Recebi o texto abaixo, intitulado "Ensaio sobre o gênero", com a devida referência ao autor, discutindo como se referir a Dilma: Presidente ou Presidenta? Eu optei por chamá-la de Presidenta, pois mais do que a forma, quero respeitar a simbologia de ter a primeira mulher Presidenta do Brasil. Isso pode parecer não mudar absolutamente nada em sua vida, mas penso o contrário. O preconceito acaba quando começa a exacerbação do respeito. Vou chamá-la de Presidenta...e você?
"Circula na Internet um texto, cujo autor não foi identificado, intitulado "Aula de Português", trazendo à baila a questão do gênero da palavra _PRESIDENTE_ e condenando veementemente a forma feminina _PRESIDENTA_. Na condição de professor de Língua Portuguesa, e por solicitação de um amigo, venho manifestar-me acerca dessa polêmica, que se instaurou com a eleição de Dilma Roussef para a presidência do Brasil e que se destacou na discussão entre os internautas: Dilma é a presidente ou a presidenta do Brasil?
Na língua portuguesa, assim como em quase todas as outras, existem construções que, com o tempo, ganharam força popular e se fixaram como gramaticalmente corretas, a despeito de contrariar a etimologia. Sobre esse tema, Machado de Assis, nosso escritor maior, nos alerta:
"Não há dúvidas que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades de usos e costumes. Querer que a nossa pare no século de quinhentos é um erro igual ao de afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A este respeito a influência do povo é decisiva. Há, portanto, certos modos de dizer, locuções novas, que de força entram no domínio do estilo e ganham direito de cidade."
Só esse ensinamento do autor de Dom Casmurro já seria suficiente para justificar a incorporação de novas palavras à nossa língua-mãe, mas vamos aos fatos. A discussão é: a presidente ou a presidenta Dilma Roussef? Quanto ao gênero, os substantivos podem ser biformes e uniformes. Os biformes são aqueles que apresentam duas formas distintas, uma para o feminino, outra para o masculino, por exemplo: _gato/gata, maestro/maestrina, ator/atriz, camponês/camponesa, pai/mãe, patrão/patroa, ladrão/ladra, pastor/pastora, mestre/mestra, solteirão/solteirona, irmão/irmã, compadre/comadre, boi/vaca, homem/mulher, conde/condessa, elefante/elefanta, poeta/poetisa, avô/avó_. Observe-se que a forma feminina ora provém do mesmo radical masculino (como no caso de _cantor/cantora_), ora de radical distinto (como é o caso de _bode/cabra_).
Os substantivos uniformes apresentam uma única forma e se subdividem em três grupos: sobrecomuns, comuns de dois gêneros e epicenos. Sobrecomuns são os que têm um só gênero gramatical para designar pessoas de ambos os sexos. Neste caso, nem os determinantes se flexionam, por exemplo: _o cônjuge varão _- para designar o homem_/o cônjuge varoa _- para mulher (não existe _a cônjuge_), _a criança_ (não existe _o criança_) serve para designar menino ou menina; _a sentinela_ se emprega para homem ou mulher, pois não existe _o sentinela_. Diz-se: _Aquela sentinela está nervoso_ (e não _Aquele sentinela..._). Comuns de dois gêneros são os que têm uma única forma para os dois gêneros, porém seus determinantes apresentam variação de masculino para feminino, por exemplo: _o atacante/a atacante, um atendente/uma atendente, meu dentista/minha dentista_. Epicenos são aqueles empregados com os nomes de animais que possuem um só gênero gramatical, para designar um e outro sexo; neste caso, a distinção é feita com as palavras "macho" e "fêmea", por exemplo: _a onça macho/a onça fêmea, o pinguim macho/o pinguim fêmea, a borboleta macho/a borboleta fêmea, o macho do jacaré/a fêmea do jacaré_.
