sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Farmacêutica deverá ressarcir estado por compra de remédio .

Do Jornal Folha de São Paulo

Justiça condenou laboratório acusado de induzir pacientes de estudo clínico a processar estado para receber a droga


Cláudia Collucci

A farmacêutica Sanofi Genzyme foi condenada pela Justiça de São Paulo a ressarcir o governo paulista por gastos com a compra de remédio destinado a crianças com doença genética.
O laboratório é acusado de, após obter o registro do medicamento no Brasil, dispensar pacientes que participaram de estudo clínico, induzindo-os, mesmo que indiretamente, a processar o estado para conseguir a nova droga.
O valor da ação está estimado R$ 150 milhões. A decisão de primeira instância é inédita no país, mas cabe recurso. Em nota, A Sanofi Genzyme informa que não foi notificada sobre essa decisão e que não comenta ações judiciais em andamento.
No Brasil, há resoluções que responsabilizam as farmacêuticas pelo fornecimento de remédios a pacientes sujeitos de suas pesquisas. Na Justiça, porém, o assunto é controverso porque não existe uma legislação específica. Em outras duas ações judiciais movidas pelo estado pela mesma razão, por exemplo, as decisões foram favoráveis às farmacêuticas.
A ação civil pública foi movida pela Fazenda Pública paulista contra o laboratório Genzyme (adquirido pela Sanofi em 2011) após uma investigação cruzar nomes de pacientes que participaram de testes clínicos com droga Aldurazyme (Laronidase) e descobrir que, logo após o término do estudo, eles se tomaram autores de ações judiciais contra o estado para obter o remédio.
A investigação foi feita pela Corregedoria- Geral da Administração, Advogacia-Geral da União e o Ministério da Saúde. Segundo a denúncia, o objetivo da pesquisa foi obter o registro do remédio na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). À época, ele estava aprovado nos Estados Unidos e na Europa.
A pesquisa envolveu nove crianças com mucopolissacaridose, doença genética que impede a produção normal de enzimas essenciais aos processos químicos vitais, comprometendo ossos, vias respiratórias, sistema cardiovascular e funções cognitivas.
O Aldurazyme é o único no mercado para tratamento da síndrome. O estudo foi conduzido pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Segundo o procurador do estado Luiz Duarte de Oliveira, mesmo antes do término dos estudos clínicos, em janeiro de 2006, representantes legais de sete das crianças envolvidas no estudo começaram a impetrar mandados de segurança contra o governo paulista, por meio de uma associação de pacientes, pedindo o remédio. Todas as decisões foram favoráveis às crianças.
"Ocorre que, no Brasil, os laboratórios têm obrigação de cuidar dos pacientes sujeitos de pesquisas clínicas, principalmente quando o resultado é benéfico. Isso implica dar continuidade ao tratamento até a cura ou o resto da vida deles" afirma Oliveira.
Resoluções do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional da Saúde entendem que é o dever do patrocinador de pesquisas clínicas continuar a fornecer o tratamento após o término dos estudos até quando houver indicação médica.
No termo de consentimento assinado pelos pacientes com a pesquisadora responsável pela pesquisa, a médica Ana Maria Martins, também estava assegurada a continuidade do tratamento. Durante o processo, o laboratório alegou que não existe dever legal de doação perpétua do medicamento aos participantes de estudos clínicos.
