RECOMENDAÇÃO
Nº 042, DE 11 DE OUTUBRO DE 2019.
O Plenário do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Vigésima Segunda
Reunião
Ordinária, realizada nos dias 10 e 11 de outubro de 2019, e no uso de suas
competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de
setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei
Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de
julho de 2006, e cumprindo as disposições da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e
considerando
que a Fundação para o Remédio Popular (FURP), maior fabricante público e
oficial de medicamentos sintéticos, foi criada pela Lei Estadual nº 10.071, de
10 de abril de 1968, com o objetivo de fabricar medicamentos para que as
prefeituras, hospitais públicos e entidades filantrópicas de todo o Brasil pudessem
adquirir medicamentos com preços reduzidos, para serem distribuídos
gratuitamente à população que utiliza
o Sistema Único de Saúde (SUS);
considerando que o Governo Estadual de
São Paulo declarou que deverá repassar as duas unidades fabris da FURP à
iniciativa privada, o que representa um ataque à soberania nacional;
considerando
que ciência e tecnologia em saúde representam segmento estratégico para a busca
da soberania nacional;
considerando que, além de ser responsável pela
produção de inúmeros medicamentos para doenças negligenciadas, existem
medicamentos que somente a FURP fabrica (como a estreptomicina e o etambutol,
utilizados para o tratamento de tuberculose), tendo em vista que não há
interesse comercial de fabricação por outros laboratórios devido ao baixo
retorno financeiro;
considerando
que a FURP é responsável pela produção dos derivados da penicilina, fármacos
eficazes e de baixo custo, que poucas empresas têm interesse em produzir, de
forma que o laboratório desempenha função essencial na antibioticoterapia e,
consequente abastecimento nacional;
considerando
que o Brasil enfrentou recentemente um surto de sífilis congênita, motivado, em
larga medida pela ausência de penicilina no mercado nacional;
considerando
ainda que a ausência de penicilina na assistência farmacêutica resulta na
utilização de antibióticos mais caros e mais potentes, resultando no aumento da
resistência antimicrobiana;
considerando
que a FURP comercializa seus medicamentos, de qualidade e a preços acessíveis,
em mais de três mil cidades brasileiras, com cerca de seis mil clientes
cadastrados, entre secretarias estaduais de saúde, hospitais públicos,
consórcios de municípios, prefeituras, instituições estaduais, federais,
municipais e filantrópicas, além de sindicatos e fundações;
considerando
que a Parceria Público-Privada (PPP) celebrada com a empresa EMS para gestão da
fábrica na cidade de Américo Brasiliense é a origem dos problemas financeiros e
das denúncias de desvios que atingem a FURP e que a Concessionária Paulista de
Medicamentos (CPM), resultante da PPP entre EMS e o governo do Estado, gerou
uma dívida de mais de R$ 90 milhões de reais para a FURP, porque a CPM utiliza
o mesmo CNPJ da FURP de Guarulhos;
considerando
que a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (PNCTIS),
aprovada na 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e
Inovação em Saúde, realizada em 2004, e na 147ª Reunião Ordinária do
Conselho Nacional de Saúde, realizada em 6 e 7 de outubro de 2004, tem por objetivo maior,
contribuir para que o desenvolvimento nacional se faça de modo sustentável, e
com apoio na produção de conhecimentos técnicos e científicos ajustados às
necessidades econômicas, sociais, culturais e políticas do País;
considerando
que a Política Nacional de Medicamentos (PNM), aprovada pela Portaria GM/MS
3916/98 define, em suas Diretrizes, que a capacidade instalada dos laboratórios
oficiais configura um verdadeiro patrimônio nacional e, deverá ser utilizada, preferencialmente,
para atender às necessidades de medicamentos essenciais, especialmente os
destinados à atenção básica, e estimulada para que supra as demandas oriundas
das esferas estadual e municipal do SUS;
considerando
a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), aprovada pela Resolução
CNS nº 338/2004, que em seu artigo 2º, inciso VI,
prevê a modernização e ampliação da
capacidade instalada e de produção dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais,
visando o suprimento do SUS e o cumprimento de seu papel como referências de
custo e qualidade da produção de medicamentos, incluindo-se a produção de
fitoterápicos; e ainda o inciso VIII, sobre a pactuação de ações intersetoriais
que visem à internalização e o desenvolvimento de tecnologias que atendam às
necessidades de produtos e serviços do SUS, nos diferentes níveis de atenção;
considerando
que saúde é um bem da sociedade a ser preservado e desenvolvido por ela, sendo
garantido pelo Estado os meios necessários para tal fim e que, por suas
competências legais, cabe às três esferas federativas, a produção de leis,
normas e recursos, apoiadas em conhecimentos, que permitam garantir de forma
ampliada, a adequada promoção, proteção e recuperação da saúde dos cidadãos;
considerando
a Carta do Rio de Janeiro (Documento do 8º Simpósio Nacional de Ciência,
Tecnologia e Assistência Farmacêutica, realizado em dezembro de 2018), que
sugere aos gestores do SUS, que garantam
o financiamento e ampliação dos laboratórios oficiais e dos centros de
pesquisa nacionais, destinando recursos federais para o desenvolvimento
científico, tecnológico, inovações e produção pública de fármacos e
medicamentos que sejam de interesse do SUS, propondo intervenções nos
determinantes sociais e ambientais da saúde e priorizando doenças prevalentes e
as deficiências;
considerando
a defesa da FURP como interesse social, acima da lógica privatista e a saúde
como direito garantido pela Constituição Federal de 1988; e
considerando
que a 16ª Conferência Nacional de Saúde (8ª+8), ocorrida de 04 a 07 de agosto
de 2019, com mais de cinco mil participantes aprovou as diretrizes e propostas,
das quais 10% reafirma a ciência, tecnologia e assistência farmacêutica como
estratégicas para o desenvolvimento do país e um direito do povo brasileiro.
Recomenda:
Ao
Governador do Estado de São Paulo, à Assembleia Legislativa do Estado de São
Paulo, e ao Ministério Público Estadual de São Paulo, que:
I
- A FURP não seja desestatizada;
II
- Sejam apuradas as responsabilidades e tomadas as medidas cabíveis em razão
dos problemas financeiros que atingem a FURP;
III
- Os interesses privados não se sobreponham ao interesse público;
IV
- Seja realizada uma revisão do processo contratual entre a FURP e a CPM, com
celeridade, para que se restabeleça o equilíbrio econômico-financeiro da
Fundação; e
V
- Se garanta a diferença fundamental de natureza jurídica das complexas
atividades entre a Fundação e a Concessionária.
Plenário
do Conselho Nacional de Saúde, em sua Trecentésima Vigésima Segunda Reunião
Ordinária, realizada nos dias 10 e 11 de outubro de 2019.
Fonte:
http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes/2019/Reco042.pdf