quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Acesso a medicamentos e produção local: Brasil na contramão do mundo – por Jorge Bermudez


Disponível no site da Federação Nacional dos Farmacêuticos - FENAFAR


Em artigo, o médico Jorge Bermudez, pesquisador da Ensp/Fiocruz; membro do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos do Secretário-Geral das Nações Unidas, denuncia a ganância da indústria farmacêutica internacional e a dependência do Brasil como fator de enfraquecimento da soberania nacional, de negação do acesso de medicamentos às populações mais carentes e entrave para o desenvolvimento do país.


A recente notícia da concessão do centésimo Prêmio Nobel da Paz ao primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, laureado por ter encerrado um conflito de 20 anos entre Etiópia e Eritreia com o Acordo de Paz assinado em julho de 2018, certamente nos remete à importância do continente africano no atual cenário global. A concessão desse prêmio não apenas enaltece os esforços de paz no continente, como também nos lembra que a Etiópia e sua capital, Adis Abeba, como sede da União Africana e seus 55 países, tem sido o eco das discussões pela implementação da iniciativa denominada PMPA (Pharmaceutical Manufacturing Plan for Africa), aprovada em 2007, na Cúpula de Accra, em Gana, e reenfatizada em 2011, em Durban, África do Sul, e que expressa a importância da produção local de medicamentos para assegurar o acesso das populações a medicamentos essenciais.
Relatório do Painel de Alto Nível do Secretário-geral das Nações Unidas em Acesso a Medicamentos, tornado público em setembro de 2016, nos deixa claro que hoje o acesso a medicamentos, com os preços elevados e muitas vezes extorsivos praticados pela indústria farmacêutica, não é mais um problema restrito a países de renda baixa ou média, mas representa um problema em escala global e que vem sendo discutido em todos os foros, contrapondo saúde e comércio, ou direitos individuais e direitos coletivos e afirmando o direito à saúde como direito humano fundamental. Adicionalmente é advogada a desvinculação dos gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D) dos preços finais praticados nos medicamentos.
É evidente que, sendo um problema global, os países do Norte preparam e explicitam estratégias potenciais para abordar esse problema. Não é sem estranheza que verificamos que os países mais ricos hoje tentam espelhar ações e lições que países em desenvolvimento desenvolveram no passado.
Os EUA discutem a necessidade de regulamentar e disciplinar os preços de medicamentos desde as últimas campanhas eleitorais. Em julho de 2019 foi lançada para discussão no Senado a proposta denominada de PDPRA (Prescription Drug Pricing Reduction Act), que aborda aspectos relacionados a informações de preços praticados, adequados níveis de pagamentos, aquisição de medicamentos e adequação de pagamentos baseados em custos, aquisição de biossimilares, entre outras questões, mas, sobretudo, a definição de um marco regulatório aplicável às empresas de seguro-saúde. De maneira inédita, há uma superposição nas propostas dos partidos políticos e que podem permitir que sejam aprovadas medidas de maneira negociada e consensual entre democratas e republicanos.
Já no Reino Unido, surgem propostas mais radicais, com o Partido Trabalhista propondo a iniciativa Medicines for the Many: Public Health before Private Profit, abordando a questão dos altos preços e reconhecendo que o atual sistema de inovação se encontra falido [link]. A proposta em estudo envolve críticas ao sistema e a necessidade de impedir as retaliações e ameaças ao uso de flexibilidades do Acordo Trips, e colocam Brasil, Índia e Argentina como modelos a observar nos requisitos de proteção patentária e seu impacto no acesso a medicamentos.
Consideramos importante fazer uma ressalva na utilização do Brasil como modelo. O nosso SUS, a Constituição Cidadã, o acesso universal, a saúde como direito de todos e dever do Estado, fazem parte do nosso acervo passado e histórico, hoje diuturnamente violentado pelas atuais incursões ultraliberais das nossas autoridades governamentais. O INPI, adicionalmente, responsável pelas análises de solicitações de patentes, não consegue aumentar seu quadro de examinadores e sofre propostas que aprofundam suas fragilidades.
Entretanto, é válido também ressaltar que a proposta atualmente em discussão no Reino Unido reconhece o papel que a produção pública vem jogando no Brasil e no SUS, chamando a atenção para o papel dos laboratórios públicos na provisão de antirretrovirais (ARVs). O documento também enaltece as iniciativas desenvolvidas em Cuba, Holanda, China e Canadá.
Em nítida contraposição às discussões que vemos no mundo e que povoam os debates nas esferas das Nações Unidas, hoje o Brasil e sua atual gestão desconstroem políticas consolidadas ao longo dos 30 anos do SUS e desmonta o setor público de produção farmacêutica.
A imprensa noticia a extinção da Furp [Fundação para o Remédio Popular de São Paulo], desmonte que vem sendo criticado pela corporação de farmacêuticos, baluarte na defesa da produção pública, um dos maiores e mais bem sucedidos laboratórios públicos e que vinha cumprindo papel fundamental no atendimento à população, na referência e capacitação de recursos humanos e na incorporação de tecnologias de produção farmacêutica capazes de efetivamente diminuir nossa dependência tecnológica. Alega-se, para sua extinção, que se trata de um governo de “desestatização” e que não cabe ao governo fabricar medicamentos, nitidamente na contramão do mundo!
Lamentavelmente, esse é o cenário no qual o Brasil mergulha sem escafandro, um mergulho suicida, a seguir as diretrizes atuais. Resta saber até onde iremos e o que sobrará nos escombros. A História certamente nos condenará pelo mundo que deixaremos para nossas futuras gerações! Para nós, as palavras de ordem são Luta e Resistência!
Fonte: Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz
Publicado em 15/10/2019



