"Nascido em uma usina de açúcar no
interior paulista, onde trabalhou como cortador de cana até os 15 anos, Dirceu
Barbano, formado em Farmácia, dirige hoje uma das agências reguladoras com mais
poder sobre milhares de empresas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa). Ligado ao PT e um dos idealizadores do Farmácia Popular, Barbano
tenta na Anvisa corrigir um dos maiores alvos de reclamações das empresas: a
demora na aprovação dos pedidos de liberação de registros. Hoje, cigarros são
liberados em menos de 90 dias, enquanto alguns remédios esperam mais de 24
meses. "Isso é uma coisa horrorosa. Não podemos pecar nisso". Com
estrutura enxuta, a Anvisa deverá contratar neste ano cerca de 300 servidores
para tentar reduzir alguns gargalos.
Do canavial ao comando da Anvisa
Dirceu Barbano nasceu dentro de uma
usina de açúcar e álcool no interior paulista, em 1966. Neto de imigrantes
italianos, seus pais se conheceram na Usina da Serra, instalada na região de
São Carlos (SP), e por lá ficaram. Barbano já tinha um script de vida definido,
assim como seus colegas da vila criada no entorno daquela usina, mas conseguiu
mudar o enredo de sua história. "Dos nove até os 15 anos, cortei cana com
meu avô. Estudava à noite e achava que minha vida seria aquilo. Um professor de
literatura me fez acreditar que eu poderia sair dali. E saí", diz o hoje
presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma das
agências mais poderosas do país. "Foi muito difícil deixar a casa dos meus
pais. Tinha 19 anos em 1985, quando entrei na faculdade. Chorei porque achava
que não voltaria. E, de fato, não voltei."
Quase 30 anos depois, Barbano olha para
trás e não se arrepende de sua trajetória. Depois que concluiu a faculdade de
Farmácia, na PUC de Campinas, em 1989, deu aula por dez anos. Foi secretário de
Saúde nas cidades Ibaté e São Carlos, ambas no interior paulista, e um dos
idealizadores do programa federal Farmácia Popular, no início dos anos 2000. Na
Anvisa desde 2008, tem aprendido a lidar com adversidades quase que diárias.
Sob sua coordenação desde 2011, a agência passa, neste momento, por importante
mudanças que poderão dar maior agilidade na liberação de registros de produtos,
sobretudo medicamentos, alimentos e bebidas, que enfrentam fila de até dois
anos, no caso de alguns remédios. Alvo de críticas, a agência sanitária está
para definir uma medida que tornará obrigatória a apresentação de receita nas
farmácias para a compra de medicamentos com tarja vermelha, a exemplo do que já
acontece com os antibióticos desde 2011.
Barbano traçou metas ambiciosas para
2014. Ele promete desburocratizar boa parte da estrutura da agência,
considerada engessada pelas indústrias, e acelerar a liberação de registros.
Atualmente, só para se ter uma ideia, cigarros são liberados em menos de 90
dias, enquanto alguns medicamentos amargam mais de 24 meses na fila. "Não
podemos demorar mais para registrar um medicamento que trata um câncer, por
exemplo, do que um cigarro que causa a doença. Isso é uma coisa horrorosa. Não
podemos pecar nisso. Queremos reduzir prazo de liberação de medicamentos para
nove meses. Hoje, gira de um ano e oito meses a dois anos. Os novos, de dez
meses a um ano [as indústrias questionam esses dados]. Genéricos e similares
demoram mais. Não pode. Se for genérico novo, é prioridade."
No caso dos alimentos e bebidas, o
grande gargalo, segundo Barbano, são os alimentos funcionais. "É uma
categoria nova e todos querem colocar no mercado. Nossa equipe está com prazo
de 1,4 ano a 1,6 ano. Para outras categorias [como produtos de limpeza e
cosméticos], de 90 a 180 dias."
Com uma estrutura enxuta, a Anvisa
deverá contratar este ano cerca de 300 servidores, aumentando em 15% sua
estrutura, com objetivo de reduzir parte de seus gargalos. O objetivo era que esses
funcionários públicos começassem a trabalhar em setembro. Agora, a previsão é a
partir de dezembro. É que foram detectadas irregularidades nas provas
realizadas em junho, desde erro no gabarito até denúncias de vazamento de
informações do concurso. "Tivemos problemas em quatro dos 107 locais onde
as provas estavam sendo aplicadas. "Tivemos que cancelar [o concurso]. A
prova vai ser repetida dia 4 de setembro".
Além de tentar resolver a escassez de
mão de obra, a Anvisa também conseguiu nomear mais dois diretores, que vão
complementar seus quadros de alto escalão e dar maior agilidade às demandas que
chegam à agência - Renato Porto e Ivo Bucaresky (ver quadro abaixo).
Parte das medidas que estão sendo
colocadas em prática, em um ritmo mais lento que o desejado, é reflexo de
problemas enfrentados pela Anvisa entre 2011 e o ano passado. A agência se viu
no olho do furacão após denúncias de irregularidades na liberação de registros
de agrotóxicos, além de ter enfrentado uma longa greve de servidores públicos,
que pararam portos, aeroportos e fronteiras, barrando a entrada de importantes
produtos, como insumos para medicamentos. Mas a crise começou no fim de 2011,
quando a agência teve de buscar uma resposta rápida no caso das próteses
mamárias adulteradas, que foram importadas da França.
Das três recentes turbulências que
enfrentou, Barbano diz que o caso dos implantes mamários foi um dos mais
emblemáticos. "A angústia era a falta de informação. E nossa dúvida era se
iríamos conseguir desempenhar o nosso papel. A resposta demorou quase um ano
para aparecer. A questão foi resolvida e foi um aprendizado para a Anvisa.
Quando a questão surgiu, foi uma confusão enorme. A França fechou a agência
sanitária deles e criou uma outra. Tivemos de criar uma rede mundial de
laboratórios, mandar amostras de lá para cá. Fizemos uma diretriz única, o que
acalmou o anseio das pessoas, que buscavam informação. No fim, poucas
precisaram trocar [as próteses] e aprendemos a lidar com a questão do implante.
A regra está muito mais segura."
No caso da greve, a angústia maior era
lidar com uma ação de captura da estrutura do Estado contra os servidores.
"Como podemos viver no país onde se tem uma agência que diz que não pode
ser capturada pelos políticos, pelo setor regulado, mas é capturada pelos
servidores? Cada medida que tomávamos gerava um movimento agudo do servidor.
Foi um embate completamente fora de propósito. A Anvisa não pode parar, ela é
essencial. Foi um sentimento de impotência."
Segundo Barbano, no episódio envolvendo
a exoneração de dois funcionários na área de agrotóxico - Luiz Cláudio
Meirelles, gerente desse segmento, que denunciou o colega, Ricardo Veloso, por
irregularidades na liberação de produtos, sugere uma outra observação. "O
quanto é negativo quando se tem grupos que se apropriam das estruturas para
fazer a política regulatória que eles querem fazer. Era uma disputa de grupos
internos, onde um denunciou o outro. Quando detectei isso, decidi que não
queria isso na Anvisa, fiz uma auditoria que finalizou há pouco tempo o
relatório e que indicou que eu tinha razão. Não foram só os seis processos que
foram denunciados. Os dois foram exonerados."
Cria do Partido dos Trabalhadores,
Barbano foi um dos responsáveis pela implantação do Programa Farmácia Popular.
Com esse gabarito, ganhou força para entrar na Anvisa. "O governo estava
criando o Farmácia Popular e precisava de uma pessoa para ir para o ministério
[da Saúde] para coordenar o serviço na área farmacêutica. Minha ida para o
governo federal ficou relacionada à implementação do programa. Foi no começo de
2004. A primeira parte desse programa foi lançada em 2005. A segunda parte, que
inclui o copagamento "Aqui tem Farmácia Popular", foi lançado no
início 2006."
Fundada em 1999, a agência sanitária
ganhou uma nova dinâmica nesses últimos anos. A Anvisa mudou muito desde que
foi criada? "Mudou. Os mercados regulados pela agência [alimentos,
medicamento, cosmético, limpeza doméstica, cigarro, agrotóxico, portos,
aeroportos e fronteiras, equipamentos] cresceram muito. Em nenhum deles o
Brasil é o décimo mercado global. Em alguns, o Brasil é o primeiro, caso de
agrotóxico, em outros, é o segundo, como cosméticos e produtos de limpeza. Até
há dez anos, quando você tomava uma decisão sobre a rotulagem de produtos de
limpeza doméstica, você estava falando de quatro ou cinco empresas, hoje são
cerca de 3 mil. Há dez anos, no caso da indústria farmacêutica, você falava com
as multinacionais e os laboratórios nacionais iam correr atrás. Hoje tem
nacionais e multinacionais que jogam o mesmo jogo e disputam o mesmo espaço do
mercado. O que mudou é que o processo de tomada de decisão não pode mais ser
feito sem que a Anvisa esteja muito preparada para tomar cada uma das decisões.
E essa preparação é a parte mais trabalhosa porque você define na diretoria
colegiada qual é a política regulatória que vai desenvolver."
Barbano diz que a Anvisa está
simplificando o marco de regulação "que virou um emaranhado de normas que,
às vezes, é incompreensível até pelo sistema sanitário ou pelo técnico da
própria Anvisa, que interpreta de um jeito e outro técnico, de outro jeito.
Nesse processo de simplificar, qual é a grande questão que está sendo colocada?
É ter a certeza de que a simplificação não vai tirar um pilar e que amanhã vai
acontecer uma coisa com a vida das pessoas e a Anvisa será responsável pela
decisão que tomou".
Nos últimos anos, a Anvisa tem
trabalhado com sua estrutura bem enxuta. Dois de seus cinco diretores foram
definidos recentemente. Barbano acumula funções e continuará assim. "Sou
presidente e acumulo duas diretorias - a de registro e autorização e a
diretoria de gestão. O presidente deverá acumular sempre uma diretoria, além da
presidência, pela estrutura da agência", diz. A Anvisa é uma estrutura de
2,3 mil trabalhadores, com sede em Brasília e mais 80 pontos em portos,
aeroportos e fronteiras pelo Brasil, cada um deles com no mínimo dois ou três
servidores. Além de fazer regulação, faz vigilância e prestação de serviço.
Barbano deverá deixar o comando da
agência em outubro de 2014 - data que já estava estabelecida quando assumiu o
cargo. Ainda não sabe qual será o seu futuro. Embora seja filiado ao PT, o
presidente da agência diz que não tem pretensões políticas. Pessoas próximas ao
dirigente afirmam que a ambição de Barbano é ser nomeado para um alto cargo no
Ministério da Saúde. "Brinco na Anvisa que o máximo que pode acontecer
comigo é que eu volte a cortar cana. Vou entrar em crise porque agora a
colheita não é manual. A mecanização tem tirado o emprego das pessoas nos canaviais."
Criado em uma família grande, com
vários tios e primos, Barbano é o único dos quatro filhos com diploma
universitário. Divorciado e pai de dois filhos, Barbano tenta não manter o
mesmo ritmo puxado de trabalho que era acostumado no canavial. "Mais do
que ter dado certo, eu consegui me livrar de uma vida que tinha um script
definido. Hoje encontro os meninos que estudaram comigo na escola ou
trabalharam na usina e grande parte deles continua lá até hoje."
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