terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

A 'reforma' trabalhista e os sindicatos


EXTRAÍDO DO BLOG DO MIRO

Por Clemente Ganz Lúcio, no site Brasil Debate:

A nova legislação trabalhista, ao enfraquecer o poder de negociação dos sindicatos e reduzir o financiamento deles, impõe uma reforma sindical cuja constitucionalidade vem sendo questionada por argumentos jurídicos consistentes.

Duas das principais fontes de financiamento sindical, que representam cerca de 70% da receita corrente das entidades, estão sendo atacadas. Uma é a contribuição sindical (desconto anual de um dia de trabalho de todos os empregados), destinada à manutenção de sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais; e ao Ministério do Trabalho. Tinha caráter obrigatório desde que foi implantada, mas, com a atual legislação, passou a ser facultativa.

A outra receita importante é a contribuição assistencial, feita pelos trabalhadores às entidades sindicais que os representam, por ocasião das negociações coletivas de trabalho. O Supremo Tribunal Federal tem atuado incisivamente para proibir o desconto dessa contribuição dos trabalhadores não associados aos sindicatos.

Tudo indica que a finalidade é quebrar o movimento sindical. Se não fosse esse o propósito, a legislação asseguraria mecanismos para um processo de transição.

Promotores e apoiadores da reforma sindical afirmam que o movimento sindical deverá se financiar com a prestação de serviços assistenciais, médicos, jurídicos e de lazer, entre outros, o que só confirma a intenção de atacar a organização sindical.

Os sindicatos são uma criação histórica dos trabalhadores em resposta à exploração do trabalho realizada pela organização da produção capitalista. O sindicato representa o elo entre os trabalhadores que o constituem, um sujeito coletivo. A intencionalidade dessa “reunião” é criar uma identidade alternativa e independente daquela expressa pela soma de trabalhadores subordinados à empresa. Trata-se de uma união mobilizada pela solidariedade, oriunda da identidade de classe, que cria um poder capaz de gestar esse sujeito coletivo.

Para que serve o sindicato? Para reunir e mobilizar os trabalhadores para lutar pela parte que lhes cabe na produção, o que se expressa em melhores salários e benefícios; em condições de trabalho adequadas; em saúde e segurança; em bem-estar e qualidade de vida.

Os sindicatos foram criados para elaborar, promover e defender regras para as relações de produção, o que envolve formas de contratação, jornada e condições de trabalho, saúde, segurança etc. Também têm papel fundamental na distribuição econômica e social dos resultados alcançados, além de conduzir inúmeras lutas econômicas, políticas, sociais e culturais que integram a história da classe trabalhadora.

Eles geram e entregam o que chamamos de direitos trabalhistas e sociais. Para isso se organizam, mobilizam os trabalhadores e a sociedade, investem em formação, produzem e difundem informação, conhecimento e opinião. São financiados pelos trabalhadores e, em diversas partes do mundo, têm apoio do poder público.

A produção social dos direitos se dá na relação entre o sindicato, como sujeito coletivo de representação dos trabalhadores, e o empregador (privado ou público) ou a representação coletiva empresarial. Essas representações negociam e celebram convenções ou acordos coletivos nos quais são definidos direitos e deveres para as partes, que, para o trabalhador, incorporam-se ao contrato individual de trabalho.

Há procedimentos pelos quais os trabalhadores deliberam e delegam poder de representação – ao estabelecer o estatuto do sindicato, eleger a diretoria, aprovar uma pauta, definir uma greve ou aprovar uma proposta de acordo. Os trabalhadores são individualmente convocados e, em assembleia, delegam poderes de representação ao sindicato.

A definição de quem se beneficia dos direitos produzidos e conquistados pelos sindicatos é questão fundamental, que orienta todo o sistema de relações de trabalho, influencia diretamente a estrutura e a organização sindical e determina a base de financiamento. Os sistemas de relações de trabalho, mundo afora, estabelecem dois critérios básicos: a) só os associados ao sindicato são beneficiários ou b) todos os trabalhadores da base do sindicato são beneficiários, independentemente da associação.