Câmara de Mogi das Cruzes aprova moção de apoio à FURP


DO SITE DA CÂMARA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES

Câmara é contra extinção da Fundação para o Remédio Popular

O Legislativo aprovou a Moção 80/2019, na sessão ordinária desta terça-feira (15), que consignou votos de apoio à Fundação para o Remédio Popular – Furp – e seus trabalhadores. O autor da iniciativa, vereador Rodrigo Romão (PCdoB), justificou a medida informando que, em entrevista, o governador João Doria (PSDB) manifestou a intenção de extinguir o órgão.

“A privatização ou extinção da Furp representa um ataque gravíssimo à soberania nacional na área de produção de medicamentos. A empresa foi criada pela Lei Estadual n° 10.071 de 10 de abril de 1968, ou seja, há 51 anos, com o objetivo de fabricar medicamentos para que as prefeituras, hospitais públicos e entidades filantrópicas de todo o Brasil possam adquirir medicamentos com preços reduzidos, para serem distribuídos gratuitamente à população que utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS)”, ressaltou Romão.

De acordo com os dados apresentados pelo parlamentar, somente em 2018, a Furp produziu cerca de 530 milhões de medicamentos para a rede pública de saúde. Entre os itens produzidos destacam-se antibióticos, antirretrovirais, anti-inflamatórios, anti-hipertensivos, medicamentos para transplantados, controle da Diabetes, transtornos mentais, tuberculose, hanseníase e muitos outros.
Leia abaixo a íntegra da MOÇÃO

Moção de Apoio Fundação para o Remédio Popular – FURP.
No último dia 25 de setembro o governador do Estado de São Paulo, João Dória, em entrevista coletiva, informou que pretende extinguir a Fundação para o Remédio Popular (FURP) que é a maior fabricante pública de medicamentos do Brasil e da América Latina.
A privatização ou extinção da FURP representa um ataque gravíssimo à soberania nacional na área de produção de medicamentos. A empresa foi criada pela Lei Estadual nº 10.071 de 10 de abril de 1968, ou seja, há 51 anos com o objetivo de fabricar medicamentos para que as prefeituras, hospitais públicos e entidades filantrópicas de todo o Brasil possam adquirir medicamentos com preços reduzidos, para serem distribuídos gratuitamente à população que utiliza o Sistema Único de Saúde (SUS).
Só em 2018, a FURP produziu cerca de 530 milhões de medicamentos para a rede pública de saúde. Entre os itens produzidos destacam-se antibióticos, antirretrovirais, anti-inflamatórios, anti-hipertensivos, medicamentos para transplantados, controle da Diabetes, transtornos mentais, tuberculose, hanseníase e tantos outros.
Além disso, existem medicamentos que somente a FURP produz, pois não há interesse comercial de fabricação pelos laboratórios privados devido ao baixo retorno financeiro. A empresa pública paulista também é responsável pela produção de inúmeros medicamentos para doenças negligenciadas. Ela é a única fabricante nacional de estreptomicina e de etambutol para o tratamento da tuberculose. Também de derivados da penicilina, que, por serem medicamentos antigos e baratos, poucas empresas têm interesse em produzi-los.
A privatização ou extinção da FURP resultará em aumento dos custos e ocasionando ainda mais falta de medicamentos em hospitais e postos de saúde e maior dificuldade para a população mais carente ter acesso a tratamentos. Além disso, obrigará o Estado a adquirir de indústrias farmacêuticas privadas parte dos medicamentos que deixarão de ser produzidos pela FURP, o que representará uma ampliação dos gastos públicos com medicamentos.
Outra consequência da extinção será a eliminação de postos de trabalho de centenas trabalhadoras e trabalhadores diretos e indiretos.
Em defesa da soberania brasileira da produção de medicamentos!
Em razão das considerações acima, e como forma de reconhecer a importância para o estado de São Paulo e para o Brasil do trabalho realizado pela FURP, é que apresento este trabalho legislativo para requerer, na forma regimental, que seja concedido votos de Apoio à Fundação para o Remédio Popular e seus trabalhadores, dando ciência do inteiro teor deste trabalho legislativo ao governador do estado de São Paulo Sr. João Dória Júnior, ao Secretário de Estado da Saúde de São Paulo o Dr. José Henrique Germann Ferreira, ao presidente da Assembleia Legislativa o Sr. Cauê Macris, ao presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos o Sr. Ronald Ferreira dos Santos, ao presidente do Sindicato dos Químicos de Guarulhos e Região – Sindiquímicos o Sr. Antonio Silvan Oliveira e ao presidente do Conselho Deliberativo da Fundação para o Remédio Popular o Sr. Dr. Marcelo Nascimento de Araújo.
Assim, com fundamento no Regimento Interno da Câmara Municipal de Mogi das Cruzes, e, uma vez demonstrado os motivos e as razões da apresentação da presente propositura – MOÇÃO, espera que o mesmo mereça o beneplácito do Ínclito Plenário.
Plenário Vereador Luiz Beraldo de Miranda, 14 de outubro de 2019.





