Por: Selvino Heck*
"Eu estava lá, vi e vivi. Encontro o
colega Manoel Messias, da Secretaria Nacional de Relações Políticas e Sociais
da Secretaria Geral da Presidência da República, que me diz: “Acabei de ligar
para minha mulher assistir na NBR. Ela me respondeu que está vendo e está
chorando”. Ao seu lado o Paco – Júlio Hector Marin –, um chileno há muitos anos
no Brasil, da Secretaria de Relações Institucionais, olhos vermelhos,
emocionado. Eu, tentando segurar o choro e as lágrimas, digo numa rodinha: “É o
gesto e o fato em si, mas é também muito mais. É o simbolismo, Cuba, América
Latina, tudo”. Dias depois encontro o ministro Alexandre Padilha no prédio onde
ambos moramos, dou-lhe os parabéns e conto que vi muita gente chorando. Ele:
“Dei-me conta quando vi o Ferreira (deputado federal Paulo Ferreira) chorando
na minha frente".
Foi o clima da cerimônia de sanção da
lei que instituiu o Programa Mais Médicos, no Palácio do Planalto. Muita
emoção, gente para todos os lados, médicos e médicas cercando a presidenta
querendo uma foto, imprensa como poucas vezes vi. O choro de muitos aconteceu
quando a presidenta Dilma entregou ao médico cubano Juan Delgado o documento de
que ele poderia trabalhar no Brasil. Ficaram conversando por vários minutos.
Nas fotos de capa dos jornais, a presidenta aparece toda sorridente e feliz, vestida de vermelho, ele, de
branco, documento nas mãos, alegre, como se estivesse em casa. Foi quando muita
gente chorou.
Juan Delgado é o médico cubano
recebido em Fortaleza em meio a um corredor polonês por médicos e médicas
cearenses que gritavam "escravo".
A presidenta Dilma abriu seu discurso
dizendo: “Primeiro, eu queria cumprimentar o Juan. Não apenas pelo fato de ele
ter sofrido um imenso constrangimento quando chegou ao Brasil, o que do ponto
de vista pessoal e em nome do governo e, eu tenho certeza, do povo brasileiro,
eu peço desculpas a ele. Mas também pelo fato de nós estarmos aqui hoje, e eu
queria cumprimentar cada um dos médicos e das médicas aqui presentes. Eles
representam eu conversei com eles antes eles representam muito a grande nação
latino-americana. Por isso, quando nós nos olhamos, é como se nós víssemos os
brasileiros representados em cada um deles, como eu vejo todos os
latino-americanos, os argentinos, eu vejo os salvadorenhos, eu vejo os cubanos,
eu vejo os venezuelanos, eu vejo os bolivianos, os equatorianos. Então, eu
queria saudar esses médicos que vieram de longe para ajudar o Brasil a ter uma
política de saúde que
levasse esse serviço essencial a todos os brasileiros e brasileiras.
Muitos e muitas de nós que choramos no
Palácio do Planalto vivemos e crescemos acompanhando a revolução cubana, sua
resistência heroica à potência do Norte, a capacidade imensa do povo cubano de
ser feliz no meio das dificuldades e privações, colocando saúde, educação e
esporte em primeiro lugar, dizendo para todos que é possível ser soberano numa
ilha a poucos quilômetros de Miami e ajudar outros países mais pobres, que é
possível resistir ao consumismo desvairado, que é possível música e literatura
de alta qualidade, que é possível ser um povo com dignidade,
que busca seus próprios caminhos, que não se está condenado a uma única opção
econômica, social, política e cultural, que valores como igualdade,
fraternidade, solidariedade podem estar presentes na vida de cada um e cada uma
e na história de uma nação. Por isso, choramos com Juan Delgado sendo recebido
pela presidenta Dilma e ele dizendo em Fortaleza: "Sim, sou escravo da
sade".
O ministro Alexandre Padilha resumiu
nosso sentimento: “Aquele corredor polonês da xenofobia que te recebeu em
Fortaleza não representa o espírito nem do povo brasileiro nem da maioria dos
médicos brasileiros.
Antes servir que servir-se. Os médicos
cubanos são influenciados até hoje pelo programa de medicina familiar,
comunitária e coletiva implantado pelo também médico, guerrilheiro e
revolucionário argentino Che Guevara. Che foi, como escreveu alguém, um embrião
e propagador do homem do novo tipo. Esse Che que, segundo o filme Diários de motocicleta, em sua viagem pela
América do Sul nos anos 1950, da Argentina à Venezuela, para por um tempo para
atender leprosos no Peru. No dia do seu aniversário, faz um brinde à unidade
latino-americana que um dia chegará. Em seguida, abandona a festa de
aniversário, atira-se na água, atravessa o rio e vai festejar com os leprosos
sob o som da belíssima Al otro lado del Río, do
uruguaio Jorge Drexler: “Clavo mi remo en el agua/ Llevo tu remo em el mío./
Creo que he visto uma luz al outro lado del rio.
O simbolismo
da unidade latino-americana está expresso nos médicos cubanos e de outros
países que se dispuseram a trabalhar com as dores do povo brasileiro. O
simbolismo da unidade latino-americana está expresso em Juan Delgado dizendo não ser escravo de ninguém, mas da saúde dos mais
pobres e sofridos. O calor humano da presidenta Dilma e do Palácio do Planalto
de Niemeyer deram de novo sentido ao novo homem e à nova mulher que Che tanto
pregou: “Acima de tudo, procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer
injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais
bela qualidade de um Revolucionário”. “Se você é capaz de tremer de indignação
a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos
companheiros.
Somos companheiros,
Juan".
* Selvino Heck é
assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da Repblica.
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