quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Dicas de Livro: "Desafios de operação e desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde"

Extraído de: Editora E-Papers


"Este livro é um resultado parcial do Projeto “Reflexo das políticas e tecnológicas de saúde
brasileiras na produção local e no fornecimento ao Sistema Único de Saúde (SUS)” apresentado à chamada MCTI/CNPq/CT-Saúde/MS/SCTIE/Decit nº 41/2013 Rede Nacional de Pesquisas sobre Política de Saúde. O Projeto é executado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), sob a coordenação de Lia Hasenclever, do Grupo de Economia da Inovação do IE/UFRJ, em parceria com Núcleo de Assistência Farmacêutica (NAF) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp)/Fiocruz e Área de Política do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (Iesc) da UFRJ.
Os objetivos deste Projeto são analisar quais são os contornos institucionais e as estratégias de política industrial e tecnológica implantadas, entre 2003-2013, no Brasil, e verificar se elas permitem dar continuidade à política de suprimento do SUS para garantir a sustentabilidade econômica e o direito à saúde.
O Brasil é considerado um caso de sucesso no estabelecimento de uma política de saúde voltada para o combate à epidemia de Aids na década de 1990, mesmo no período em que prevaleceu a ausência de políticas industriais e tecnológicas. A partir de 2003, inicia-se um novo marco de atuação do governo e se restabelece uma política para o setor farmacêutico, capitaneada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 2008, procurou-se estender esta política para todos os setores envolvidos com suprimentos de saúde – os equipamentos médicos, materiais, reagentes e dispositivos para diagnósticos, hemoderivados, imunobiológicos, intermediários químicos e extratos vegetais para fins terapêuticos, princípios ativos e medicamentos para uso humano e serviços (hospitais, ambulatórios e serviços de diagnóstico e tratamento) – denominado Complexo Industrial da Saúde (CIS).
Entende-se que a compreensão das diferentes dimensões do CIS e a elaboração de metodologias de monitoramento são ferramentas-chave para a análise da evolução destas políticas. Seriam essas políticas capazes de responder às mudanças que ocorreram no regime internacional de propriedade intelectual e às mudanças que vêm ocorrendo no setor farmacêutico, na regulamentação sanitária e em outros aspectos específicos do Complexo sem afetar negativamente o fornecimento do SUS? E a garantia de acesso, estaria assegurada?
Neste livro apresentamos os primeiros resultados parciais do projeto. O livro está organizado em duas grandes partes, quais sejam: a primeira, referente a uma fotografia do CIS e ao mapeamento de seu marco normativo, seja aquele vigente no âmbito do Poder Executivo, como também algumas propostas de Projeto de Lei relacionadas em trâmite no Poder Legislativo. A segunda parte contempla quatro estudos de caso, ilustrativos dos avanços, problemas e desafios identificados na primeira etapa, abrangendo diferentes subsistemas do CIS.
A primeira parte é composta de seis capítulos. O Capítulo 1 reúne os principais indicadores secundários de saúde no Brasil na década entre 2003 e 2013. O seu principal objetivo é caracterizar a demanda e a oferta dos bens e serviços de saúde. Pelo lado da demanda apresentam-se alguns indicadores das condições de saúde da população e, pelo lado da oferta, indicadores de produção local dos bens e serviços de saúde. A partir da leitura destes indicadores e acompanhamento de sua evolução fica evidente que se, de um lado, as condições de saúde mudaram para melhor, a oferta local de bens e serviços não foi capaz de atender a demanda. Em consequência, observa-se um crescente ­aumento do déficit da balança comercial relativo à importação de produtos farmacêuticos, farmoquímicos e equipamentos e materiais médicos e odontológicos. A partir deste Capítulo pode-se concluir que a questão da vulnerabilidade externa na importação de bens recoloca-se para o setor saúde, tornando imprescindível a adoção de políticas industrial e tecnológica que busquem soluções para os problemas estruturais tais como a dependência externa, a industrialização dependente, o controle sobre a inovação tecnológica entre outros.
Com o objetivo de entender melhor o problema da dependência estrutural brasileira no setor saúde, optou-se por fazer um retrospecto na história das conexões entre as políticas de saúde e de desenvolvimento industrial e tecnológico, com ênfase no setor farmacêutico. Este é o conteúdo do Capítulo 2 que analisa as iniciativas governamentais para o desenvolvimento da indústria farmacêutica no Brasil e suas conexões com a política de saúde no período de 1930 a 2000. Na sequência, o Capítulo 3 atualiza e alarga esta discussão para os anos 2003-2014, trazendo uma descrição e uma avaliação dos atuais esforços do governo para reduzir a dependência estrutural brasileira. A leitura destes Capítulos deixa claro que as experiências exitosas da Central de Medicamentos (Ceme) e a política de genéricos de fazer com que houvesse uma conexão satisfatória entre a política de saúde e a política industrial e tecnológica, qual seja, expandir o acesso, a partir da redução de preços, e reduzir a dependência estrutural, em um novo contexto, que é o período 2003-2014, não tem obtido os mesmos sucessos. Fica para o leitor a reflexão sobre a necessidade de uma melhor coordenação entre as duas políticas.
A partir do Capítulo 4 o livro passa a detalhar aspectos específicos dos marcos institucionais de operação das políticas de saúde, industrial e tecnológica e em que medida eles permitem conexões positivas para a superação da dependência estrutural brasileira. O Capítulo 4 analisa o marco regulatório das compras públicas de medicamentos no Brasil. Na medida em que este marco regulatório é responsável por garantir uma situação satisfatória, tanto para o comprador (sistema público de saúde), quanto para o vendedor (setor fornecedor de bens e serviços de saúde), o seu bom funcionamento é fundamental para a operação da conexão entre a política de saúde e as políticas industriais e tecnológicas. A partir de sua leitura, os leitores poderão acompanhar os avanços feitos nesta direção, com destaque para o uso de poder de compra do estado para fomento de um desenvolvimento sustentável. O capítulo aponta, entretanto, a necessidade de aperfeiçoamento da gestão das compras públicas de forma que a sociedade possa usufruir dos benefícios resultantes deste marco regulatório aperfeiçoado.