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RODRIGO ROMÃO

VEREADOR – PCdoB

Fonte: 

Conselho Nacional de Saúde aprova Recomendação contra desestatização da FURP.


Durante sua 322ª Reunião Ordinária, ocorrida nos dias 10 e 11 de Outubro de 2019, o Conselho Nacional de Saúde aprovou Recomendação, por sugestão de sua Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica - CICTAF, para que o Governo do Estado de São Paulo não desestatize a FURP.

Veja abaixo o momento da leitura da Recomendação:



Para acessar a Recomendação na Integra, acesse o site:

terça-feira, 15 de outubro de 2019

O cordel do professor.

*O cordel do professor!*


Nada seria algo

Se não fosse o professor.

E ninguém chegaria

Aonde alguém já chegou.

Pois alguém só é alguém

Porque alguém lhe educou!



O que seria do mundo

Se não houvesse o professor?

Seria um mar sem agua.

Um jardim sem ter flor.

Um prédio sem alicerce.

Um arco-íris sem cor!

Ninguém seria alguém

E todos seriam ninguém

Se não fosse o professor!



O professor é o patriarca

Da humana inteligência.

O professor é um monarca

Sobre o trono da ciência.

O mundo sem professores

É como jardim sem flores

Sob a sombra da demência.



O professor é a lamparina

Que o clarão em sí, conduz.

No momento que ensina

Reverbera viva luz

Ensinando com prazer

Querendo, ou sem querer,

Ao futuro ele seduz!



Vanguarda de nosso povo

Patrono de nossa gente.

Detentor do bom futuro

Nos enlaces do presente.

Conspícuo e nobre ser,

Ser um professor é viver,

Eternamente em cada mente.

(Ribamar Silva)

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP não pode acabar!



O Projeto de Lei (PL) nº 7082/2017 pode retirar da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), as atribuições que garantem proteção aos participantes de pesquisas. A Conep não pode acabar! Os participantes de pesquisa não podem ficar desprotegidos!




Quando: 16/10 (quarta-feira) às 17h
Onde: Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), na Câmara dos Deputados, Anexo II, Plenário 1.

Saiba mais sobre o Projeto acessando http://www.susconecta.org.br/deputados-querem-tirar-atribuicoes-do-cns-sobre-etica-e-pesquisa-com-humanos/

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Seminário abordará os desafios do acesso a medicamentos no Brasil.



Quais os desafios do acesso a medicamentos no Brasil? Seminário vai abordar a questão do acesso a medicamentos seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos.

Promovido pela iniciativa Saúde Amanhã, no contexto da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, o seminário abordará o cumprimento do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 3.8 e 3.b da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ONU), voltado para a questão do acesso a medicamentos seguros, eficazes, de qualidade e a preços acessíveis para todos. 


O programa conta especialistas convidados Vera Lúcia Luíza, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Rondinelli Mendes (Ensp/Fiocruz) e Jorge Costa (Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde/Fiocruz).

Haverá debate com os convidados Antônio Carlos Bezerra, presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e Especialidades (ABIFINA), Norberto Rech, professor do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de Santa Catarina e Suzete Henrique da Silva, superintendente de assistência farmacêutica e insumos estratégicos da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro.

Data: Sexta-feira, 04 de outubro
Horário: 9h30
Local: Auditório do Centro de Documentação e História da Saúde - Casa de Oswaldo Cruz (CDHS/COC/Fiocruz) - 4º andar.
Outras informações: saudeamanha.fiocruz.br www.icict.fiocruz.br




sexta-feira, 20 de setembro de 2019

A nova Revolta da Vacina



Publicado na Revista Época

Como a ideia de que a imunização faz mal ou é desnecessária está provocando a volta de doenças como o sarampo
É fim de tarde em Ubatuba, no Litoral Norte de São Paulo, e a família de Maximiliano Giacone, de 31 anos, joga futebol na praia. Os três filhos, de 8 anos, 6 anos e 2 anos e meio correm descalços na areia. A família é de origem argentina, mas mora no Brasil. As crianças comem comida saudável, se exercitam, dormem cedo, raramente usam medicação alopática. E não tomam vacinas. Giacone diz que não acredita na necessidade dessas imunizações. O filho mais velho e o mais novo não foram vacinados, e o do meio, seu enteado, tomou apenas a BCG, dada a recém-nascidos para prevenir a tuberculose. "A não vacinação vem com uma filosofia de vida. Meus filhos são saudáveis. Utilizamos remédios alternativos, homeopatia, medicina por meio das plantas, raramente algo de farmácia", contou Giacone, ex-proprietário de uma escola em Buenos Aires.
Recentemente, ele soube de casos de famílias que foram obrigadas pela Justiça a vacinar seus filhos. Uma vez, contou, ele e a mulher foram repreendidos por um médico que criticou a recusa de dar vacinas. "Já conversei com algumas pessoas e li a respeito da falta de necessidade de ir ao médico com frequência. Não lembro exatamente as fontes. Outras pessoas falam em epidemias. Pode ser. Mas me baseio no que vou encontrando na vida. Não falo para as pessoas vacinarem ou não vacinarem. Seguimos nossa verdade", afirmou. Giacone disse ter consciência de que muitas de suas ações despertam reações e assombram outras pessoas. "As pessoas vão ao médico e esperam ouvir tudo que devem fazer. Somos educados assim. Mas gosto de ver como minhas crianças sabem que elas têm o poder de ficar doentes ou não. Que elas têm o poder de se curar. Não somos só o corpo físico", disse. Giacone afirmou que não vai se opor se os filhos decidirem se vacinar quando crescerem. Ele foi vacinado quando criança. "Não vou dizer que está certo, mas acredito em levar a vida como cada um quiser", completou.
Maximiliano Giacone com a mulher e os filhos no litoral paulista. "A não vacinação vem com uma filosofia de vida. Meus filhos são saudáveis. Utilizamos remédios alternativos, homeopatia, medicina por meio das plantas, raramente algo de farmácia", disse. 
Os membros do que se convencionou chamar de movimento antivacina têm motivações variadas e não conhecem fronteiras. A cerca de 2.300 quilômetros de Ubatuba, Gisleangela dos Santos, de Girau do Ponciano, município a quase três horas de Maceió, Alagoas, também faz restrições às campanhas de imunização. A cidade de cerca de 40 mil habitantes, que vive de agricultura e funcionalismo público, é descrita pela servidora de 37 anos como "quase o fim do mundo". Mas a desinformação chegou até lá pela internet. Santos passou a duvidar das vacinas depois de assistir a um vídeo em que um suposto enfermeiro dizia que o vírus da zika não existia, e que a microcefalia era causada por uma vacina vencida dada pelo governo. Ela teve zika no início da segunda gestação, mas, quando a filha nasceu com microcefalia, não culpou o mosquito. Com base no vídeo, seu reflexo foi achar que a microcefalia tinha sido causada por uma vacina que tomou antes de engravidar. "Sempre via no YouTube, Facebook e também recebi no WhatsApp vídeos sobre vacinas. Quando começaram os casos de zika e microcefalia, teve um vídeo em que um homem que se dizia enfermeiro contava que tinha descoberto que o governo estava enganando o povo. Que a microcefalia não tinha nada a ver com a zika, mas com uma vacina vencida que tínhamos tomado. Fiquei com medo", contou. Santos, a filha mais velha, de 14 anos, e a caçula, hoje com 3 anos, pararam de tomar vacina. Os pais de Santos também rejeitaram a campanha da vacina contra a gripe no ano passado. "Antes eu tomava vacina, gostava de deixar as vacinas de minhas filhas em dia. Quando vi isso, parei. E parei de dar para elas também", disse. A família só retomou a vacinação por causa de um tratamento da caçula. "Levei minha filha menor para fazer um tratamento em uma cidade vizinha. Quando chegamos, a médica exigiu que todo mundo tomasse vacina. A pressão foi grande. Mas ainda fico com receio", contou. Santos disse que um exame comprovou a zika durante a gravidez e que a doença afetou o bebê. Contou ainda que na cidade falta saneamento básico e sobram mosquitos e que muitas pessoas ali adoecem também com a dengue. Mas às vezes titubeia. "O vídeo falava na vacina vencida. Vivemos em um país tão corrupto que acabamos acreditando. Vejo mães que tiveram zika durante a gravidez e os filhos nasceram saudáveis. Por quê? Talvez meu caso tenha sido de imunidade. Muitas vezes nem os médicos sabem responder com certeza. E ainda tenho dúvidas."
A vacina é uma suspensão que contém o vírus inativado ou morto de determinada doença que, introduzido no organismo, induz a formação de anticorpos. Não há evidência científica de que vacinas causem doenças ou contaminem o organismo. Pelo contrário. Graças às vacinas, especialistas em saúde dizem que foi possível erradicar no Brasil enfermidades sérias como coqueluche, rubéola, poliomielite e tétano. Ironicamente, ao tirar essas e outras doenças graves de vista, as campanhas de vacinação bem-sucedidas do passado criaram nas gerações seguintes a sensação de que as doenças desapareceram ou de que ao menos não são mais uma ameaça como eram outrora. "Historicamente, a cultura da vacinação se impôs no Brasil pelo medo de doenças. Hoje, o medo é da vacina", disse a antropóloga Marcia Couto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). E o fenômeno é global.
Em relatório anual sobre os dez maiores riscos à saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu em 2019 a "hesitação em se vacinar". Ela figura na lista ao lado de vírus como os de ebola, HIV, dengue e influenza, segundo a OMS, "porque ameaça reverter o progresso feito no combate às doenças evitáveis por meio de vacinação". Outro relatório recente da OMS indica que os casos de sarampo no mundo triplicaram neste ano. O número de casos globais notificados nos primeiros sete meses de 2019, mais de 360 mil, já é quase três vezes maior que o registrado no mesmo período de 2018. No Brasil, os dados mais recentes, divulgados em 13 de setembro e referentes aos 90 dias anteriores, somam 3.339 casos confirmados de sarampo em 16 estados. O surto maior é no estado de São Paulo, onde já foram registradas pelo menos três mortes em decorrência da doença. As vítimas foram um homem de 42 anos e dois bebês. Outra criança faleceu em Pernambuco. Em nenhum dos quatro casos, disse o Ministério da Saúde, foi comprovada a imunização contra o sarampo.
"Gisleangela dos Santos é uma das vítimas da desinformação. Ela acreditou que a microcefalia da filha tinha sido causada por uma vacina vencida. Sua fonte foi um vídeo de uma rede social"
Segundo a OMS, a vacinação evita de 2 milhões a 3 milhões de mortes por ano - e outros 1,5 milhões poderiam ser evitadas se a cobertura global de vacinação melhorasse. Em nota a ÉPOCA, o órgão afirmou ter estudado as razões pelas quais as pessoas escolhem não se vacinar. "A OMS identificou complacência, inconveniência no acesso a vacinas e falta de confiança entre as principais razões subjacentes à hesitação", disse o órgão, que completou: "A relutância ou a recusa em vacinar, apesar da disponibilidade de vacinas, ameaça reverter o progresso feito no combate a doenças evitáveis por vacinação". A OMS afirmou ainda que neste ano vai intensificar esforços para eliminar o câncer do colo de útero no mundo, aumentando a cobertura da vacina contra o HPV. Espera-se também que 2019 seja o ano em que a transmissão do vírus da poliomielite seja interrompida no Afeganistão e no Paquistão.
A queda nas taxas de vacinação já é visível. E a baixa cobertura contribui para a introdução de doenças já eliminadas no Brasil, como aconteceu com o sarampo, que voltou e virou surto. O Ministério da Saúde atribuiu o problema à queda da vacinação. A tríplice viral, que protege contra sarampo, rubéola e caxumba, encerrou o ano passado com taxa de vacinação de 90,5% do público-alvo, menos do que os 95% recomendados pelas autoridades de saúde. Não é o único caso. Segundo o Ministério da Saúde, todas as vacinas destinadas a crianças menores de 2 anos têm registrado queda desde 2011, com maior redução a partir de 2016. Um balanço mostra que, de oito vacinas obrigatórias para crianças no calendário nacional de imunizações, sete delas encerraram o ano passado com a taxa de cobertura abaixo da meta. Apenas a vacina BCG alcançou o nível desejado.
A única vacina que a dona de casa Sueli Maximiliano, de São Paulo, tomou foi justamente a BCG, quando criança. Na vida adulta, ela continuou sem imunizações. Aos 48 anos, disse desconfiar da composição das doses e rejeita campanhas de vacinação em massa. "Fui criada por minha avó, que não me vacinava. Depois que cresci, senti que não me fazia falta. Aí decidi continuar sem vacinas nem remédios", disse. Ela contou que vacinou a filha, hoje com 23 anos, só por insistência do marido. Mas afirmou que tem "a saúde melhor" do que a filha e que não vê necessidade de vacinas, pois nunca precisou de medicação nem internação. "Não gosto da ideia de o governo ditar algo e a população seguir em peso. Para mim, é uma forma de manipulação. E ter algo injetado no corpo é muito invasivo. Só não falo nem ensino isso para ninguém. É uma decisão pessoal", completou.
A ideia da imunização como questão individual de opinião está no centro do debate sobre a queda na vacinação no país. Quem não se vacina pode se manter saudável, dependendo do rumo que a vida tomar. Mas especialistas alertam que, se essa pessoa entrar em contato com o vírus e adoecer, pela falta de imunização, existe, além do risco pessoal, o perigo de contágio de outras pessoas que não tomaram a vacina por contraindicação. "Existe uma função coletiva da vacina que é proteger diretamente aquela pessoa que não foi vacinada porque não pode. É o caso de grávidas, bebês que ainda não alcançaram a idade indicada, pessoas imunodeprimidas, em tratamento contra o câncer etc. Quando a cobertura contra o vírus começa a cair em uma população, a proteção cai junto. Vacinar é também um pacto social", explicou a médica pediatra Carolina Barbieri, docente da Universidade Católica de Santos. A antropóloga Marcia Couto completou: "Embora a cultura da vacinação persista no país, ao longo do tempo acostumou-se a responsabilizar as famílias pela vacinação, ou assim parecia ser. É como se a vacinação fosse um ato individual, quando na verdade é um projeto de saúde pública".
