Neste dia 05 de março de 2014 completa 3 anos da
morte de Alberto Granado, bioquímico argentino, amigo de Che Guevara, que com
ele fez uma viagem por boa parte do cone sul, contada no filme “Diário de
motocicleta”.
No dia de sua morte, este humilde divulgou o fato
sob o título “Morre Alberto Granado,
farmacêutico amigo de
Che Guevara”. Para ver a postagem, acesse: http://marcoaureliofarma.blogspot.com.br/2011/03/morre-alberto-granado-farmaceutico.html
.
Em sua homenagem, publicamos aqui uma matéria publicada no
Guia do Estudante – venturas na História para viajar no tempo. A matéria pode ser acessada em: http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/alberto-granado-garupa-che-434763.shtml
Por Celso Miranda | 01/08/2006
“Aos 29 anos de idade, Alberto teve a idéia de viajar de moto pela
América do Sul, partindo de Córdoba, na Argentina, rumo ao norte. Ele tinha a
moto e a vontade. Faltava um companheiro para a aventura. Alberto convidou um
jovem com quem jogava rúgbi e com quem compartilhava o gosto pela aventura e
pela medicina: Ernesto Guevara. Em 29 de dezembro de 1951, os dois partiram
numa “poderosa” Norton 500.
A moto ficou pelo caminho. O dinheiro acabou e eles seguiram a pé, de
carona e ônibus. No Chile foram tratados como médicos famosos, na Bolívia
trabalharam como ajudantes de cozinha e na Colômbia navegaram em barcos
clandestinos. No Peru trataram de leprosos internados no meio da selva. Os
amigos se despediram na Venezuela. Ernesto retornou à Argentina e, dois anos
depois, voltaria à estrada. Conheceria Fidel Castro e se alistaria na revolução
cubana. Alberto ficou, arrumou emprego, se apaixonou por Delia, com quem é
casado até hoje. Mas voltariam a se encontrar em Cuba, quando Ernesto já era o
Che e ministro do governo de Fidel. Alberto foi ajudar o amigo na reconstrução
de Cuba. Che seguiu mundo afora, lutou na África, morreu na Bolívia, tentando
semear seus ideais revolucionários. Alberto, aos 85 anos, mora em Havana, ao
lado da mulher (que acompanhou toda a entrevista), das filhas e dos netos.
História – O senhor é chamado de “o
amigo de sempre” de Che. Isso o incomoda ou já incomodou?
Alberto Granado – De
forma nenhuma. É um orgulho. Uma lembrança muito querida, muito importante. E
ainda muito viva e emocionante.
Como começou a amizade?
Conheci Ernesto quando ele tinha 14 anos. Eu tinha 20 e treinávamos num
time de rúgbi, em Córdoba. Fiquei muito amigo dele e de sua família. Foi em
1942, 43...
O senhor foi preso em 1943, não é?
Sim. Foi numa passeata de estudantes e professores para protestar contra
o governo e o ministro da Guerra. Foram uns três meses preso. Ernesto e os
irmãos me levavam comida lá.
Che descreveu a viagem de vocês como
“duas vontades dispersas estendendo-se pela América, sem saber exatamente o que
procuram nem qual é sua meta”. O senhor concorda com a interpretação?
Acho-a apropriada. Mas esse relato foi feito, se não estou enganado, bem
depois, quando Ernesto já tinha conhecimento do caminho que cada um de nós
tomaria.
E é muito diferente da expectativa que
vocês tinham antes de partir?
É claro que não tínhamos a expectativa de que aquilo fosse ter os
desdobramentos que teve. Pelo menos eu não tinha. Nós falamos durante três anos
sobre fazer uma grande expedição pela América Latina. Conhecer os povos e os
tipos da Argentina, da Bolívia, do Peru. Eu queria comemorar meus 30 anos de
uma forma especial e achávamos que a viagem seria uma oportunidade para isso.
Como uma despedida da juventude. Uma
última aventura antes de arrumar um emprego, casar, ter filhos...
