Do site SAUDEJUR
A necessidade de encontrar soluções para
que médicos não prescrevam tratamentos beneficiando-se de vantagens
financeiras, levou o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
(Cremesp) a realizar o Seminário: A relação entre os médicos e a indústria
farmacêutica, de equipamentos, órteses e próteses, na subsede da Vila Mariana,
proporcionando uma discussão ampla e isenta de preconceitos ou discriminações
com todos os setores presentes.
De acordo com o presidente do Cremesp,
Bráulio Luna Filho, essa é uma preocupação do Conselho há mais de 5 anos.
“Realizamos estudos científicos sobre o tema, além de diversas reuniões com
representantes das entidades envolvidas, indústria farmacêutica, hospitais
públicos e privados”, contou Luna Filho.
“Nos últimos meses repercutem nos
noticiários, denúncias sobre esse relacionamento entre médicos e as empresas, o
que acaba manchando a imagem da categoria junto à sociedade”, relatou Florisval
Meinão, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), presente na mesa de
abertura do seminário.
Esse relacionamento deveria pautar-se
exclusivamente em questões técnicas, mas muitas vezes isso não ocorre, devido a
incentivos constantes da indústria, e quem acaba pagando por isso são os
pacientes, segundo Éder Gatti Fernandes, presidente do Sindicato dos Médicos do
Estado de São Paulo (Simesp).
Porém, para José Roberto Baratella,
presidente da Academia de Medicina de São Paulo, o suporte que a indústria
oferece aos eventos científicos é importante. Segundo ele, na década de 1970,
junto com colegas e com o apoio da indústria, divulgou o Suporte Nutricional
Pediátrico, e essa atividade foi extremamente benéfica, salvando muitas
crianças. “A corrupção existe, mas cabe à legislação regulamentar essa relação,
combatendo o uso de propinas e punindo tanto o médico, quanto a indústria”,
resumiu Baratella.
O mercado
Durante a palestra Perspectivas do Mercado
de OPME: Existe crise?, o representante da Unimed do Brasil e da Comissão de
Órteses e Próteses da Unimed, Otto Cézar Barbosa Júnior, apresentou o atual
cenário financeiro das empresas de saúde suplementar. De acordo com Barbosa,
quando se comparam as receitas e as despesas das operadoras, apenas as de
grande porte continuam com saldo positivo. As operadoras de médio e pequeno
porte ficam com valores zerados ou apresentam déficits.
“Uma importante parcela dos custos das
internações hospitalares é a aquisição de órteses e próteses, sendo essa a
despesa que mais cresce”, definiu Barbosa, alegando que isso ocorre porque
existe uma alta carga tributária sobre importações, constantes evoluções
tecnológicas que não acompanham a abrangência das tabelas, e preços que diferem
nas regiões do País, variando até 1.000%, além da inexistência do papel de
regulamentação das OPME’s, por parte da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa).
Barbosa destacou que os hospitais possuem
grande influência no relacionamento entre o médico e a indústria, pois também
realizam a compra e venda desses equipamentos, com uma margem de lucro que fica
entre 10 e 30%. “Dentro do centro cirúrgico tem funcionário das distribuidoras
de órteses e próteses oferecendo seus produtos. E eles estão ali, pois pagam ao
hospital uma taxa, conhecida como ‘taxa de rolha’”, relatou.
Segundo ele, para a resolução dos
problemas é necessário implantar um novo modelo assistencial na Saúde
Suplementar, criar políticas regulatórias, padronizar nomenclaturas, protocolos
e normas de uso das OPME’s, definir um órgão responsável e o estabelecer
critérios para aferição de qualidade dos produtos utilizados.
A visão dos fabricantes
“Órteses e próteses são equipamentos externos,
utilizados em deficiências físicas”, ressaltou Peter Kuhn, vice-presidente da
Associação Brasileira de Ortopedia Técnica (Abotec). Ele destaca que não há
nenhum apoio no Brasil para a categoria, pois a profissão sequer é reconhecida.
“Temos o contato com o médico, porém sofremos um preconceito maior, pois muitas
vezes ortesistas e protesistas são vistos como mecânicos”, contou.
A existência de produtos com cada vez
maior qualidade é um dos pontos essenciais para Kuhn, pois o paciente merece
ter os melhores equipamentos, mas a tabela SUS, que não é alterada há 10 anos,
não permite a aquisição de produtos melhores, e o paciente acaba ficando com os
mais simples. Segundo ele, em Brasília não há movimentação para a
regulamentação do setor, o que é prejudicial para todos.
“Não há como negar que existem jogadas que
estimulam os médicos ter preferências, mas a Abotec faz o seu trabalho visando
pacientes deficientes físicos”, destacou Kuhn, relatando que no Brasil os
gastos com órteses e próteses são muito inferiores aos que são gastos em países
mais desenvolvidos.
A visão dos gestores da Saúde
José Grillo Neto, representante da Unimed
Fesp, ressaltou que esse é uma questão com o qual o setor convive há muito
tempo. “O problema não está na fábrica, mas no médico corruptível, nos
hospitais, nos distribuidores e na Anvisa. A corrupção é algo cultural”,
observou Neto. “Essa questão não se limita à ortopedia, outras especialidades
médicas também passam por isso”, lembrou David Uip, Secretário de Estado da
Saúde, ao relatar que se o homem for corrupto, por consequência, a instituição
será corrupta. Uip garantiu que o Estado de São Paulo irá solucionar o problema
e que logo será deflagrada uma grande operação onde serão responsabilizados
fabricantes, funcionários de instituições e médicos. “Essa grande operação
envolve várias cidades do Estado e muitos médicos”, contou.
Uma das medidas que o secretário pretende
adotar no Estado é que o médico não prescreva terapias que não estão
disponíveis, sem apresentar nome, CRM e justificativa. Uip contou que
recentemente assinou um decreto para que os hospitais estaduais que
prescreverem o que não está acordado tenham que arcar com os custos
correspondentes.
Durante as perguntas da plateia, muitos
médicos apontaram a má remuneração paga pela tabela SUS como um dos fatores que
levaram à criação desse mercado paralelo de pagamento de comissões. Porém, para
Neto, é uma questão de caráter e não de oportunidade.
A diretora segunda secretária do Cremesp,
Silvia Helena Rondina Mateus, destacou que por mais que os honorários médicos
fossem maiores, nunca seriam próximos aos valores pagos nas propinas oferecidas
pelos distribuidores, e que uma coisa não justifica a outra. Silvia garantiu
que o Cremesp vai receber todas as denúncias apresentadas pelos presentes.
Ricardo Bastos, membro do Conselho
Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), destacou que há 25 anos
aconteceu um Congresso no seu Estado sobre as mesmas diretrizes e com
representantes de todos os setores, mas não havia interesse em resolver o
problema, e que hoje, enfim, todos querem resolver.
*Informações do Cremesp