Barbieri e Couto acompanharam famílias em São Paulo para entender como elas lidavam com as vacinas no contexto de cuidado dos filhos. A hesitação à vacina é visível principalmente nas famílias de centros urbanos e com renda e escolaridade médias e altas. "Se antes o problema das vacinas era a dificuldade de acesso, hoje é a falta de confiança. O primeiro fator citado entre as famílias que não vacinavam ou escolhiam as vacinas foi que não viam mais as doenças como na época dos pais ou avós. Mas destacavam os efeitos adversos da vacina. O caso de febre, de reação, aparecia mais", disse Barbieri. Os pais entrevistados na pesquisa também citaram desconfiança sobre a ação das vacinas no sistema imunológico das crianças. São frequentes as críticas a uma "medicalização" no cuidado infantil.
"Famílias com renda alta estão entre as que hesitam em vacinar os filhos, segundo uma pesquisa em São Paulo. Pode parecer contraditório, mas o sucesso de imunizações no passado diminuiu o medo de ficar doente"
A psicoterapeuta Mariah (ela prefere preservar a identidade), de 30 anos, mãe de um menino de 3 anos e meio, vacinou o filho apenas até os 2 meses, pois precisou fazer uma viagem internacional com ele recém-nascido. "Acredito que haja estudos científicos que, de fato, comprovem algumas vacinas como necessárias. Mas acredito que a grande maioria não tenha de ser aplicada. Algo que sempre me incomodou, ao perceber muitas crianças vacinadas a meu redor, era que elas estavam sempre gripadas ou desenvolvendo algum tipo de doença", contou. Mariah disse que assumiu essa postura "por feeling e observação". Explicou que criou uma rotina de cuidados para fortalecer o sistema imunológico do filho. "Não acredito na ausência de vacinação se a criança for criada de forma 'solta' e com a alimentação 'padrão'", afirmou. "Ele não se alimenta de laticínios com frequência, que provocam mucos e aumentam catarro e inflamações, nem carne, que exige energia demais do corpo para ser digerida, e invisto em orgânicos e produtos locais. Também me mudei para a praia, onde ele corre, toma sol todo dia, tem contato com a natureza, anda descalço e lida com diferentes ambientes e bactérias, que pouco a pouco fortalecem seu sistema." Ela contou ser bastante criticada por essa posição. "Até as vacinas que penso em dar eu evito falar, para não ter de lidar com as enfermeiras que fazem um escândalo se nego alguma vacina. Porém, olho para meu filho de 3 anos e meio e vejo uma criança saudável, inteligente e que nunca teve uma doença séria. O máximo que teve foi uma laringite em época de frio, mas que também acompanhou o câncer de laringe de meu pai e que entendi como psicossomática." Mariah admite que sua realidade é diferente da maioria das famílias. "Muitos não podem oferecer a alimentação e os cuidados que ofereço, então entendo que saúde é uma questão de consciência e informação, além de todas as medidas socioculturais e políticas que promovam o bem-estar integral da população", afirmou.
Não é simples explicar todos os motivos de resistências às vacinas. Se, há mais de 100 anos, na chamada Revolta da Vacina, centenas de pessoas protestaram nas ruas do Rio de Janeiro contra a lei que obrigava a imunização contra a varíola, em um projeto de saneamento liderado pelo então prefeito Pereira Passos e pelo sanitarista Oswaldo Cruz, hoje o movimento é puxado de maneira discreta. Veio por influência do exterior, de países como Estados Unidos e Itália, onde há grupos organizados contrários à vacinação. Em maio, em Sacramento, na Califórnia, várias mães protestaram contra uma lei que fecharia uma brecha que permitia a alguns pais evitar as exigências das vacinas, desde que tivessem um atestado de que suas crianças não poderiam ser vacinadas por questões médicas. O milionário Bernard Selz, gestor de um fundo de investimentos em Nova York, doou mais de US$ 3 milhões nos últimos anos para grupos que espalham a ideia de que as imunizações são perigosas. Nos EUA, não por coincidência, casos de sarampo voltaram a aumentar. Na Itália, o movimento ganhou aliados na política. Massimiliano Fedriga, político do partido Liga Norte, virou o maior porta-voz do movimento antivacina no país. Em março, porém, teve de se afastar de suas atividades. Pegou catapora.
Aqui, ocorre o novo e complexo "movimento de hesitação à vacina". Ele inclui pais que atrasam o início da vacinação acreditando que mais tarde o sistema imunológico dos filhos estará mais desenvolvido e preparado para receber as vacinas, pais que selecionam quais vacinas aplicar, aqueles que dão apenas uma das doses previstas no calendário nacional ou só uma vacina por vez e, finalmente, os pais que não dão vacina alguma. As justificativas são parecidas aqui e lá fora. Vão da ausência dos surtos do passado, que motivaram a vacinação, à desconfiança em relação à composição das doses e à rejeição às gigantes farmacêuticas, além de religiosidade, da divulgação de informações falsas no universo sem lei da internet e das redes sociais e da negação da ciência. Muitas das informações em que os pais se baseiam vêm do exterior, onde o movimento de resistência à vacina está mais consolidado. A expansão da internet facilitou a difusão. Por aqui, o debate acontece em grupos de redes sociais e também em canais como o YouTube, onde pessoas que se apresentam como médicos questionam a necessidade de algumas vacinas para crianças. A enxurrada de informações causa confusão entre as famílias, principalmente em um momento delicado como o da maternidade/paternidade.
