terça-feira, 29 de outubro de 2013

A presidenta e o médico.

Texto publicado no Jornal do Brasil em 27/10/2013. Disponível em http://www.jb.com.br/selvino-heck/noticias/2013/10/27/a-presidenta-e-o-medico/

Por: Selvino Heck*
"Eu estava lá, vi e vivi. Encontro o colega Manoel Messias, da Secretaria Nacional de Relações Políticas e Sociais da Secretaria Geral da Presidência da República, que me diz: “Acabei de ligar para minha mulher assistir na NBR. Ela me respondeu que está vendo e está chorando”. Ao seu lado o Paco – Júlio Hector Marin –, um chileno há muitos anos no Brasil, da Secretaria de Relações Institucionais, olhos vermelhos, emocionado. Eu, tentando segurar o choro e as lágrimas, digo numa rodinha: “É o gesto e o fato em si, mas é também muito mais. É o simbolismo, Cuba, América Latina, tudo”. Dias depois encontro o ministro Alexandre Padilha no prédio onde ambos moramos, dou-lhe os parabéns e conto que vi muita gente chorando. Ele: “Dei-me conta quando vi o Ferreira (deputado federal Paulo Ferreira) chorando na minha frente". 
Foi o clima da cerimônia de sanção da lei que instituiu o Programa Mais Médicos, no Palácio do Planalto. Muita emoção, gente para todos os lados, médicos e médicas cercando a presidenta querendo uma foto, imprensa como poucas vezes vi. O choro de muitos aconteceu quando a presidenta Dilma entregou ao médico cubano Juan Delgado o documento de que ele poderia trabalhar no Brasil. Ficaram conversando por vários minutos. Nas fotos de capa dos jornais, a presidenta aparece toda sorridente e feliz, vestida de vermelho, ele, de branco, documento nas mãos, alegre, como se estivesse em casa. Foi quando muita gente chorou. 
Juan Delgado é o médico cubano recebido em Fortaleza em meio a um corredor polonês por médicos e médicas cearenses que gritavam "escravo". 
A presidenta Dilma abriu seu discurso dizendo: “Primeiro, eu queria cumprimentar o Juan. Não apenas pelo fato de ele ter sofrido um imenso constrangimento quando chegou ao Brasil, o que do ponto de vista pessoal e em nome do governo e, eu tenho certeza, do povo brasileiro, eu peço desculpas a ele. Mas também pelo fato de nós estarmos aqui hoje, e eu queria cumprimentar cada um dos médicos e das médicas aqui presentes. Eles representam eu conversei com eles antes eles representam muito a grande nação latino-americana. Por isso, quando nós nos olhamos, é como se nós víssemos os brasileiros representados em cada um deles, como eu vejo todos os latino-americanos, os argentinos, eu vejo os salvadorenhos, eu vejo os cubanos, eu vejo os venezuelanos, eu vejo os bolivianos, os equatorianos. Então, eu queria saudar esses médicos que vieram de longe para ajudar o Brasil a ter uma política de saúde que levasse esse serviço essencial a todos os brasileiros e brasileiras. 

Muitos e muitas de nós que choramos no Palácio do Planalto vivemos e crescemos acompanhando a revolução cubana, sua resistência heroica à potência do Norte, a capacidade imensa do povo cubano de ser feliz no meio das dificuldades e privações, colocando saúde, educação e esporte em primeiro lugar, dizendo para todos que é possível ser soberano numa ilha a poucos quilômetros de Miami e ajudar outros países mais pobres, que é possível resistir ao consumismo desvairado, que é possível música e literatura de alta qualidade, que é possível ser um povo com dignidade, que busca seus próprios caminhos, que não se está condenado a uma única opção econômica, social, política e cultural, que valores como igualdade, fraternidade, solidariedade podem estar presentes na vida de cada um e cada uma e na história de uma nação. Por isso, choramos com Juan Delgado sendo recebido pela presidenta Dilma e ele dizendo em Fortaleza: "Sim, sou escravo da sade". 
O ministro Alexandre Padilha resumiu nosso sentimento: “Aquele corredor polonês da xenofobia que te recebeu em Fortaleza não representa o espírito nem do povo brasileiro nem da maioria dos médicos brasileiros.  
Antes servir que servir-se. Os médicos cubanos são influenciados até hoje pelo programa de medicina familiar, comunitária e coletiva implantado pelo também médico, guerrilheiro e revolucionário argentino Che Guevara. Che foi, como escreveu alguém, um embrião e propagador do homem do novo tipo. Esse Che que, segundo o filme Diários de motocicleta, em sua viagem pela América do Sul nos anos 1950, da Argentina à Venezuela, para por um tempo para atender leprosos no Peru. No dia do seu aniversário, faz um brinde à unidade latino-americana que um dia chegará. Em seguida, abandona a festa de aniversário, atira-se na água, atravessa o rio e vai festejar com os leprosos sob o som da belíssima Al otro lado del Río, do uruguaio Jorge Drexler: “Clavo mi remo en el agua/ Llevo tu remo em el mío./ Creo que he visto uma luz al outro lado del rio. 

O simbolismo da unidade latino-americana está expresso nos médicos cubanos e de outros países que se dispuseram a trabalhar com as dores do povo brasileiro. O simbolismo da unidade latino-americana está expresso em Juan Delgado dizendo não ser escravo de ninguém, mas da saúde dos mais pobres e sofridos. O calor humano da presidenta Dilma e do Palácio do Planalto de Niemeyer deram de novo sentido ao novo homem e à nova mulher que Che tanto pregou: “Acima de tudo, procurem sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a mais bela qualidade de um Revolucionário”. “Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros. 

Somos companheiros, Juan".    
* Selvino Heck é assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da Repblica.


Nenhum comentário: