularizar
(estabilizar em um nível considerado sustentável) a relação entre dívida e PIB.
Esse é o indicador mais usado, nenhum governo quer pagar a dívida 100%.
Barros - Tomara que esse dia chegue,
que tenha excesso de arrecadação. E acontecendo isso, querida, a PEC do teto
vai cair, obviamente, porque é um outro momento.
Nós estamos fazendo isso hoje (fixar um teto para
os gastos) porque a nossa realidade hoje nos impõe fazer isso. Se essa
realidade mudar, evidentemente…
BBC Brasil - O senhor acredita que,
nesse caso, haveria uma coalizão política para reverter isso (aprovar uma nova
PEC, derrubando o teto)?
Barros - Claro, agora (nessa situação
futura de aumento de arrecadação) o país está de outra forma, nós podemos
alterar essa regra que foi estabelecida num momento em que era necessário.
Não é possível trabalhar nessas teses malucas de
que o que é feito num momento de crise não serve para o momento de bonança.
Claro que não serve. Não preciso fazer tese para descobrir isso.
Como nós estávamos num momento mais favorável (em
anos anteriores) e o governo acabou tomando algumas decisões que levaram a essa
crise, pode ser que lá na frente se decida abrir a possibilidade dos gastos.
Tem dinheiro para gastar? Vamos gastar. Tomara que
tenha. Eu torço muito para que tenha, e bastante.
Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37932736