Em julho, o deputado Diego Garcia (Podemos-PR), relator da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, foi contrário a um projeto de lei do deputado Luciano Ducci (PSB-PR) que propôs a obrigatoriedade de apresentação da carteirinha de vacinação de crianças de até 9 anos para a matrícula em escolas públicas e privadas. "Há pais que não imunizam seus filhos por convicções religiosas, outros por não acreditarem na eficácia da imunização, estes, inclusive, com respaldo de algumas correntes médicas, e outros ainda por causa das várias denúncias acerca de contaminação no processo de fabricação das vacinas e em sua má conservação, o que acarretaria sérios riscos para a saúde das crianças", afirmou Garcia na ocasião. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sancionado em 1990, estabelece que a vacinação das crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. O descumprimento pode acarretar desde infração administrativa, com multa de três a 20 salários mínimos, até detenção de dois meses a mais de dez anos. "A falta de vacinação pode ser qualificada como crime de maus-tratos", explicou Paulo Roberto Fadigas César, juiz titular da Vara da Infância e da Juventude de Penha de França, na Zona Leste de São Paulo. Geralmente, são as escolas e unidades básicas de saúde que comunicam o Conselho Tutelar e daí uma denúncia é encaminhada à Justiça. "A família pode ser intimada a vacinar a criança. A obrigatoriedade está prevista em lei. E a recusa pode levar, em alguns casos, à perda de guarda ou perda do poder familiar. Não são casos frequentes, mas podem acontecer, de acordo com a avaliação de cada caso", disse o juiz, que afirmou perceber um aumento de denúncias envolvendo a falta de vacinação.
A hesitação às vacinas tem um marco internacional: fevereiro de 1998, quando o médico britânico Andrew Wakefield apresentou uma pesquisa na qual afirmava que 12 crianças tinham desenvolvido comportamento autista e inflamação intestinal grave depois de serem vacinadas. Elas teriam, segundo ele, vestígios do vírus do sarampo no corpo. Wakefield levantou uma possível associação dos problemas com a vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, rubéola e caxumba e que havia sido aplicada em 12 crianças acompanhadas por ele. Wakefield escreveu que as vacinas poderiam causar os problemas gastrointestinais, que, por sua vez, levariam a uma inflamação no cérebro e, daí, talvez ao autismo. O estudo foi publicado na conceituada revista Lancet com grande repercussão, e os índices de vacinação despencaram no Reino Unido. Anos depois, Wakefield foi desmascarado e seu diploma foi cassado. Um médico que o auxiliou na pesquisa revelou que não havia encontrado o vírus do sarampo em nenhuma das 12 crianças estudadas, mas que Wakefield teria ignorado o fato para não comprometer a divulgação do estudo. Além disso, veio à tona que, antes da publicação na Lancet , Wakefield tinha registrado um pedido de patente para uma vacina contra sarampo, que seria concorrente da criticada por ele. Mesmo assim, as correntes antivacina existentes se fortaleceram, e o pânico se estendeu a outros países.
O movimento antivacina nos Estados Unidos recebe doações de milionários do setor financeiro de Nova York. 
Nos EUA, o alvo de desconfiança foi o timerosal, uma substância derivada do mercúrio e usada como conservante antibacteriano em frascos multidoses de vacinas. Há alguns anos, surgiram teorias que vinculavam o timerosal ao autismo, o que foi descartado tempos depois. A substância chegou a ser tirada da composição de vacinas em países da Europa e nos EUA, mas casos de autismo não deixaram de surgir por causa disso. No Brasil, a substância é usada nas vacinas em quantidade regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, nos frascos que contêm mais de uma dose. Autoridades de saúde afirmam que a dosagem é mínima e segura.
Outro ponto de debate sobre as vacinas é se elas estariam relacionadas ao desenvolvimento de alergias e doenças autoimunes. Pesquisas sobre o tema não comprovam relação direta entre elas. A ressalva para a vacinação é em caso de alergias já conhecidas. Pessoas com alergia comprovada a ovo, por exemplo, não são aconselhadas a tomar vacinas em que o vírus é replicado em ovos, como é o caso da imunização contra a gripe. Mas casos de uma nova alergia a partir de uma vacina não foram evidenciados pela ciência. Algumas vacinas podem, sim, causar reações como febre e, em casos raríssimos, reações graves, mas especialistas consideram que o benefício em termos de saúde pública é muito maior. "Cada país tem seu sistema de farmacovigilância. Em nosso caso, é a Anvisa. Todas as vacinas passam por um monitoramento rígido de qualidade, potência e efeitos adversos. Se há qualquer problema, o produto é interrompido. Foi assim com a vacina pentavalente, que monitoramos", afirmou o médico Júlio Croda, diretor do Departamento de Imunizações e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde. Em julho, cinco lotes da vacina pentavalente produzidos por uma empresa indiana foram proibidos pela Anvisa de circular devido a "resultados insatisfatórios no ensaio de aspecto". A agência afirmou, na época, ter encontrado problemas na análise que verifica cor, odor e características da embalagem de um produto. A importação e o uso dos lotes dessa empresa foram suspensos. "É um equívoco dizer que o controle de qualidade é burlado pelo sistema. Teorias de conspiração não têm justificativa. A vacina é a medida mais custo-efetiva na medicina. Previne adoecimento e óbito e é a prova de um Estado que garante o acesso universal da população à saúde", afirmou Croda. Essa é a mensagem que o movimento antivacina se nega a ouvir.
Elisa Martins 