Hoje, o governo paulista fornece remédios a seis crianças (a sétima já morreu) e gasta por mês, com cada uma, de R$ 50 a R$ 70 mil. "É mais ou menos um carro Toyota por mês", compara o procurador.
Em sua decisão, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti determinou que o laboratório, além de ressarcir o estado, entregue, mensalmente, sem custos ou despesas, o medicamento às crianças. Também o condenou por danos morais coletivos.
De acordo com Luiz Oliveira, como o estado está obrigado por força da outra decisão judicial a fazer essa entrega até o fim da vida das crianças, a partir de agora a farmacêutica deverá repassar gratuitamente os remédios ao poder público para que ele os encaminhe aos pacientes.
Na sentença de 11 páginas, consta que pais das crianças foram orientados pela equipe médica que conduzia o estudo na Unifesp a processar o estado, por meio de uma associação de pacientes, com sede em Campinas (SP).
Em sua defesa, a farmacêutica Sanofi alegou que a ação era improcedente, uma vez que os estudos clínicos não tiveram qualquer relação com o registro da droga no Brasil. Afirmou ainda que os voluntários dos estudos ingressaram com ações judiciais voluntariamente, sem ingerência do laboratório, e que o fornecimento do medicamento sempre foi garantido.
No processo judicial, a mãe de uma das crianças que participaram do estudo clínico disse que a filha iniciou o tratamento em 2005 e seguiu até meados de 2006, quando saiu a liminar para obter o medicamento por meio do estado.
Ela afirmou que foi instruída a ingressar com a ação pela equipe da Unifesp.
"A médica comentou: 'Nós vamos ter um tratamento custeado pelo laboratório até um certo tempo, durante a pesquisa; depois de um certo tempo a gente tem que entrar com a liminar", disse em depoimento.
A advogada Maria Cecilia Mazzariol Volpe, da Associação dos Familiares Amigos e Portadores de Doenças Graves, ingressou com as ações. Em nenhum momento é citado que as crianças participaram de testes clínicos.
"Omissão, no mínimo, dolosa, uma vez que a própria médica que desenvolveu as pesquisas também prescreveu as receitas que fundamentaram as demandas", diz a juíza em trecho da sentença.
Ela afirma ainda que não é possível imputar diretamente à farmacêutica a responsabilidade pelos pacientes terem processado o estado, mas reforça que isso ocorreu por meio de orientação dada pela médica responsável pela pesquisa, que firmou contrato do estudo com o laboratório.
"Porém, a sua responsabilidade pela manutenção do fornecimento do medicamento, após o término dos estudos clínicos, é inconteste. A ré descumpriu os preceitos éticos e desrespeitou o princípio da dignidade da pessoa humana", afirmou ela.
Procurada na segunda-feira (12) por meio de mensagem de celular e da assessoria de imprensa da Unifesp, a médica Ana Maria Martins disse na terça (13) que estava em evento científico fora do país e, por isso, indisponível para avaliar o assunto.
A advogada Maria Cecília Mazzariol Volpe foi procurada por e-mail e por telefone na associação que dirige em Campinas. Segunda a atendente, ela estava ciente do assunto, mas não retornou o contato.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Conselho Nacional de Saúde recomenda veto e ampliação do debate sobre a MP881.