Mais ou menos. No fundo, talvez eu achasse que se não fosse naquela hora
não seria outra. Economizei, comprei uma Norton 500 e convenci Ernesto.
Foi difícil convencê-lo?
Fuser queria fazer a viagem antes de mim. Mas tive que prometer à sua mãe
e ao seu pai trazê-lo de volta para que ele se formasse.
Então o senhor não cumpriu?
Mas ele voltou e se formou no ano seguinte.
Aliás, essa história do apelido...
Ernesto ficou famoso como Che. Mas o senhor só o chamava de “Fuser”. Por quê?
Ernesto passou a ser Che na época da revolução, quando o chamavam assim
porque ele, como bom argentino, dizia “che” a toda hora.
Mas o senhor o chamava de Fuser.
O apelido? Fuser é do tempo do rúgbi. Acho que fui eu quem comecei a
chamá-lo assim, mas não tenho certeza. Fuser vem da junção de “fu” mais “ser”.
As primeiras sílabas de “furibundo” (uma referência ao jeito que ele jogava) e
“Serna”, seu sobrenome materno.
E o senhor? Não tinha apelido? Como
Fuser o chamava?
De “Mial”, de “mi Alberto”. E “Panzón”, quando queria me provocar.
O senhor conheceu Maradona quando ele
visitou Cuba?
Sim, sim. Mas pouco. Eu queria falar de futebol, e ele só queria saber da
revolução.
E, mesmo conhecendo Maradona, seu
argentino favorito continua sendo Che?
(Risos) Como revolucionário, “El Che”. Como futebolista, Maradona.
Ernesto gostava de futebol, não é? Ele
era bom de bola? No filme Diários de Motocicleta (do brasileiro Walter Salles)
tem uma cena em que você jogam futebol. Aquilo aconteceu mesmo?
Che era goleiro e bom. Saltava na bola como poucos. O jogo de que você
falou aconteceu na colônia de leprosos na Amazônia e naquele dia Che agarrou um
pênalti. Ele gostava mesmo de futebol. Na viagem, em Bogotá, assistimos à
partida entre Milionários e Real Madri. O Milionários tinha Di Stefano...
Que depois foi para o Real.
Isso. E depois ficamos discutindo quem era melhor, se Di Stefano ou
Pederneras (Adolfo Perdeneras, meio-campista argentino, ex-River Plate, também
do Milionários. Naquele jogo, Di Stefano fez dois gols e Pederneras um, e o
Milionários venceu por 4 a 2.)
Qual a lembrança mais forte que o
senhor guarda da viagem com Ernesto?
Foi uma época muito rica, mas o discurso de despedida do diretor do
leprosário... Ainda hoje penso nele e em quando falou do sonho de criar uma
América Latina soberana e unida. Foi tudo muito marcante.
Marcante para vocês dois?
Creio que sim. Acho que nos mudou a ambos. O que vimos nos tornou mais
humanos, mais sensíveis às diferenças entre pobres e ricos, entre doentes e
sãos, entre brancos e índios.
Vocês alguma vez chegaram a pensar em desistir?
Todos os dias. Várias vezes. Nosso dinheiro acabou, a moto quebrou, nos
perdemos... Mas isso fazia parte da aventura, da descoberta.
Você ajudou os roteiristas do filme de
Walter Salles. O que achou do resultado?
Eu gostei do filme. Me diverti e me emocionei com ele.
Há alguma cena muito diferente do que
realmente aconteceu?
Várias, não é? Afinal é um filme e compreendo que algumas coisas precisam
ser alteradas para que se consiga contar uma história. Aí, acontecimentos e
mesmo personagens precisaram ser adaptados.
Por exemplo...
Você se lembra da cena em que Ernesto está fazendo aniversário e há uma
festa para ele no leprosário? No filme, na noite da festa Fuser resolve
atravessar o rio a nado. E atravessa. Na verdade, ele começou a atravessar,
nadou uns 30 ou 40 metros, nós gritamos para ele voltar. E ele voltou.
