Essa é uma bela história. Não há muito o que comentar. Como alguns sites já disseram, essa história lembra muito o filme "Óleo de Lorenzo", o qual já comentei na postagem "Dicas de Filmes do Blog do Marco Aurélio", a qual pode ser acessada em:
http://marcoaureliofarma.blogspot.com.br/search/label/Dicas%20de%20filmes
O texto abaixo foi publicado no Estadão:
"Entre abril de 1999 e maio de 2000, o engenheiro mecânico
Adolfo Celso Guidi, de 54 anos, abriu mão de sua vida pessoal, separou-se da
mulher, abandonou o emprego e se enfurnou na biblioteca da Universidade Federal
do Paraná (UFPR), onde se debruçou sobre livros de medicina.
O objetivo era nobre e urgente: Adolfo corria
contra o tempo para entender o mecanismo de ação da gangliosidose do tipo 2,
doença genética rara, neurodegenerativa e sem cura, que havia sido
recém-diagnosticada em seu filho, Vitor, que na época tinha apenas 10 anos.
Descrentes, os médicos deram mais um ano de vida ao menino.
E Guidi conseguiu. Sozinho, depois de ler mais de
30 livros de medicina - incluindo áreas sobre genética, neurologia e fisiologia
-, ele não apenas entendeu como a doença agia no organismo de seu filho, mas
descobriu uma fórmula que retardou sua evolução. Contrariando a literatura
médica - que aponta 11 anos de vida aos portadores de gangliosidose tipo 2 -,
Vitor está vivo e hoje tem 23 anos.
O começo. Vitor foi
uma criança normal, saudável e ativa até os seus 4 anos. Precoce, ele deu os
primeiros passos sem nem mesmo engatinhar. Aos 4 anos e meio, porém, passou a
apresentar os primeiros sinais degenerativos: não conseguia mais segurar o
lápis. Foi perdendo a força e a coordenação motora fina. E só piorou.
Na escola, a professora dizia que Vitor
atrapalhava a aula. Suspeitaram de déficit de atenção. Os pais o mudaram de
escola e o mandaram para a terapia. Aos 5 anos, Vitor foi matriculado em uma
escola especial - já não era mais aceito em escolas comuns.
Os sintomas continuaram se agravando, e Vitor já
não tinha mais coordenação motora. Aos 8, teve sua primeira crise grave,
durante um passeio no shopping. Levado às pressas ao hospital, não respondia
aos estímulos de dor nem de acuidade visual. "Ele não sentia nada. Depois,
eu soube que foi a primeira grande perda neuronal que ele sofreu."
A família foi orientada a procurar ajuda nos EUA,
mas, sem dinheiro para isso, a saída foi enviar amostras de material genético
ao exterior em busca de respostas que jamais vieram, pois as desconfianças dos
médicos nunca eram confirmadas.
O diagnóstico. Adolfo decidiu, então, viajar com o
filho à Argentina para consultar um dos maiores especialistas em genética do
mundo. Ficaram lá por uma semana, fizeram uma série de exames de sangue, de
urina, de imagem. Tudo com o dinheiro da rescisão - ele era gerente de uma
concessionária. "Tinha um emprego bom e umas economias. Raspei tudo e
gastei cerca de US$ 65 mil. Só um dos exames custou US$ 5 mil", conta.
O resultado veio em três semanas: Vitor tinha
gangliosidose tipo 2, doença que, entre outras coisas, provoca defeitos em um
tipo de enzima que não degrada um lipídio que deveria ser naturalmente
eliminado pelo corpo, provocando um acúmulo prejudicial.
De tão raro, o caso de Vitor foi debatido em
congressos. Os exames foram refeitos. E o prognóstico era realmente
desanimador. "Os médicos disseram que, pelas estatísticas, Vitor teria
menos de um ano de vida. Como eu viveria dali para a frente sabendo que meu filho
iria morrer?"
Inconformado com a possibilidade da perda, Adolfo
decidiu estudar a fundo a doença - que até então não tinha tratamento. Foi
nessa época que ele passou a frequentar a biblioteca da UFPR diariamente. E,
num livro sobre fisiologia clínica, Adolfo encontrou referências à doença de
Tay-Sachs - muito parecida com a gangliosidose, o que o fez entender o mal que
acometia seu filho. "Entendi o mecanismo de ação. Mas e daí? O que fazer
com aquilo?"
Creme de sorvete. A partir disso, Adolfo percebeu que a doença tinha
relação com a enzima beta-galactosidase, que era produzida pelo corpo de Vitor
de maneira deficiente.
Ele passou a ler livros sobre enzimologia. E
descobriu que essa enzima foi utilizada na fabricação de cremes para sorvetes
na década de 1950, mas teria caído em desuso porque surgiram os cremes
sintéticos.
Ele precisava dessa matéria-prima para pensar num
possível medicamento. Disparou e-mails para dezenas de laboratórios do mundo
todo que chegaram a produzir essa enzima no passado. Escreveu para Japão,
Canadá, EUA, México, Índia, Espanha. Expôs seu caso para vários médicos, mas
não conseguia apoio de nenhum deles para a ideia, que parecia maluca.
"Ninguém me dava atenção. Diziam que era loucura minha", relembra.
Os meses passaram, e a sorte se voltou para
Adolfo. A pediatra de Vitor ligou para ele, dizendo que o pai de um paciente
era funcionário de um laboratório e iria ajudá-lo a conseguir a enzima.
"Passei um fax com a ficha técnica. Pouco tempo depois, a matriz me enviou
uma amostra de 50 ml da enzima."
Uma gota. Com a
matéria-prima em mãos, Adolfo foi a uma farmácia de homeopatia, que com uma
única gota da enzima desenvolveu uma matriz e um "medicamento" para
ser tomado diariamente pelo menino. "Ainda assim, os médicos eram contra.
Diziam que eu ia matar meu filho."
O medo de efeitos colaterais mais sérios fez
Adolfo tomar o produto várias vezes antes de oferecer a Vitor. "Fui a
cobaia." O menino começou, então, a tomar as gotas e, quase como num
milagre, a doença deixou de progredir de forma tão agressiva.
Vitor parou de andar aos 15 anos. Hoje, caminha
quando é escorado pelos braços do pai. Ele não fala, mas é capaz de conversar
com o pai por meio de gestos e sons. "Ele entende e leva as pessoas a
entenderem o que quer." Na escola, reaprendeu coisas básicas, como tirar e
colocar os sapatos e escovar os dentes.
Nesse período, Adolfo quase perdeu a casa - ele
deixou de pagar as prestações porque gastou o dinheiro no tratamento de Vitor -
e ficou sem carro. Não voltou a trabalhar e vive em função do filho, com ajuda
de doações. Adaptou a cadeira de rodas de Vitor à sua moto: é assim que o leva
à escola, à terapia, aos médicos.
A evolução inesperada do jovem fez com que outras
famílias procurassem Adolfo em busca do "medicamento" que ele tinha
descoberto, mesmo sem comprovação científica. "Até hoje, ninguém conseguiu
rebater minha teoria sobre a eficácia do produto. Fiz pelo Vitor o que qualquer
pai faria."
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