Com referência à palavra _presidente_, o texto veiculado na Internet alega, com razão, que o particípio ativo do verbo _atacar_ é atacante, de _pedir_ é pedinte, de _cantar_ é cantante, de _existir_ é existente, de _mendigar_ é mendicante, de _ser_ é ente. Aquele que é: _o ente_. Dessa forma, justificam-se as palavras _estudante_, _adolescente_, _atacante_, _informante_ e, naturalmente, _presidente_, como uniformes.
No caso específico da palavra "presidente", etimologicamente deveria ser considerada comum de dois gêneros: _o presidente/a presidente_; no entanto, o uso como palavra biforme (_o presidente/a presidenta_) está consagrado na nossa língua e tem registro formal. Para isso, consulte-se o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), da Academia Brasileira de Letras, documento oficial de registro das palavras que fazem parte do nosso léxico. Senão, como se justificaria a existência de palavras como governanta (feminino de _governante_), elefanta (de _elefante_), parenta (de _parente_), infanta (de _infante_), que pertencem ao mesmo caso etimológico? São formas que, com o tempo, se desviaram do processo formador original.
Não há, portanto, razão para condenar o uso de _PRESIDENTA_. Podemos sim usar a "presidente" Dilma ou a "presidenta" Dilma, sem que isso contrarie o padrão formal da língua escrita culta. A atual mandatária maior do País prefere ser chamada de _PRESIDENTA_, e nisso está certíssima._ _Cabe consignar que o eminente professor Celso Cunha, em sua _Nova Gramática do Português Contemporâneo_, preleciona que "os femininos _giganta_ (de gigante), _hóspeda_ (de hóspede), e _presidenta_ (de presidente) têm ainda curso restrito no idioma". Atente que TER CURSO RESTRITO não significa SER ERRADO. O texto veiculado na Internet cita um exemplo negativo de modo a ilustrar o suposto erro no uso da palavra "presidenta":
_"A candidata a presidenta se comporta como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta. Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre suas tantas outras atitudes alienantas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta."_
Como se pode depreender, isso é apenas um sofisma, uma ideia enganosa, em que a premissa maior e a premissa menor podem ser verdadeiras, mas a conclusão é falsa. É como se disséssemos: _Todo coelho é veloz_ (premissa maior - verdadeira); _o jamaicano Usain Bolt é veloz_ (premissa menor - verdadeira); _logo, o jamaicano Usain Bolt é um coelho_ (conclusão - falsa).
Para finalizar essa suposta "aula de português", o autor destaca:
"Está mais do que na hora de restabelecermos A LEITURA E A FALA CORRETAS DE NOSSO IDIOMA - o PORTUGUÊS (falado no Brasil) e não mais o churrasquês, o futibolês e outros dialetos de triste e recente memória, infelizmente aplaudidíssimos pelos 80% dos patrícios que vibravam com as bobagens oficializadas e incensadas pela massa de áulicos (áulico: cortesão, palaciano) e puxa-sacos dos "cumpanhêru" de igual (?) nível moral e intelectual..."
Parece-me a mim que este é mais um caso de preconceito explícito e de intolerância política. Independentemente de qualquer partido, de qualquer matiz ideológico, temos uma presidenta eleita por um processo democrático transparente, de acordo com a vontade da maioria dos brasileiros de todas as classes sociais. Os bons brasileiros, os verdadeiros patriotas vão torcer e trabalhar para que o Brasil cresça como nação, avance nas questões sociais e progrida economicamente. Os pseudobrasileiros e os pessimistas de plantão vão continuar esperando que tudo dê errado e discutindo se Dilma é a "presidente" ou a "presidenta". Você escolhe de que lado está.
Filemon Félix de Moraes - professor de Língua Portuguesa em Brasília."
2 comentários:
Fantástico esse texto do Prof. Filemon! Eu vou de "Presidenta"!
Uauuu que interessante!
eu tb vou de "Presidenta"
É a PRIMEIRA vez na História deste Pais que temos um portugues tão feminino!
espero não ter deixado EnvergonhadA as ParceirAs LeitorAs por causA de minhA MaÁ OrtografiA!
hehehheheheheheheheheheh
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