Não conheço outro tema que cause tanta discussão quanto “medicamentos”. Bastar estar formada uma rodinha de conversas e a chance deste assunto vir à tona é enorme. Isso é bom, afinal, conversando, ficamos informados (desde que seja com a pessoa certa).
Dia desses, sentado num ponto de ônibus, uma senhora se aproximou e sentou-se ao meu lado. Nosso diálogo começou em virtude do atraso do coletivo, aguardado coincidentemente por ambos. Entre um comentário e outro, veio a pergunta: “O que você faz?” Orgulhosamente respondi que era farmacêutico. Agora a pauta mudara. Ouvi o relato de todos os medicamentos utilizados pela doce senhora e recebi a solicitação de novas dicas sobre o que tomar. Foi a deixa para que eu pudesse falar dos perigos da automedicação. Ela ouvia atentamente até que me perguntou: “porque não existe o fracionamento de medicamentos?” Estava lançada uma boa pergunta. Tal qual um Forrest Gump (contador de histórias) passei a narrar os fatos que eu vivera e também ousei emitir algumas opiniões sobre o tema.
Bem, poucos se lembram, mas o mesmo Decreto 793/93, o qual tratei na postagem “A paternidade de um medicamento” (procure-o na barra de busca no lado direito do blog), também previa o fracionamento de medicamentos. O ex-Ministro da saúde Jamil Haddad, verdadeiro “pai dos genéricos”, durante o Governo Itamar Franco, trouxe esse assunto no referido Decreto. Ele previa nova redação ao Decreto 74170/74, passando o seu art. 9° a ter a seguinte redação:
“§ 2° As farmácias poderão fracionar medicamentos, desde que garantida a qualidade e a eficácia terapêutica originais dos produtos, observadas ainda as seguintes condições:
I - que o fracionamento seja efetuado na presença do farmacêutico;a
II - que a embalagem mencione os nomes do produto fracionado, dos responsáveis técnicos pela fabricação e pelo fracionamento, o número do lote e o prazo de validade.
§ 3° É vedado o fracionamento de medicamentos, sob qualquer forma, em drogarias, postos de medicamentos e unidades volantes.”
Com a revogação deste Decreto por parte do Presidente Fernando Henrique, em 2000 (através do Decreto 3181), o assunto foi esquecido, tendo sido retomado no Governo Lula, através da publicação do Decreto 5348, de 19 de Janeiro de 2005 (simbolicamente, um dia antes de se comemorar o dia do farmacêutico). Na época o Ministro da Saúde era Humberto Costa, hoje Senador eleito pelo Estado de Pernambuco. Este Decreto previa o fracionamento de medicamentos em farmácias. Finalmente, este Decreto foi revogado pelo Decreto 5775/2006, passando a prever que o fracionamento também pudesse ser realizado em drogarias. Pronto, o respaldo legal já estava garantido. Os art. 2° e 9° do Decreto 74170/74 passariam a ter nova redação. Faltava a regulamentação do “como fazer” por parte da ANVISA. Isso se deu com a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) n° 80, de 11 de maio de 2006.
- “Mas porque não existem medicamentos fracionáveis no mercado?” repetiu a doce senhora, já num tom não tão doce assim!
Continuava sendo uma boa pergunta, pensei.
Bom, inicialmente vale lembrar que os laboratórios farmacêuticos não são obrigados a produzir medicamentos em embalagens fracionáveis. Nenhuma das legislações citadas poderia prever isso, pois seria questionada a sua Constitucionalidade. Tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei (7029/2006), de autoria do Poder Executivo, que prevê a obrigatoriedade das indústrias farmacêuticas em fabricarem embalagens próprias para vendas fracionadas. A PROTESTE e o Instituto ETHOS estão em campanha pela aprovação deste Projeto de Lei (http://www.proteste.org.br).
- “Eu acho que deveria ser obrigado, tanto a indústria produzir, quanto as farmácias e drogarias venderem”, disse a Senhora.
Eu, humildemente, disse que também só via pontos favoráveis ao fracionamento de medicamentos. Aliás, não consigo achar nada que possa dar fundamentos contrários a isso.
Neste momento o ônibus chegou e nossa conversa se encerrou....mas não para a sociedade!