Quer dizer que ele não atravessou o
rio? Mas é uma das cenas mais marcantes, que até inspirou a música que ganhou o
Oscar...
Ele atravessou, mas não foi naquela noite. Atravessou de dia, em outro
dia...
Dois anos depois da primeira, Ernesto
partiu em numa nova viagem, quando conheceu Fidel e acabou envolvido na
revolução em Cuba. Ele não o convidou para a segunda viagem? O senhor já pensou
que poderia estar lá?
Eu já estava noivo, trabalhando na Venezuela. Mas quando soube que
Ernesto estava saindo para uma segunda viagem, achei que ela seria definitiva.
Como assim?
Eu achava que se a nossa viagem servira para reforçar suas convicções
quanto às diferenças sociais e para torná-lo mais sensível à importância de
lutar contra elas, na segunda ele iria realizar essas mudanças em que
acreditava. Ele era muito fiel às suas convicções.
Em seu livro Travelling with Che
Guevara (“Viajando com Che Guevara”), o senhor conta um diálogo com Ernesto
sobre a necessidade de fazer uma revolução para libertar a América Latina
única. E Che teria dito que não haveria revolução sem tiros...
É verdade, isso ocorreu na Bolívia, quando estivemos muito perto de
pessoas muito pobres e praticamente escravizadas pelas companhias mineradoras
estrangeiras. De certa forma foi uma premonição do que aconteceria a Ernesto na
segunda viagem (dois anos depois, em sua segunda viagem pela América Latina,
Che conheceria Fidel Castro e passaria a integrar o grupo que faria a revolução
armada e tomaria o poder em Cuba).
Como foi o reencontro em Cuba?
O Che me pediu para vir para cá e ajudar na organização de hospitais,
asilos. Eu vim e trabalhei para o governo cubano durante 50 anos. Agora estou
aposentado.
E Che havia mudado?
Ernesto estava mais maduro, porém sua linha de conduta e tudo o que havia
me dito estavam intactos. E sua capacidade, sua disposição, parecia ter se
multiplicado.
Quando ele deixou Cuba para levar
adiante a revolução comunista, o senhor não pensou em ir também?
Che foi para a África e depois para a Bolívia para perseguir o que ele
acreditava. E ele era irredutível quanto aos seus ideais. Che servia para muita
coisa. Para médico, poeta, revolucionário e para líder. E sabia que eu não
serviria para ser guerrilheiro. Eu servia apenas para ser seu amigo. Eu sou
apenas um trabalhador.
Quando o senhor soube que Che havia
morrido, na Bolívia?
Quando a primeira notícia apareceu em Cuba ninguém queria acreditar. Mas
a mim me doeu o coração. Eu senti que era verdade. Depois de um tempo, vieram
algumas fotos do corpo de Ernesto e me chamaram para reconhecê-las. Foi muito
triste. Porque eu sabia que era ele.
Qual o legado de Ernesto?
Ele tinha muitas qualidades. Tantas virtudes que às vezes as pessoas
diziam: “Veja, para ele é fácil. Ele é o Che”. Por isso, digo às pessoas que
querem tê-lo como exemplo que se mirem nas incapacidades de Che. Na sua
incapacidade de mentir, sua incapacidade de aceitar algo que não tivesse feito
por merecer e na sua incapacidade de deixar que outro fizesse o que ele tinha
de fazer.
O mundo mudou muito desde que Mial e
Fuser viajaram pela América. Como o senhor vê hoje a Cuba de seus netos?
A Cuba do futuro, a Cuba que nós queremos, é um país cada vez mais culto.
Não queremos que as pessoas tenham cada vez mais calças jeans ou que possam
trocar de carro a cada ano. Queremos que nossos netos sejam capazes de ser
cultos. Cada vez mais tenham prazer em ler um livro. Que essa é a única forma
de ser livre: sendo culto”.
Fonte da imagem:
http://www.bestriders.com.br/diarios-de-motocicleta-morreu-alberto-granado-o-companheiro-de-che-guevara/
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