O Capítulo 5 detalha o arcabouço de leis e normas sanitárias brasileiras desde o final dos anos 1990 até suas evoluções mais recentes. Entende-se que a regulação da pesquisa e da produção de medicamentos deve ter como objetivo principal o melhor funcionamento das conexões entre a política de saúde e as políticas industrial e tecnológica. Sabe-se que esta regulação pode ser um estímulo importante para a produção local, como foi o caso da política de genéricos, mas também algumas vezes inibir o desenvolvimento local. O capítulo analisa documentos, leis, normas e resoluções, todos relacionados à pesquisa clínica, boas práticas de fabricação, registro de comercialização, até as diretrizes para as parcerias de desenvolvimento produtivo. O resultado é apresentado sob a forma de pontos positivos e negativos para uma melhor conexão entre as políticas em questão.
O Capítulo 6, último capítulo da primeira parte, se debruça sobre a questão-chave da proteção patentária de medicamentos após a entrada em vigor do Acordo TRIPS a partir de 1995. A análise realizada considerou tanto seus efeitos na potencial restrição de oferta de produtos ao SUS e a possibilidade de uma oferta a preços mais altos, quanto suas implicações para a redução de graus de liberdade no exercício das iniciativas governamentais de políticas industrial e tecnológica. Seus resultados mostram que, ainda que a legislação brasileira tenha incorporado as principais salvaguardas de proteção à saúde pública previstas no Acordo TRIPS, ainda persistem várias indefinições institucionais relevantes para um melhor funcionamento dessas salvaguardas que são apontadas ao final do Capítulo.
A partir do Capítulo 7, conforme já informado, são apresentados alguns resultados parciais de avaliação das políticas industriais e tecnológicas (Capítulos 7, 8 e 9) e uma revisão bibliográfica sobre a difusão de tecnologias nos serviços de saúde de alta complexidade (Capítulo 10). O Capítulo 7 foca na análise dos esforços de inovação realizados pelas grandes empresas farmacêuticas atuando no Brasil entre 2008 e 2011 e especula sobre as principais razões para a mudança de tendência positiva nestes esforços. De fato os resultados mostram uma mudança de tendência importante no gasto de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) das grandes empresas farmoquímicas e farmacêuticas, ainda que seja cedo para concluir para um novo padrão de gastos desta natureza por parte das empresas localizadas no Brasil. O capítulo conclui para a importância do papel do estado para a indução desta mudança, através das políticas industriais e tecnológicas iniciadas em 2003, como visto no Capítulo 3.
Os Capítulos 8 e 9 analisam a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), respectivamente, do ponto de vista dos produtores e dos atores do sistema brasileiro de produção e inovação do setor farmacêutico. As parcerias de desenvolvimento produtivo, criadas para estimular a produção local de fármacos e medicamentos, produtos biotecnológicos e outros insumos médicos, são o principal instrumento da PDP. O desenvolvimento destas parcerias iniciou-se em 2008 e encontra-se ainda em curso. Do ponto de vista dos produtores, na análise feita no Capítulo 8, as parcerias apresentam-se como as principais estratégias para transferência de tecnologia e entrada em um campo tecnológico novo – a biotecnologia – e distinto da síntese química. O seu maior desafio é a capacidade de absorção tecnológica das empresas brasileiras. Entre as 24 empresas entrevistadas, incluindo empresas privadas nacionais, laboratórios públicos e start ups, destaca-se ainda o modesto esforço de aprendizado tecnológico realizado, refletido nos baixos investimentos em P&D, e a forte preferência pela transferência de tecnologia industrial externa como forma de capacitação, em vez de buscar o desenvolvimento próprio ou conjunto. O capítulo conclui que este tipo de posicionamento estratégico deixa as empresas brasileiras entrevistadas ainda vulneráveis no que diz respeito a sua capacitação tecnológica.
O Capítulo 9, por sua vez, traz uma discussão mais abrangente sobre a viabilidade do modelo escolhido para a implantação da biotecnologia no país e procura captar também em que medida a política é acertada para as empresas superarem a barreira da capacitação tecnológica, apontada como uma vulnerabilidade no Capítulo 8. Os resultados mostram que as grandes empresas brasileiras produtoras de genéricos foram as escolhidas das políticas industrial e tecnológica, capitaneada pelo BNDES, devido ao alto custo inicial dos investimentos requeridos, importância do fortalecimento das empresas nacionais e oferecimento de oportunidades de crescimento continuado para estas empresas que têm capacitação técnica, organizacional e financeira. Esta escolha não foi a expensas das empresas multinacionais, que, mais uma vez, estão sendo chamadas para transferir tecnologia. A entrada no mercado público de medicamentos, sem ter que participar de licitação, seria, segundo os entrevistados, a garantia de que essas empresas não pratiquem uma estratégia predatória em relação às parcerias. Finalmente, o capítulo registra a necessidade de se fazer um esforço maior para a incorporação de pequenas empresas de biotecnologia, preteridas pela política, como fornecedoras das grandes empresas.
O Capítulo 10, último deste livro, faz uma revisão da literatura de como se dá a difusão de tecnologias nos serviços de saúde, em geral, e em específico, nos serviços de hemodinâmica cardiovascular brasileiro. Sabe-se que nem sempre a incorporação de tecnologias obedece somente aos objetivos de melhoria das condições de saúde, sendo muitas vezes fortemente influenciada por razões privadas de maximização de lucros. Em particular, no caso brasileiro onde a prestação dos serviços de alta complexidade conta com a forte e crescente participação do setor privado, é preciso ter em conta que grande parte da demanda adicional de insumos de saúde pode estar baseada em decisões privadas de maximização de lucros e não por evidências empíricas de melhoria da saúde.
Em suma, os resultados parciais do Projeto mostram que a superação da condição estrutural de dependência a que está submetida à política de saúde é um forte empecilho para a melhoria das condições de saúde da população brasileira. A sua superação depende fortemente de uma ação coordenada do estado para alterar verdadeiramente a dependência externa, a industrialização dependente, e a falta de controle sobre a inovação tecnológica entre outros. Todavia, fica evidente pela leitura dos Capítulos ora apresentados que ainda restam muitos desafios a serem vencidos para avançar de forma harmoniosa entre os objetivos de saúde pública de melhores condições de vida da população e os objetivos de redução de nossa dependência estrutural endógena à condição periférica brasileira devido à incapacidade de o país de atender plenamente às demandas de bens e serviços que a melhoria de condições de saúde reclama.
Fica para os leitores a reflexão sobre estes desafios, na expectativa de que os resultados parciais revelados venham contribuír para o aperfeiçoamento e para o monitoramento das políticas em curso".