Na primeira hipótese, a tendência é haver alto índice de sindicalização, uma vez que os trabalhadores querem acessar os direitos conquistados pelo sindicato. Com isso, os sindicatos são mais fortes e têm mais facilidade de constituir organizações nos locais de trabalho. Os sócios financiam a estrutura, a organização, a mobilização e as negociações que conquistam os direitos. Quem não é sócio não tem acesso ao direito.

Na segunda hipótese, criam-se mecanismos para definir as atribuições e responsabilidades de sindicalizados e não sindicalizados nas tomadas de decisão sobre questões que tratam dos interesses do conjunto da categoria, como a celebração de acordos cujos direitos valem para todos. Cabe aos sindicatos construir a estrutura, organização e mobilização para a implementação das ações que lhes são confiadas. Nesse caso, os trabalhadores não filiados também financiam, de maneira obrigatória, o sindicato que os representa.

Os sistemas admitem que o trabalhador tem o direito de se recusar a delegar poder de negociação e a financiar o sindicato. Essa manifestação poderá ser expressa de duas maneiras: a) em assembleia, com a participação nos debates e na deliberação coletiva, o que torna obrigatório o cumprimento das decisões da maioria – pelo sindicato e pelos trabalhadores; b) ou individualmente, forma pela qual o trabalhador recusa, simultaneamente, o acesso ao direito conquistado pelo sindicato e a obrigação de financiar a entidade.

O que não existe é essa situação prevista na nova lei no Brasil, em que o acesso ao direito é amplo e total e a contribuição do trabalhador, optativa. A escolha feita pela Reforma Trabalhista deve ser alterada se queremos fortalecer o sistema de relações de trabalho no Brasil e o papel dos sindicatos.

Essa questão foi tratada no Fórum Nacional do Trabalho, em 2004, pelas representações de empregadores, de trabalhadores e de governo. Um debate profundo analisou o sistema de relações de trabalho, as negociações, a solução ágil de conflitos, a representatividade das entidades sindicais, entre outros temas. Os empregadores e trabalhadores afirmaram ali que almejavam um sistema no qual convenção e acordo coletivo contemplassem todos os trabalhadores – sócios e não sócios do sindicato. O sistema de relações de trabalho foi, então, redesenhado, com regras para gerar convenções coletivas – com validade e abrangência para todos os trabalhadores de uma categoria e todas as empresas de um setor econômico – ou acordos coletivos, para todos os trabalhadores de uma ou mais empresas (acordos).

Nesse modelo, cabem a todos os trabalhadores deliberar em assembleia, convocados pelo respectivo sindicato: (a) se querem abrir uma negociação e em que condições; (b) quais as propostas ou a pauta para a negociação; (c) qual o plano para conduzir as negociações; (d) como financiarão a ação sindical. As decisões serão de responsabilidade de todos e todos serão beneficiários dos resultados.

O instrumento para financiamento indicado no Fórum foi a cobrança de uma taxa ou contribuição negocial devida por todos, quando autorizada a negociação, cujo valor seria definido pela assembleia que autorizasse a negociação, com regras estipuladas nos estatutos da entidade e com limite máximo do valor a ser pago.

Ainda se apontou a necessidade de que as entidades sindicais mantivessem um sistema de prestação de contas à categoria (dos resultados das negociações e da aplicação dos recursos arrecadados), como prática de boa governança e relação com os trabalhadores.

A reforma deixou tudo para trás.

Daqui para frente, a essência da disputa será estruturar e desenvolver um modelo coerente de sistema de relações de trabalho, constituído por entidades fortes e representativas, para revigorar as negociações coletivas. Requererá não só aportar regras de convenções e acordos coletivos, mas também mudar a atual legislação. Para virar o jogo, será preciso muita força, a fim de mobilizar os trabalhadores para que eles se coloquem como sujeito coletivo nessa disputa!

