Escrito por Drauzio Varella
Disponível em https://drauziovarella.uol.com.br/drauzio/artigos/imposicao-pelas-maos/
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Faltam ao Brasil políticas públicas de
saúde dignas desse nome.
A
principal barreira para implementá-las vem da rapidez com que são trocados
ministros e secretários estaduais e municipais, que controlam milhares de
cargos de confiança pelo país afora. As escolhas não obedecem a critérios
técnicos, mas a interesses político-partidários.
A
criação do SUS foi a maior revolução da história da medicina brasileira. Nenhum
país com mais de 100 milhões de habitantes ousou oferecer assistência médica
gratuita para todos.
Antes
de 1988, se a pessoa doente trabalhava com carteira assinada, tinha direito ao
atendimento pelo antigo INPS; caso contrário, era considerada indigente,
portanto dependente da caridade pública.
Apesar
de ser um sistema com apenas 30 anos de idade, demos passos enormes. Entre
outros, desenvolvemos os maiores e mais abrangentes programas gratuitos de
vacinações e de transplantes de órgãos, do mundo; o programa nacional da aids
revolucionou o tratamento e reduziu a velocidade de disseminação da epidemia
mundial. As equipes de Saúde da Família são citadas pela OMS como exemplo a ser
seguido.
O
cidadão acidentado que telefona para o resgate não sabe que está recorrendo ao
SUS. Os que recebem transfusão nos hospitais mais caros de São Paulo, não fazem
ideia de que a qualidade do sangue é atestada nos hemocentros do SUS. O
trabalho realizado pelos agentes de saúde, nos pontos mais remotos do interior
e nas periferias inseguras das cidades, é ignorado por todos.
A
despeito desses avanços e de ser um sistema jovem ainda em construção, para a
sociedade desinformada o SUS faz o papel da Geni, do Chico Buarque.
No
imaginário popular, o SUS é o pronto-socorro com gente pobre nas macas de
corredores superlotados, é a fila de doentes à espera de consulta na porta do
hospital.
Longe
de mim negar essa realidade humilhante, mas posso assegurar que parte se deve
ao desafio de universalizar o atendimento, sem dispor de recursos suficientes;
parte à escassez de gestores comprometidos com a saúde pública.
Nesta semana, o ministro da Saúde anunciou que o SUS passará a oferecer
terapias que atendem por nomes estranhos: imposição de mãos, aromaterapia,
cromoterapia, florais, ozonioterapia, apiterapia, arteterapia, bioenergética,
hipnoterapia, geoterapia, constelação familiar.
Segundo
o ministro: “Essas práticas são uma prevenção para que pessoas não fiquem
doentes, não precisem de internação ou cirurgia, o que custa muito para o SUS.
Vamos retomar nossas origens e dar valor à medicina tradicional milenar”.
Nunca
defendi que o Ministério da Saúde fosse entregue a médicos, já tivemos bons
ministros que não o eram, mas devo reconhecer que um médico pelo menos teria
vergonha de pregar o retorno à medicina de mil anos atrás.
Não
tenho nada contra a aromaterapia, nem contra as constelações familiares ou a
arteterapia. Sentir um perfume agradável, refletir sobre as relações com os
parentes ou ter aula de arte faz bem para qualquer mortal. Mas dizer que assim
evitaremos doenças, internações e cirurgias é desonestidade intelectual, é
abusar da credulidade humana.
Nenhuma
dessas terapias demonstrou eficácia clínica em estudos científicos. Oferecê-las
pelo sistema público significa contratar novos profissionais, arranjar-lhes
espaço físico e organizar a burocracia para que possam trabalhar. Ou seja,
vamos desviar os minguados recursos da Saúde para estratégias que nada
contribuem para enfrentarmos os problemas de uma população que envelhece
sedentária, obesa, hipertensa, com diabetes e doenças reumatológicas.
Faltam
ao SUS enfermeiras, fisioterapeutas, fonoaudiólogas, auxiliares de enfermagem,
assistentes sociais e médicos, sem os quais não há como prestar a assistência
que os brasileiros necessitam.
Se
há recursos para contratar terapeutas que transmitem energia com as mãos,
aplicam argila em feridas e pontos dolorosos e receitam gotinhas de florais,
por que não aplicá-los na ampliação das equipes de Saúde da Família, de modo a
permitir que cheguem aos lares de todos os brasileiros?
De
uns tempos para cá, parece que só andamos para trás.