 Fonte:  http://www.e-papers.com.br/produtos.asp?codigo_produto=2772

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Conselho é contra a PEC 55/2016. Entenda os motivos...


O Conselho Nacional de Saúde (CNS) é totalmente contrário à PEC 55/2016 que tramita no Senado Federal. A proposta congela os investimentos públicos em 20 anos, o que compromete o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Desde que o governo de Michel Temer enviou a proposta ao Congresso Nacional, conselheiros nacionais de saúde têm alertado para os retrocessos que podem ocorrer caso a medida seja realmente aprovada.
 Vale lembrar que tal matéria tramitou na Câmara dos Deputados como PEC 241/2016 e que obteve a aprovação dos parlamentares da Casa em dois turnos. Ao chegar ao Senado, a denominada “PEC da Morte” recebeu a numeração de PEC 55/2016.

 A seguir, os documentos oficiais do CNS que explicam os motivos pelos quais o colegiado é contrário às medidas apresentadas pelo Governo Federal. 

“As farmacêuticas impedem a criação de novas terapias contra o câncer”

Pai da bioinformática conta como a computação pode ajudar a compreender a complexidade de cada tumor

NUÑO DOMÍNGUEZ


Os grandes projetos de sequenciamento do genoma do câncer iniciados há uma década demonstraram que cada tipo de tumor é tão diferente de outro em nível genético e molecular que parecem doenças distintas. Essa heterogeneidade também ocorre dentro de cada paciente – uma célula de um tumor pode ser muito diferente da célula ao lado. E toda essa variabilidade pode explicar por que algumas pessoas (e células) respondem aos tratamentos oncológicos e outras não.

“Com tanta complexidade, o problema só poderá ser resolvido com a utilização de computadores”, diz Fátima Al-Shahrour, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisas Oncológicas (CNIO) da Espanha. Al-Shahrour é especialista em bioinformática, uma disciplina em expansão que mistura o poder de cálculo dos computadores atuais com ferramentas oriundas da matemática e da estatística para analisar a imensidade do Big Data genético do câncer. Al-Shahrour foi uma das organizadoras de um congresso internacional do CNIO e da Fundação La Caixa voltado ao entendimento e combate da heterogeneidade do câncer graças à bioinformática.

Chris Sander, um dos pais dessa disciplina, foi o grande nome do congresso. É pesquisador do Instituto do Câncer Dana-Farber de Boston (EUA) e um dos líderes do Atlas do Genoma do Câncer, um consórcio norte-americano que estudou as variações genômicas de 30 tipos de tumores em 20.000 pessoas. “Essa base de dados agora nos ajuda a enxergar os detalhes microscópicos do que ocorre no câncer”, diz Sander. Físico teórico, foi para a área da biomedicina há mais de quatro décadas. Desenvolveu algoritmos capazes de resolver problemas de biologia que estavam fora do alcance dos maiores supercomputadores do mundo e criou unidades de bioinformática no Laboratório Europeu de Biologia Molecular e no Centro do Câncer Memorial Sloan-Kettering de Nova York. Nessa entrevista ele explica como a bioinformática pode ajudar a encontrar novas terapias combinadas mais efetivas e acessíveis.

Precisamos encontrar a forma de fazer testes clínicos alternativos, financiados com dinheiro público

Pergunta. O que diria a uma pessoa com câncer sobre como a bioinformática pode melhorar os tratamentos?

Resposta. Já demonstramos, por exemplo, que há tumores cerebraisque parecem muito similares, mas quando analisados do ponto de vista molecular e genético ocorre que cada pessoa tem um tumor diferente. É a heterogeneidade do câncer, o que implica que cada um necessitará de uma terapia diferente. Podemos listar a paisagem complexa de cada tumor e o número de drogas disponíveis para encontrar a combinação correta. Inicialmente vamos estudar isso em testes clínicos com pacientes, e depois começará a ser feito nos hospitais, como terapia.

P. O senhor defende que os pacientes também podem ter um papel mais ativo na luta contra o câncer.

R. Sim. Até agora, a força da genômica no câncer são os mais de 60.000 tumores analisados no nível da genética molecular. Essa é a montanha de dados que temos. O que nos falta é uma informação equiparável sobre pessoas. Essa informação está bloqueada nos hospitais e é incompleta. Temos que trabalhar para estruturá-la bem, publicá-la e compartilhá-la, de forma que possamos passar de uma montanha de dados genéticos a outra de dados de saúde pessoais, prontuários médicos, estilos de vida etc.. Meu pedido aos pacientes é que trabalhem com a comunidade de engenheiros informáticos, os geeks, e que os deixem captar suas informações sobre saúde através de seus smartphones, de modo a podermos obter essa informação diretamente deles. Isso já está acontecendo, há programas pilotos em andamento.

MMeu pedido aos pacientes é que permitam a captação de informações sobre sua saúde através de seus smartphones

P. As pessoas precisam se preocupar por exporem informações sobre sua saúde?

R. Deveríamos criar um direito constitucional pelo qual cada pessoa teria a propriedade sobre sua informação genômica e de saúde. Uma vez que esse direito exista, você poderá guardar esses dados só para você ou compartilhá-los. Há pessoas com um câncer muito agressivo que querem compartilhar seus dados enquanto estiverem vivas, porque esperam ajudar outras pessoas conectadas, como no Facebook. Se conseguirmos proteger esse direito, criaremos a liberdade de compartilhar informação. E, se fizermos isso bem, teremos uma base de dados extremamente poderosa. Poderemos multiplicar por 10 ou por 100 os benefícios que a bioinformática já propicia no tratamento de tumores.

P. Os computadores também podem encontrar novos usos para fármacos já existentes?
Eu chamo Trump de ‘Dump’ [lixo]

R. Sim. Especialmente com as chamadas terapias combinadas, quando várias drogas são usadas juntas para combater tumores que são resistentes a um fármaco. Uma decorrência disso é que se pode evitar o uso dos fármacos mais caros, de digamos 200.000 euros [711.200 reais], e substitui-los por uma combinação de outros já aprovados e muito mais baratos. Esse reposicionamento representa uma enorme oportunidade. Mas os grandes laboratórios farmacêuticos se opõem. Fizeram grandes contribuições para curar o câncer, mas não estão interessados em fazer testes clínicos se não tiverem a oportunidade de lucrar um monte de dinheiro. Se uma combinação contiver um medicamento barato, os grandes laboratórios não farão o teste, porque não aumentará seus lucros. Por isso temos que encontrar a forma de fazer testes clínicos alternativos, financiados com dinheiro público. É um problema social e político, mas há a oportunidade de propiciar um enorme benefício para os pacientes com câncer se fizermos testes públicos, por exemplo, sobre tumores muito especializados, que não interessam às grandes companhias.

P. Então os grandes laboratórios se opõem ao desenvolvimento de novos tratamentos?

R. Sim. Estão pondo o foco numa gama muito pequena, devemos ampliar a mira.

P. Quando chegarão as terapias melhoradas graças à bioinformática?

R. Já. É parte do sistema global de desenvolvimento de novas terapias. Veja, por exemplo, o melanoma, uma doença mortífera e muito rápida. Os novos testes clínicos de imunoterapia tiveram uma taxa de sucesso de 40% a 50% dois anos depois do tratamento, ou seja, há pessoas que potencialmente se curaram ou pelo menos não morrerão de melanoma. É um feito inovador. Não decorre diretamente da bioinformática, mas ela está ajudando a melhorar os resultados ao relacionar os tratamentos com o perfil genético das pessoas e ao mostrar quem pode responder melhor. Estamos permitindo que haja mortes por câncer totalmente desnecessárias.