Tramita no Congresso Nacional a Medida Provisória 881/2019, conhecida como MP da Liberdade Econômica. A MP  visava simplificar as regras para empresas caracterizadas como "de baixo risco", desregulamentando a atividade econômica sob o argumento da “desburocratização”, alterando artigos do Código de Defesa do Consumidor e outras legislações que protegem a sociedade dos abusos do poder econômico. 

A Federação Nacional dos Farmacêuticos divulgou, em seu site, que: "De 18 artigos originalmente propostos, a matéria passa a ter 81, na versão preliminar do texto do deputado Jerônimo Goergen...o parecer diz que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica a fundos de investimento, altera regras de emissão de debêntures e elimina dois sistemas de informações pedidas a empresas: o E-Social e o chamado "bloco K", que são dados de produção e estoque, entre outros”. A FENAFAR diz ainda que na MP houve: “ a inclusão de dispositivo que altera a lei 13.021/2014, acabando com a presença obrigatório de farmacêuticos em farmácias e drogarias. Inclui, também, a permissão de venda de medicamentos sem prescrição médica em supermercados”.

Ou seja, mais uma vez a sociedade se encontra ameaçada, com a flexibilização da presença de farmacêuticos nas farmácias e drogarias, venda de medicamentos em supermercados (mais um projeto falando disso), e também com algo mais agressivo: a MP, conforme manifestado também divulgado pela FENAFAR, “Pleiteia restringir a ação fiscalizadora dos conselhos profissionais. Juntamente com a vigilância sanitária, os conselhos profissionais da área da saúde têm a importante missão de zelar pela saúde pública, impedindo a atuação de profissionais não habilitados para exercício das profissões e impedindo que os estabelecimentos de saúde atuem fora das normas sanitárias que existem justamente para garantir a segurança dos serviços e produtos de saúde oferecidos a toda a população”.

Os profissionais farmacêuticos, e os movimentos organizados, precisam se mobilizar. A MP está pautada para ser votada nesta quinta-feira, dia 11/07, depois de ter sido tirada de pauta nesta terça (09/07).

O Conselho Nacional de Saúde, em sua 319ª Reunião Ordinária, ocorridas nos dias 04 e 05 de julho,  aprovou a Recomendação 032/2019, solicitando ao Congresso Nacional:

1. Que não aprove a MP nº 881 e respectivas emendas que ferem a dignidade humana e desconsideram o direito à saúde, a assistência farmacêutica e os papéis dos órgãos fiscalizadores; e

 2. Que realize audiência pública para amplo debate democrático dos temas abordados pela MP 881/209.

Leia íntegra da Recomendação:

RECOMENDAÇÃO Nº 032, DE 05 DE JULHO DE 2019.
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Décima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias 04 e 05 de julho de 2019, e no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, da legislação brasileira correlata; e
Considerando a Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, entre outras providências;
Considerando que a liberdade econômica não pode se sobrepor ao direito constitucional à saúde garantido a todo cidadão e a toda cidadã deste país desde a promulgação da Constituição Federal de 1988;
Considerando o que estabelece a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), no seu Art. 6º, em que há expressa previsão da execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
Considerando que a Lei nº 8.080/1990 define a vigilância como o conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos e problemas decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e serviços de interesse da saúde; 
Considerando que a Lei nº 3.820, de 11 de novembro de 1960, cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Farmácia, e dá outras Providências;
Considerando que a farmácia é um estabelecimento de saúde e o local adequado para a comercialização de medicamentos, conforme disposto pela Lei nº 13.021, de 8 de agosto de 2014;  
Considerando que a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que o uso responsável de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) deve ser feito de forma segura e segundo orientação de profissional habilitado, devendo seu controle e fiscalização se dar no âmbito dos órgãos Reguladores;
Considerando que para a OMS o uso racional de medicamentos se dá quando pacientes recebem os medicamentos apropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado;
Considerando que o Estado, de acordo com a Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, deve, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), controlar a qualidade, segurança e eficácia de produtos e serviços;
Considerando que as ações de Vigilância Sanitária (VISA) devem promover e proteger a saúde da população e serem capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção, da circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde; 
Considerando que o controle e fiscalização do acesso a medicamentos necessitam de regulação, de acordo com Política Nacional de Regulação do SUS;
Considerando que o medicamento é o instrumento do fazer do farmacêutico voltado para atender as necessidades das pessoas e que este é o último profissional da saúde a entrar em contato com o usuário no momento da distribuição do medicamento;
Considerando que a saúde não é mercadoria e que o acesso a medicamentos é um direito constitucional previsto no Art. 196 da Constituição Federal de 1988;
Considerando que os conselhos profissionais são autarquias com o dever de proteger a sociedade, e para tanto precisam ter a autonomia para fiscalização, conforme definido nos seus planos de fiscalização; e
Considerando que o Conselho Nacional de Saúde prima pela defesa da saúde como direito e respeito à vida com qualidade e dignidade.

Recomenda
Ao Congresso Nacional:
1.             Que não aprove a MP nº 881 e respectivas emendas que ferem a dignidade humana e desconsideram o direito à saúde, a assistência farmacêutica e os papéis dos órgãos fiscalizadores; e
2.             Que realize audiência pública para amplo debate democrático dos temas abordados pela MP 881/2019.


Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Trecentésima Décima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias 04 e 05 de julho de 2019.

Fonte: