Se estivesse vivo Vinicius de Moraes completaria hoje 100 anos. Nascido no dia 19 de outubro de 1913, no Rio de Janeiro, Vinicius está ainda muito presente através de suas músicas e poesias.
Como tantos outros fãs, este humilde Blog
não poderia deixar passar essa data. Para isso, fui buscar em seus inúmeros poemas, algo
relacionado com a saúde.
Além de tudo o que nos deixou, Vinicius
também falou sobre a vida e a morte. Em sua prosa “Amigos meus” fala da saudade
dos amigos que partiram e faz recomendações para os amigos ainda vivos. É quase
uma prescrição para uma vida longa e feliz. Também um apelo aos seus amigos,
para que vivam o máximo que puderem. Enfim, um alerta de como devemos viver...
Viva Vinicius!
AMIGOS MEUS
"Ah,
meus amigos, não vos deixeis morrer assim... O ano que passou levou tantos de
vós e agora os que restam se puseram mais tristes; deixam-se, por vezes, pensativos,
os olhos perdidos em ontem, lembrando os ingratos, os ecos de sua passagem;
lembrando que irão morrer também e cometer a mesma ingratidão.
Ide ver vossos clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai tento, amigos meus! - porque a Velha andou solta este último Bissexto e daqui a quatro anos sobrevirá mais um no Tempo e alguns dentre vós - eu próprio, quem sabe? - de tanto pensar na Última Viagem já estarão preparando os biscoitos para ela.
Eu me havia prometido não entrar este ano em curso - quando se comemora o 1964º aniversário de um judeu que acreditava na Igualdade e na justiça - de humor macabro ou ânimo pessimista. Anda tão coriácea esta República, tão difícil a vida, tão caros os gêneros, tão barato o amor que - pombas! - não há de ser a mim que hão de chamar ave de agouro. Eu creio, malgrado tudo, na vida generosa que está por aí; creio no amor e na amizade; nas mulheres em geral e na minha em particular; nas árvores ao sol e no canto da juriti; no uísque legítimo e na eficácia da aspirina contra os resfriados comuns. Sou um crente - e por que não o ser? A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer.
Pelo bem que me quereis, amigos meus, não vos deixeis morrer. Comprai vossas varas, vossos anzóis, vossos molinetes, e andai à Barra em vossos fuscas a pescar, a pescar, amigos meus! - que se for para engodar a isca da morte, eu vos perdoarei de estardes matando peixinhos que não vos fizeram mal algum. Muni-vos também de bons cajados e perlustrai montanhas, parando para observar os gordos besouros a sugar o mel das flores inocentes, que desmaiam de prazer e logo renascem mais vivas, relubrificadas pela seiva da terra. Parai diante dos Véus-de-Noiva que se despencam virginais, dos altos rios, e ride ao vos sentirdes borrifados pelas brancas águas iluminadas pelo sol da serra. Respirai fundo, três vezes o cheiro dos eucaliptos, a exsudar saúde, e depois ponde-vos a andar, para frente e para cima, até vos sentirdes levemente taquicárdicos. Tomai então uma ducha fria e almoçai boa comida roceira, bem calçada por pirão de milho. O milho era o sustentáculo das civilizações índias do Pacífico, e possuía status divino, não vos esqueçais! Não abuseis da carne de porco, nem dos ovos, nem das frituras, nem das massas. Mantende, se tiverdes mais de cinquenta anos, uma dieta relativa durante a semana a fim de que vos possais esbaldar nos domingos com aveludadas e opulentas feijoadas e moquecas, rabadas, cozidos, peixadas à moda, vatapás e quantos. Fazei de seis em seis meses um check-up para ver como andam vossas artérias, vosso coração, vosso fígado.
E amai, amigos meus! Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício de outros deveres, este, sagrado, do amor. Amai e bebei uísque. Não digo que bebais em quantidades federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém. Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.
Mas
sobretudo não morrais, amigos meus!"
Fonte da imagem e da Prosa: http://www.viniciusdemoraes.com.br/
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