Fonte: https://altamiroborges.blogspot.com.br/2018/02/a-reforma-trabalhista-e-os-sindicatos.html?m=1

Projeto só permite a venda de corticosteroide com prescrição médica

EXTRAÍDO DO SITE DA CÂMARA FEDERAL


A Câmara analisa projeto do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA) que limita a venda e o uso de substâncias medicamentosas contendo corticosteroide (PL 9035/17). Pela proposta, a venda das substâncias ficará restrita à prescrição médica, tal como os antibióticos.

Segundo Paulo Magalhães, o corticosteroide é uma droga altamente utilizada no tratamento de diversas doenças, mas tem efeitos secundários e colaterais terríveis. 

“Em forma de colírio, o corticosteroide causa catarata e glaucoma, com cegueira irreversível. Nas formas injetáveis ou comprimidos, produz com o tempo a morte das glândulas suprarrenais, diabetes, hipertensão, ulcera gástrica e finalmente a morte do indivíduo”, diz o autor.

Tramitação

O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Acesse a íntegra da proposta CLICANDO AQUI

Reportagem – Luiz Gustavo Xavier
Edição – Natalia Doederlein


Fonte: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/SAUDE/551951-PROJETO-SO-PERMITE-A-VENDA-DE-CORTICOSTEROIDE-COM-PRESCRICAO-MEDICA.html

Em 30 anos, SUS transformou a história da saúde no Brasil

EXTRAÍDO DO SITE: VERMELHO


Mas, sua origem vem de antes, entre os anos de 1970 e de 1980, quando diversos grupos se engajaram no movimento sanitário, com o objetivo de pensar um sistema público para solucionar os problemas encontrados no atendimento da população defendendo o direito universal à saúde.

Em um país de dimensão continental, os números do SUS impressionam. Em 2016, mais de 1,5 milhão de cirurgias eletivas, possui cerca de 330 mil leitos conveniados e realizados e, por ano, realiza mais de 12 bilhões de internações e 4,2 bilhões de procedimentos ambulatórias. Ou seja, por ano, nosso Sistema Único de Saúde atende o equivalente à população da Espanha.

Em um país de 207,7 milhões de habitantes, mais de 160 milhões dependem única e exclusivamente do SUS. Portanto, defendê-lo, fortalecê-lo e amplia-lo é fundamental.

Uma referência mundial

Em seus 30 anos de existência, o SUS conquistou uma série de avanços para a saúde do nosso povo. Reconhecido internacionalmente, o Programa Nacional de Imunização (PNI), responsável por 98% do mercado de vacinas do país, é um dos destaques. O Brasil garante à população acesso gratuito a todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Também é no SUS que ocorre o maior sistema público de transplantes de órgãos do mundo. Em 2016, mais de 90% dos transplantes realizados no Brasil foram financiados pelo SUS. Os pacientes possuem assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante.

Entre 2010 e 2016, houve aumento de 19% no número geral de transplantes, com destaque para quatro órgãos, além do coração: rim (aumento de 18%, passando de 4.660 para 5.492 transplantes); fígado (aumento de 34%, passando de 1.404 para 1.880); medula óssea (crescimento de 39%, saltando de 1.695 para 2.362); e pulmão (crescimento de 53%, passando de 60 para 92).

Também dá assistência integral e totalmente gratuita para a população de portadores do HIV e doentes de Aids, renais crônicos, pacientes com câncer, tuberculose e hanseníase.

Efeito Temer

O SUS é um patrimônio nacional e é dever todos lutar pela sua sustentabilidade. Desde o golpe parlamentar de maio de 2016, o Sistema Único de Saúde tem sofrido diversos ataques que não têm outro objetivo senão desmontá-lo e privatizá-lo.

A chamada PEC da Morte (Proposta de Emenda à Constiuição, PEC 55) que cortou os investimentos públicos na área da Saúde por 20 anos é o exemplo cristalino do descompromisso da gestão ilegítima de Michel Temer com a Saúde do nosso povo. Estima-se que, com o congelamento de investimentos proposto pelo governo, haverá uma redução de 400 bilhões no orçamento.