P. Como acredita que a vitória de Donald Trump afetará a ciência nos EUA?

R. Eu o chamo de Dump [lixo, em inglês], por razões óbvias. Há 77 anos já vimos aonde levam certos movimentos políticos. Acredito que esse seja o maior risco. Alguns dos políticos que ganharam as eleições negaram a base científica da mudança climática, e inclusive nas fileiras dele questionam a evolução. Se essa animosidade contra a ciência se traduzir em cortes orçamentários, haverá um problema na pesquisa do câncer. Como cientistas devemos erguer a voz para que não haja um novo movimento anticientífico.

P. A medicina personalizada poderia incrementar a desigualdade em algo tão importante como a saúde?

R. Há um problema sem resolver. Se quisermos reduzir as mortes por câncer no mundo com uma só ação, ela seria uma campanha mundial contra o tabaco e a favor de mudanças na dieta e nos hábitos de vida. Numa recente conferência científica em Cingapura houve uma exposição da Phillip Morris, uma das empresas do câncer, dizendo que ela está fazendo pesquisas positivas sobre biologia de sistemas. Quando olhei do que se tratava, estavam desenvolvendo novos cigarros um pouco menos perigosos, e os apresentavam como se fosse ciência! Como seres humanos, estamos permitindo que haja mortes por câncer totalmente desnecessárias, e deveríamos parar com isso. Se não solucionarmos esses problemas sociais, a ciência não poderá mudar as coisas.

Fonte:
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/18/ciencia/1479471177_912532.html

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Cubano do Mais Médicos reduz uso de antibióticos em aldeia indígena ao resgatar plantas medicinais.


Na aldeia Kumenê, no Oiapoque, indígenas consumiam antibióticos de forma inadequada e excessiva. Médico cubano Javier Isbell Lopez descobriu que hábito estava associado à história do local, onde missionários evangelizaram os habitantes e os convenceram de que a utilização de plantas medicinais era um tipo de ‘feitiçaria’ que devia ser banido. Reintrodução de ervas com benefícios comprovados pela ciência reduziu uso de medicamentos.

Ao chegar à aldeia Kumenê, localizada no Oiapoque, extremo norte do Amapá, o cubano Javier Isbell Lopez Salazar se tornou o primeiro médico fixo da comunidade. Ele começou a atender a população local, formada por indígenas Palikur, em maio de 2014 e logo descobriu que os habitantes da região enfrentavam uma das maiores ameaças globais de saúde: o uso excessivo e inadequado de antibióticos.

O consumo inadequado dos medicamentos estava associado à chegada de dois missionários à região, na década de 1960. Os religiosos lá ficaram por mais de dez anos, durante os quais se dedicaram à evangelização da etnia. Os indígenas foram convencidos de que a utilização de plantas medicinais e chás era um tipo de “feitiçaria” e, por isso, tal hábito deveria ser banido.

As tradições acabaram sendo substituídas por dosagens abusivas de antibióticos. Para reverter o cenário, Salazar decidiu criar uma horta com plantas medicinais citadas na literatura científica que poderiam tratar grande parte dos problemas de saúde existentes na aldeia, como gripes e doenças diarreicas.

Em palestras e encontros com as lideranças e com os moradores do local, o profissional de saúde foi pouco a pouco desmistificando a crença de que as plantas seriam um tipo de “magia”. Elas, na verdade, poderiam ser utilizadas para salvar vidas.

“No começo, quando eu receitava alguma delas, eles jogavam fora e ficavam bravos comigo porque queriam antibióticos. Antes de ter médico aqui, eles faziam um uso excessivo de antibióticos e, hoje, as bactérias que circulam na comunidade têm resistência aos medicamentos disponíveis. Aos poucos, eles voltaram a acreditar no poder das plantas”, conta Salazar, que é um dos cooperados do Programa Mais Médicos.

Na horta do clínico, há plantas conhecidas popularmente como boldo, sabugueiro, “amor crescido”, babosa, manjericão, entre outras. O sabugueiro, segundo o médico, é extremamente eficaz para o alívio dos sintomas da gripe, uma das doenças mais frequentes na comunidade, pois tem efeito expectorante.

“No estudo epidemiológico que fiz, percebi que existem duas épocas do ano em que ocorrem vários casos. Em um desses períodos, no qual a gripe é bastante forte, começam a chegar os asmáticos. Faço um chá da planta com limão. Para as crianças, adiciono açúcar e faço um lambedor (espécie de xarope). Com uma xícara pequena de 12 em 12 horas, em dois dias os sintomas vão embora. Diferente do antibiótico, não há nenhum dano à saúde e está tudo demonstrado na literatura médica”, explica.

