Artigo de Hêider Pinto - Médico e Mestre em Saúde Pública
Publicado no site BRASIL 247 - www.brasil247.com.br
Nosso
artigo pretende analisar quais as intenções e propostas que o grupo que quer
chegar ao poder, sem passar por uma eleição, tem para a saúde e o SUS. Para
isso nos baseamos nos documentos emitidos pelo Instituto Ulisses Guimarães do
PMDB, dentre eles o "Ponte para o Futuro", e, complementarmente, entrevistas dadas por
Moreira Franco e discursos e projetos de lei de lideranças desse grupo.
Essa
é entendida como a prioridade zero, mas seu enfrentamento no campo da política
econômica é todo de médio ou longo prazo. Então como o documento Ponte para o
Futuro pretende enfrentar o déficit público: venda de ativos (privatizações),
Estado deixar de atuar como agente econômico (no petróleo, por exemplo) e
redução do gasto público. Neste texto trataremos do último ponto, os outros
dois em outro que ainda faremos como parte da série de artigos que estamos
editando sobre os "bastidores do golpe".
O
documento "Ponte para o Futuro" traz explicitamente algumas medidas
com grande impacto na saúde: "acabar com as vinculações constitucionais
estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação";
"estabelecer um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento
do PIB, através de lei".
Lembremos
o movimento de saúde produziu uma grande conquista ao povo brasileiro quando,
depois de muita luta, conseguiu aprovar a Emenda Constitucional 29 em 2000 que
garantiu que a cada ano os recursos da Saúde aumentassem conforme a variação do
PIB e a inflação. Mesmo assim, 16 anos depois o Brasil tem um gasto público de
4,7% do PIB enquanto Uruguai tem 6,1% e países com sistemas universais, como o
nosso, apresentam: Canadá e Reino Unido, ambos 7.6% e França 9%.
Em
2013, antes da desvalorização do real, o gasto público do Brasil per capita era
de 525 dólares, o do Uruguai $ 992, do Canadá $3.985 e França $3.741.
Há
menos de 10 dias, dada a situação de flagrante subfinanciamento do SUS, a
Câmara aprovou a EC 01 de 2015 que garante até 2023 a aplicação de 19,4% da
receita corrente líquida, o que ampliaria os recursos federais para a saúde em
aproximadamente 33%.
Portanto,
vale dizer que essa vitória será em vão e não se concretizará, porque com a
desvinculação do orçamento permanente (não temporária) e com o impedimento de
aumentar acima da variação do PIB, vale dizer que o SUS, que já está
subfinanciado, não sairá desta condição.
O
Governo Collor vetou os artigos da Lei Orgânica da Saúde que tratavam do
financiamento impedindo o SUS de nascer adequadamente. Os anos de FHC tampouco
mudaram isso e o SUS seguiu subfinanciado. Caso o Golpe se concretizasse
teríamos uma terceira fase de muita luta para o povo brasileiro em geral e para
o movimento sanitário em especial: a "tempestade perfeita" para mudar
o SUS que temos hoje.
SUS
ainda mais subfinanciado; redução de recursos para os serviços existentes e
redução de serviços; demanda maior que oferta e aumento do tempo de espera e
filas e déficit de atendimento; insatisfação crescente com o sistema público.
Um
ambiente no qual a população teme a crise e com alto grau de insatisfação com o
SUS é o momento "ideal" de aprovar medidas previstas na Ponte para o
Futuro como a "transferências de ativos que se fizerem necessárias, (...)
parcerias para complementar a oferta de serviços públicos". Moreira Franco
em entrevista ressuscitou as políticas focalistas dos anos 90 argumentando que
o Estado deveria se concentrar nos 20% mais pobres. Neste caso a ponte seria
para o passado.
MAS
ASSIM, O QUE ACONTECERIA COM 60% DA POPULAÇÃO
Mas se apenas 20% têm plano de saúde (e mesmo assim a maioria destes usa
serviços do SUS) e o Estado focalizaria em outros 20%, o que restaria para 60%
da população?
Temos
duas pistas. Uma na Agenda Brasil proposta pelo PMDB do Senado na qual uma das
propostas é "cobrança diferenciada de procedimentos do SUS por faixa de
renda. Considerar as faixas de renda do IRPF". Medida que na crise de 2011
Portugal tomou e que teve resultados muito ruins em termos de saúde como pode
ser contatado em vários estudos de saúde.
Outra
pista está no Projeto de Emenda Constitucional 451/2014 de autoria de Eduardo
Cunha (dirigente do impeachment e segundo na linha sucessória caso
concretizado) que obriga as empresas a pagarem planos de saúde privados para
todos os seus empregados por meio da inserção dessa línea na Constituição:
"plano de assistência à saúde, oferecido pelo empregador em decorrência de
vínculo empregatício, na utilização dos serviços de assistência médica".
Além
da consequência óbvia do fim de uma saúde com equipes multiprofissionais e base
e vínculo territorial integrando promoção, prevenção, recuperação e
reabilitação, teríamos Plano de Saúde que hoje raros oferecem serviços de
qualidade para 20% ampliados para mais de 50% da população que tem empregos
formais e suas famílias.
Restaria
ainda saber o que fazer com aqueles que não estão entre os 20% mais pobres e
que não têm emprego formal, como muitos autônomos e empreendedores
individuais...
Mas
quem se importa? A Proposta desse grupo, em primeiro lugar é enfrentar a Crise,
em segundo é reduzir os gastos do Estado, em terceiro é focalizar a ação do
Estado. Nem em quarto nem em quinto é garantir os Direitos Constitucionais ou
ampliá-los. É por isso que tenho repetido: o maior papel do impeachment, que do
modo como está sendo levado a cabo, é um Golpe, é implantar outro projeto
político no Brasil, sem passar pelo debate e crivo eleitoral, que enfrenta a
crise colocando na conta da população que mais precisa do Estado que, no caso
da saúde, corresponde a 80%. Enfrentar a crise, às custas da saúde da
população.
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