Lutar por nossos direitos

Estamos vivendo um momento bastante frágil de nossa história e diante deste cenário não há outra palavra senão LUTAR. Os setores organizados da sociedade devem marchar juntos contra as sérias ameaças que apontam para desmonte do Sistema Único de Saúde. É necessário estarmos cada vez mais preparados para fazer esse enfrentamento.

Nosso SUS é uma referência para o mundo. E por ele vale a pena lutar e nos mobilizar!


*Joanne Mota é jornalista e assessora de Imprensa e Comunicação da Presidência da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil)

**As informações de artigo foram colhidas em relatórios do Sistema Único de Saúde e no portal do Conselho Nacional de Saúde (CNS). 

 Fonte: CTB
Disponível em http://vermelho.org.br/noticia/307235-1

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O desafio de incluir 3,5 bilhões de pessoas no acesso a medicamentos

Extraído do site da FIOCRUZ

Artigo assinado pelos pesquisadores Jorge Bermudez, da Escola Nacional de Saude Pública (Ensp/Fiocruz), e Viroj Tangcharoensathien, ministro da Saúde Pública da Tailândia, publicado no âmbito da 142ª Sessão do Conselho Executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS), realizado em Genebra no período de 22 a 27/1/2018, conclama líderes políticos e especialistas da área da Saúde a enfrentar os desafios relacionados ao acesso a medicamentos.
No texto, Desafios globais em acesso a medicamentos para 2018 (Desafios globales en materia de acceso a medicamentos para el año 2018, em espanhol, e Heading off Global Action on Access to Medicines in 2018), os pesquisadores destacam que os serviços de saúde são inacessíveis a mais da metade da população mundial e que 3,5 bilhões de pessoas estão excluídas do acesso aos medicamentos essenciais.  

Quando não há expectativa de elevada margem de lucro, como no caso dos antibióticos e dos medicamentos para as doenças negligenciadas, não há pesquisa e desenvolvimento, a despeito de sua importância para a saúde pública, escrevem os autores. Por outro lado, se há mercado promissor, como no caso do tratamento das hepatites, câncer e outras doenças crônicas não transmissíveis, os preços tornam-se abusivos, representando grande barreira ao acesso.
Apesar de o ebola ter sido diagnosticado desde 1976, nenhuma vacina foi criada, apontam. Quanto aos antibióticos, apenas duas novas classes foram desenvolvidas após 1962. Essa estagnação ameaça o direito humano à saúde.
Segundo Jorge Bermudez, o artigo foi elaborado com o objetivo de orientar o debate da 142ª Sessão do Conselho Executivo da OMS. “Queríamos que o texto chegasse até os membros do Conselho Executivo e que a discussão sobre acesso a medicamentos fosse levada em consideração no Painel de Alto Nível do Secretário-Geral, dialogando com as propostas dele, o que efetivamente aconteceu. O artigo cumpriu o seu papel”, considerou o pesquisador, que também avaliou a repercussão da discussão durante a Sessão. “Todos os 44 países que se manifestaram após a apresentação da OMS sobre o tema declararam apoio, exceto os Estados Unidos. A indústria farmacêutica também não se mostrou muito favorável aos pontos levantados. No geral, a sessão foi muito rica e ficou muito claro que [a questão do acesso global aos medicamentos] é uma prioridade para a OMS”.
Leia a íntegra do artigo em inglês e em espanhol.

Fonte: https://agencia.fiocruz.br/o-desafio-de-incluir-35-bilhoes-de-pessoas-no-acesso-medicamentos

‘A culpa é da farmácia’: o álibi preferido dos atletas flagrados no doping

Extraído do site: EL PAÍS

Nesta semana, Thomaz Bellucci, uma das principais referências do tênis brasileiro, volta a competir nas quadras. Ele cumpriu suspensão de cinco meses após ser flagrado no antidoping, que detectou uma substância proibida pela Agência Mundial Antidoping (Wada), o diurético hidroclorotiazida, em seu exame de urina. O processo correu em sigilo na Federação Internacional de Tênis (ITF), e a punição só foi divulgada em janeiro. A defesa que utilizou nos tribunais, entretanto, é bastante conhecida. Culpou a farmácia que manipulou um suplemento que havia encomendado, alegando contaminação. E pegou pena mínima. “Eu não tomei nada [de irregular]. Estou pagando pelo erro dos outros”, afirmou o tenista durante o anúncio da suspensão.