Educação em saúde supera preconceitos

Outra mudança trazida por Salazar e sua equipe de saúde foi a conscientização sobre os riscos de contaminação da água pelo despejo de resíduos domésticos nos rios. Segundo o médico, os indígenas costumavam construir seus banheiros próximos às margens do curso d’água que cerca a aldeia, localizada na confluência do Uaçá e do Curipi.

Isso fez com que a água — onde os moradores costumavam tomar banho — ficasse contaminada. Os poços também eram construídos ao lado dos sanitários.

“Explicando, conseguimos uma melhor qualidade de vida aqui. Um médico não pode se cansar. Eu me sinto bem porque já estou percebendo a mudança. Estou vendo que as medidas que estou tomando dão certo, pois as doenças estão desaparecendo. Estou ‘ganhando’ menos pacientes’”, comenta satisfeito.

O profissional já aprendeu algumas expressões na língua nativa da etnia Palikur e garante que a diferença de idiomas não é um impedimento à comunicação eficiente e a diagnósticos e tratamentos adequados.

Salazar e seus colegas do sistema de saúde também tem desenvolvido iniciativas de educação para o bem-estar. “Com isso, podemos conseguir uma mudança no estilo de vida de qualquer pessoa, seja indígena, branco ou extraterrestre. É possível prevenir várias doenças”, afirma o cubano.

“Eu realmente não tenho palavras para expressar o que eu sinto ao trabalhar aqui e digo isso de coração. Quando comecei eles eram anti-médico, tentavam evitar as consultas. Quando vinham ao posto de saúde, não olhavam de frente para mim, ficavam sentados olhando para o chão ou qualquer outro lugar”, lembra o médico sobre sua chegada a Kumenê.

“Hoje, eles chegam aqui e explicam direitinho o que estão sentindo. Com o tempo, com tantas palestras e tanta conversa, eles mudaram”, conclui.

Fonte: https://nacoesunidas.org/cubano-do-mais-medicos-reduz-uso-de-antibioticos-em-aldeia-indigena-ao-resgatar-plantas-medicinais/

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Sistema de saúde para todos é 'sonho' e seus defensores são 'ideólogos, não técnicos', diz ministro da Saúde

Publicado na BBC Brasil – Por Mariana Schreiber
11/11/2016 16h09

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse em entrevista à BBC Brasil que pesquisadores que defendem um sistema universal de saúde - ou seja, que atenda todos os segmentos da população - "não são técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o assunto como se não existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho".
A declaração foi dada após ser ele questionado sobre a opinião do professor da UFBA Jairnilson Paim (autor do livro "O que é o SUS"), para quem um sistema que atende menos pessoas tende a ser pior.
O ministro ressaltou que o governo está com saldo negativo nas contas - e que essa crise se deve a decisões do governo anterior.
"Falar que tem que pôr mais gente demandando, sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. (…) O SUS é tudo para todos, ou tudo que está disponível no SUS para todos?", questionou também.
No momento, sua pasta elabora uma proposta de "planos de saúde acessíveis", com cobertura de atendimento reduzida, para o público de menor renda. O objetivo é que essas pessoas façam consultas e tratamentos no sistema privado, desafogando o SUS (Sistema Único de Saúde).
Há um grupo de trabalho dentro do ministério, que inclui representantes da indústria de planos de saúde, elaborando um novo produto a ser disponibilizados pelas operadoras. Contrária à proposta, a Proteste, uma associação de defesa do consumidor, pediu para participar e está acompanhando a discussão.
Associações médicas também têm se oposto à ideia. Para os críticos, a medida vai contra a tendência dos últimos anos, de ampliar as exigências mínimas de tratamentos oferecidos pelos planos, com objetivo de melhorar o serviço.
Questionado também sobre críticas de alguns economistas à PEC do teto dos gastos públicos, que poderia potencialmente tirar recursos da saúde, o ministro voltou a minimizar a importância dos estudiosos.
A proposta de emenda constitucional, que deve ser aprovada pelo Congresso em dezembro, limita por vinte anos o crescimento das despesas do governo à inflação.
"Vou escrever um livro: 'Eu e os especialistas'. Como tem especialista para tudo, né? Pode escrever qualquer tese maluca que não se sustenta. Não dá para trabalhar nesse nível de conversa", disse.
"Não tem redução de recursos de saúde com a PEC. Isso não existe", afirmou também, ressaltando que o teto proposto é para o conjunto de gastos e outras despesas poderão ser reduzidas para que o orçamento de sua pasta seja aumentado.
Barros, eleito deputado federal pelo PP em 2014, teve como maior doador individual de sua campanha o empresário Elon Gomes de Almeida, presidente da Aliança, administradora de planos de saúde, com uma contribuição de R$ 100 mil.
À BBC Brasil, a assessoria do ministério ressaltou que essa doação representa somente 3,1% do total gasto pela campanha de Barros (R$ 3,1 milhões). O órgão disse também que "continuará trabalhando na melhoria da atuação dos planos de saúde, por meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar, e que a atuação da gestão independe de relação partidária, jurídica ou pessoal".
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Pedro Ladeira/Folhapress

 BBC Brasil - Como está a discussão do grupo de trabalho sobre os planos acessíveis? Que proposta está se desenhando?
Ricardo Barros - Isso é com o secretário Francisco (Figueiredo, da Secretaria de Atenção à Saúde do ministério).
BBC Brasil - Mas o senhor não está acompanhando, sendo informado? O que poderia sair desse programa?
Barros - Parece que duas propostas foram apresentadas ao grupo de trabalho. O grupo foi prorrogado (de 60 dias para 120 dias), e eles estão caminhando para uma solução de oferta de um novo produto de mercado.
BBC Brasil - E qual a previsão de quando isso possa sair?
Barros - Isso é com o Francisco.
[Após a entrevista, a assessoria do ministério informou que o grupo de trabalho está "em fase de discussão" e que "o produto final das atividades será consolidado e encaminhado à ANS", agência que regula a indústria de planos de saúde. A ANS "avaliará a pertinência do projeto e sua possível implementação", diz ainda o ministério. O grupo deve concluir os trabalhos no início de dezembro.]
BBC Brasil - Ainda sobre essa questão, existem alguns estudiosos do setor de saúde, como um professor da UFBA que a BBC Brasil entrevistou recentemente (Jairnilson Paim), que afirmam que quanto mais universal for o SUS, quanto mais gente estiver nesse sistema, melhor ele tende a ser, pois é mais gente vocalizando, demandando. Essa proposta (de mais planos de saúde) não vai contra isso? Não tende a enfraquecer o SUS?
Barros - Você tem que conversar com o contribuinte. Se tiver gente disposta a contribuir para que todos demandem o SUS, eu também concordo. Então falar que tem que pôr mais gente demandando, sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. Ele está falando de uma ideologia, do pensamento, do sonho, e não está falando da realidade. Não são técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o assunto como se não existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho. Não é um sonho, nós temos que administrar uma realidade aqui.
BBC Brasil - Um estudo do Ipea feito com a Receita Federal mostra que a perda de receita com desconto no Imposto de Renda de gastos com planos de saúde, tanto para pessoa física como jurídica, chegou a R$ 10,5 bilhões em 2013. Por que seria correto subsidiar um produto privado em vez de investir no sistema público?
Barros - A leitura para nós disso é (que esses recursos são) dinheiro carimbado para a saúde. Toda essa (perda de) arrecadação é vinculada diretamente à saúde. Se não for, recolhe aos cofres do Tesouro, 25% (arrecadação com IR tem que ser repassado) para Estados, 25% para municípios, aí (a outra metade) entra (na divisão prevista) nos vínculos constitucionais, educação, etc.
Vai sobrar para saúde um pedacinho desse tamanho.
Por isso que eu falei: para de sonho, gente. A realidade é diferente do sonho. É fácil falar.
BBC Brasil - Esse valor (subsídios para planos de saúde) é basicamente para as pessoas de renda mais alta, pois é elas que fazem esses gastos e conseguem descontar (do Imposto de Renda). Então não é um recurso que poderia estar sendo recolhido e investido em serviços para os mais pobres?
Barros - Não, 55% do financiamento da saúde brasileira é privado, 45% é público. As entidades filantrópicas, que atendem mais de 50% dos atendimentos do SUS, se equilibram economicamente atendendo 60% do SUS e 40% convênio. E deixam de pagar os impostos.
Evidentemente, os recursos que sustentam os convênios fazem parte do equilíbrio econômico do sistema como um todo. Não há nenhum prejuízo nesse incentivo que as pessoas utilizem recursos na saúde e possam descontar, porque a pessoa que paga imposto e desconta esse recurso tem direito ao SUS também.
Então, em vez de a gente atender no SUS, nós estamos permitindo que ele faça o atendimento e desconte no imposto, desde que declarado tudo devidamente.
É um modelo que está estabelecido há muitos anos. Tem gente que defende que filantrópica não deveria deixar de pagar imposto, é uma ideia. Se ela ficasse em pé, seria ótima.
Mas se nós fizermos isso, nós desestruturamos 50% do atendimento dos brasileiros que estão nas filantrópicas. Então, a matemática deve ser feita com a visão geral do sistema. Essas críticas pontuais, inconsistentes e impensadas, elas não ajudam o sistema.
BBC Brasil - Parece haver um impasse: existe resistência aos impostos, até um certo tabu que impede uma discussão mais racional, mas também existe uma demanda muito forte por saúde pública, por um SUS forte. Então como a gente sai desse impasse? É um tabu discutir mais recursos para saúde?
Barros - Não é um tabu. O Congresso apresentou agora R$ 18 bilhões em emendas parlamentares (recursos da União que os deputados e senadores podem investir de acordo com suas prioridades, normalmente em suas bases eleitorais) para a saúde.
Não tem tabu nenhum. Todo mundo quer botar mais recurso para a saúde.
BBC Brasil - Mas na prática a PEC do teto dos gastos (que prevê que as despesas não podem crescer mais que a inflação) vai reduzir recursos para saúde, no sentido de que a população está envelhecendo e vai haver mais demanda por serviços de saúde.
Barros - Não vai haver redução de recurso para a saúde. Desculpa, querida, não é verdade.
BBC Brasil - Não estou dizendo que vai em termos de quanto é investido hoje, mas de que a demanda tende a crescer e o orçamento não vai crescer no mesmo nível.
Barros - É um problema que acontece em qualquer (país)… não tem nada a ver com a PEC, tem? O que a PEC tem com o envelhecimento das pessoas, gente? Nada, isso é uma realidade estabelecida.
Desculpa, mas eu não tenho muita paciência para esse ideologismo inconsequente. Isso é uma bobagem. O envelhecimento das pessoas vai acontecer de qualquer jeito. A PEC não tem nada a ver com isso.
A PEC garante que há um limite para o conjunto dos gastos públicos. No conjunto dos gastos, a Previdência vai gastar mais do que a inflação (crescer mais que a inflação). A saúde e a Previdência vão ter seus recursos mantidos ou ampliados e as outras áreas de governo vão ter que compensar com redução, para compensar o teto.
Não tem redução de recursos de saúde com a PEC. Isso não existe.
BBC Brasil - Tem uma questão da PEC que é a seguinte: a expectativa é que haverá uma recuperação da economia, o que vai aumentar a arrecadação do governo, porém esses recursos, por causa do teto, lá na frente vão ser exageradamente destinados ao superavit primário (economia para pagar juros da dívida). Existem inclusive economistas liberais que fazem essa crítica, como o Felipe Salto e a Monica de Bolle.
Barros - E para que serve o superavit primário?
BBC Brasil - Para pagar a dívida publica. Ela é mais importante que a saúde?
Barros - Não, mas não precisa pagar a dívida, então? Nós não vamos pagar a dívida nunca?
BBC Brasil - Não, é questão de volume. A crítica deles é que haverá um volume muito grande destinado ao superavit primário.
Barros - Nós estamos há quatro anos fazendo um deficit primário (na verdade desde 2014, mas a previsão é de novos rombos em 2016 e 2017), não pagamos um centavo nem do juro da dívida. E aí?
BBC Brasil - A União está rolando a dívida. Estamos contraindo mais dívida, não estamos deixando de pagar juros.
Barros - Estamos endividando nossas futuras gerações. E aí? As futuras gerações querem ser endividadas ou não? Qual é a contestação à tese do equilíbrio fiscal, não é bom o equilíbrio fiscal?
BBC Brasil - Não estou dizendo que é ruim, estou dizendo que economistas liberais…
Barros - Vou escrever um livro: "Eu e os especialistas". Como tem especialista para tudo, né? Pode escrever qualquer tese maluca que não se sustenta, não se sustenta. Não dá para trabalhar nesse nível de conversa.
Nós temos que equilibrar o país, pôr as contas em dia, pagar nossa dívida e seguir a vida. Eu não posso discutir uma tese que "olha, nunca mais vamos pagar a dívida, vamos continuar fazendo deficit porque eu preciso gastar, então eu gasto, pronto".
BBC Brasil - Não foi isso que eu disse, ministro.
Barros - Eu estou discutindo isso agora no Supremo (Tribunal Federal) com a judicialização (recursos judiciais para obrigar o governo a prestar atendimentos ou fornecer remédios): o SUS é tudo para todos, ou tudo que está disponível no SUS para todos? É isso que o Supremo vai decidir.
BBC Brasil - Eu só quero registrar que eu não disse que não vai ser pago juros da dívida. Eu disse que esses economistas falam que vai ter um excesso, um valor além do necessário para regularizar (estabilizar em um nível considerado sustentável) a relação entre dívida e PIB. Esse é o indicador mais usado, nenhum governo quer pagar a dívida 100%.
Barros - Tomara que esse dia chegue, que tenha excesso de arrecadação. E acontecendo isso, querida, a PEC do teto vai cair, obviamente, porque é um outro momento.
Nós estamos fazendo isso hoje (fixar um teto para os gastos) porque a nossa realidade hoje nos impõe fazer isso. Se essa realidade mudar, evidentemente…
BBC Brasil - O senhor acredita que, nesse caso, haveria uma coalizão política para reverter isso (aprovar uma nova PEC, derrubando o teto)?
Barros - Claro, agora (nessa situação futura de aumento de arrecadação) o país está de outra forma, nós podemos alterar essa regra que foi estabelecida num momento em que era necessário.
Não é possível trabalhar nessas teses malucas de que o que é feito num momento de crise não serve para o momento de bonança. Claro que não serve. Não preciso fazer tese para descobrir isso.
Como nós estávamos num momento mais favorável (em anos anteriores) e o governo acabou tomando algumas decisões que levaram a essa crise, pode ser que lá na frente se decida abrir a possibilidade dos gastos.

Tem dinheiro para gastar? Vamos gastar. Tomara que tenha. Eu torço muito para que tenha, e bastante.

Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37932736