Hormônios e diuréticos como o detectado no exame de Bellucci não necessariamente conferem vantagem física aos atletas, mas podem servir para mascarar outras substâncias proibidas – essas, sim, capazes de melhorar o desempenho. Atribuir responsabilidade à farmácia de manipulação é uma estratégia cada vez mais comum de competidores pegos no antidoping. Nos últimos cinco anos, outros dois tenistas brasileiros, Fernando Romboli e Marcelo Demoliner, usaram o mesmo argumento e também receberam penas brandas, inferiores a um ano de suspensão.

O caso de Demoliner está, ainda que indiretamente, relacionado ao de Bellucci. Em 2016, eles competiram juntos em um torneio de duplas na Austrália, quando Demoliner testou positivo para hidroclorotiazida e pegou três meses de gancho. De acordo com sua defesa, a substância encontrada foi resultado da ingestão de um suplemento supostamente contaminado durante manipulação na farmácia Body Lab, a mesma que agora é acusada por Bellucci de negligência por doping involuntário. Apesar da proximidade entre os tenistas, o advogado Pedro Fida, que defendeu ambos em seus respectivos casos, argumenta que os dois atletas jamais conversaram a respeito da farmácia e Bellucci não chegou a ser alertado pelo parceiro. O tribunal do ITF, porém, levou a proximidade entre eles em conta para aplicar uma pena maior a Bellucci.

“Pela segunda vez, essa farmácia prejudica um atleta”, afirma Fida. “O Bellucci pagou pelo erro de terceiros e, por isso, tomaremos medidas judiciais cabíveis contra os verdadeiros responsáveis.” Por outro lado, Sadi Perini, um dos sócios-proprietários da Body Lab, que já forneceu suplementos para a seleção brasileira de futebol, diz que a farmácia nunca teve problema com outros atletas e qualifica as acusações dos tenistas como “falácias” para negar o doping. “Jogar a culpa na farmácia é uma desculpa clássica de atletas pegos com substâncias proibidas. Como não têm uma justificativa coerente, tentam escapar por esse caminho. Da nossa parte, temos a consciência limpa. Seguimos todas as normas da legislação. A possibilidade de haver contaminação é mínima.”

Médicos e especialistas reconhecem que, em casos semelhantes aos de Bellucci e Demoliner, é possível que os diuréticos apareçam no antidoping devido à contaminação de suplementos em laboratórios. Porém, a Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) adverte que as chances de isso acontecer são muito pequenas. Além de se submeterem a rígidas normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as farmácias de manipulação no Brasil são obrigadas a anotar as fórmulas de receitas aviadas em um livro de registro, que serve como histórico de todas as substâncias manipuladas. De acordo com um estudo da entidade, em apenas 2% das receitas em laboratórios de todo o país constam a prescrição de diuréticos – em todas elas, estão associados a outros compostos. Logo, em uma eventual contaminação, mais substâncias deveriam aparecer no exame antidoping de atletas que testam positivo para diuréticos.
“Pela rigidez dos processos, uma contaminação por hormônio ou diurético em farmácias de manipulação é bastante improvável”, afirma Marco Fiaschetti, diretor executivo da Anfarmag. “Seria preciso uma série de erros muito grotescos para que isso acontecesse. A tese utilizada pela defesa dos atletas não me parece sustentável.” Para o presidente da associação, Ademir Valério, o argumento da contaminação, em vez de álibi, tem se tornado uma justificativa tão batida que coloca em xeque a credibilidade de competidores flagrados no antidoping. “Com tantos episódios em série, sempre negados com a mesma evasiva, os fãs e a comunidade esportiva começam a perceber que se trata de uma mera estratégia jurídica para evitar punições maiores.”

Desde 2011, 20 atletas brasileiros pegos no antidoping com hormônios e diuréticos já recorreram ao artifício da contaminação cruzada de substâncias. Na maioria dos casos, conseguiram atenuar penas e até mesmo escapar de uma suspensão, sobretudo a partir de 2015, ano em que a Wada incluiu um artigo no código de dopagem que admite a redução de punições quando comprovada a contaminação de suplementos alimentares. Como o processo geralmente considera apenas a quantidade da substância encontrada na urina do atleta, a prova depende das circunstâncias e da interpretação de cada tribunal.

O caso mais emblemático é o de César Cielo, flagrado juntamente com outros três nadadores pelo composto diurético de furosemida, em 2011. Sob o risco de não disputar a Olimpíada de Londres, ele acabou levando apenas uma advertência da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) e do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) ao sugerir a contaminação cruzada em laboratório. Sua absolvição se tornou referência para outros atletas. Em 2013, Carlos Alberto, então jogador do Vasco, alegou contaminação cruzada após testar positivo para hidroclorotiazida e o hormônio carboxi-tamoxifeno. Durante o julgamento, marcado por uma defesa mais emocional do que técnica, a advogada Luciana Lopes citou o medalhista olímpicoem seu discurso. “No caso Cielo, levou-se em consideração a trajetória de campeão do atleta. Também temos um atleta campeão aqui.” Carlos Alberto foi absolvido pelo Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro.

Naquele ano, o meia Deco também seria pego com as mesmas substâncias, manipuladas na mesma farmácia de Carlos Alberto. Foi suspenso por um ano pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), mas, meses depois, acabou absolvido pelo TAS. A eficácia da alegação de contaminação cruzada fica ainda mais clara diante de casos semelhantes com desfechos distintos. Em 2010, o goleiro Renê, do Bahia, testou positivo para furosemida. Nos tribunais, disse que havia tomado um remédio vetado pela Wada por descuido, mas pegou um ano de suspensão – ao contrário de Cielo, que, com a mesma substância, só foi advertido. “Isso é revoltante”, disse Renê após a absolvição do nadador.

Dois pesos, duas medidas

Nem sempre o entendimento do TAS, a máxima instância do esporte mundial, acompanha as decisões dos tribunais brasileiros. Em 2007, o atacante Dodô, do Botafogo, foi flagrado com a anfetamina femproporex e, com base na defesa de contaminação cruzada, viu o STJD absolvê-lo em segunda instância. No entanto, a FIFA levou o caso ao TAS, que condenou o atacante a dois anos de suspensão. Desde então, o Brasil tem sido orientado por órgãos internacionais antidopagema adotar uma postura mais rigorosa. Atualmente, a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) é a responsável pelos testes de doping do país, enquanto cabe ao Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJDAD), criado somente em 2017, julgar os atletas denunciados.

Marco Aurélio Klein, ex-presidente da ABCD, conta que as constantes atenuações de pena sob o pretexto da contaminação cruzada foram um dos motivos que levaram a Wada a exigir do Brasil um tribunal especializado para casos de doping. “Chegamos a firmar uma parceria com a Anfarmag em 2015, que sempre demonstrou que esse tipo de contaminação em farmácias é improvável. Ainda assim, as punições sempre foram brandas”, diz Klein. Assim como Bellucci, ídolos de outros esportes, a exemplo dos lutadores Anderson Silva e Junior Cigano e do jogador de vôlei Murilo, foram pegos recentemente por causa de diuréticos em competições fora do Brasil, que não dizem respeito ao tribunal nacional. Até o momento, em meio à troca de acusações entre atletas e farmácias, o TJDAD ainda não teve nenhum caso para julgar envolvendo alegação de contaminação de suplementos e remédios.


Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/02/deportes/1517609666_616566.html