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Farmacêutica deverá ressarcir estado por compra de remédio .

Do Jornal Folha de São Paulo

Justiça condenou laboratório acusado de induzir pacientes de estudo clínico a processar estado para receber a droga


Cláudia Collucci

A farmacêutica Sanofi Genzyme foi condenada pela Justiça de São Paulo a ressarcir o governo paulista por gastos com a compra de remédio destinado a crianças com doença genética.
O laboratório é acusado de, após obter o registro do medicamento no Brasil, dispensar pacientes que participaram de estudo clínico, induzindo-os, mesmo que indiretamente, a processar o estado para conseguir a nova droga.
O valor da ação está estimado R$ 150 milhões. A decisão de primeira instância é inédita no país, mas cabe recurso. Em nota, A Sanofi Genzyme informa que não foi notificada sobre essa decisão e que não comenta ações judiciais em andamento.
No Brasil, há resoluções que responsabilizam as farmacêuticas pelo fornecimento de remédios a pacientes sujeitos de suas pesquisas. Na Justiça, porém, o assunto é controverso porque não existe uma legislação específica. Em outras duas ações judiciais movidas pelo estado pela mesma razão, por exemplo, as decisões foram favoráveis às farmacêuticas.
A ação civil pública foi movida pela Fazenda Pública paulista contra o laboratório Genzyme (adquirido pela Sanofi em 2011) após uma investigação cruzar nomes de pacientes que participaram de testes clínicos com droga Aldurazyme (Laronidase) e descobrir que, logo após o término do estudo, eles se tomaram autores de ações judiciais contra o estado para obter o remédio.
A investigação foi feita pela Corregedoria- Geral da Administração, Advogacia-Geral da União e o Ministério da Saúde. Segundo a denúncia, o objetivo da pesquisa foi obter o registro do remédio na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). À época, ele estava aprovado nos Estados Unidos e na Europa.
A pesquisa envolveu nove crianças com mucopolissacaridose, doença genética que impede a produção normal de enzimas essenciais aos processos químicos vitais, comprometendo ossos, vias respiratórias, sistema cardiovascular e funções cognitivas.
O Aldurazyme é o único no mercado para tratamento da síndrome. O estudo foi conduzido pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Segundo o procurador do estado Luiz Duarte de Oliveira, mesmo antes do término dos estudos clínicos, em janeiro de 2006, representantes legais de sete das crianças envolvidas no estudo começaram a impetrar mandados de segurança contra o governo paulista, por meio de uma associação de pacientes, pedindo o remédio. Todas as decisões foram favoráveis às crianças.
"Ocorre que, no Brasil, os laboratórios têm obrigação de cuidar dos pacientes sujeitos de pesquisas clínicas, principalmente quando o resultado é benéfico. Isso implica dar continuidade ao tratamento até a cura ou o resto da vida deles" afirma Oliveira.
Resoluções do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional da Saúde entendem que é o dever do patrocinador de pesquisas clínicas continuar a fornecer o tratamento após o término dos estudos até quando houver indicação médica.
No termo de consentimento assinado pelos pacientes com a pesquisadora responsável pela pesquisa, a médica Ana Maria Martins, também estava assegurada a continuidade do tratamento. Durante o processo, o laboratório alegou que não existe dever legal de doação perpétua do medicamento aos participantes de estudos clínicos.
Hoje, o governo paulista fornece remédios a seis crianças (a sétima já morreu) e gasta por mês, com cada uma, de R$ 50 a R$ 70 mil. "É mais ou menos um carro Toyota por mês", compara o procurador.
Em sua decisão, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti determinou que o laboratório, além de ressarcir o estado, entregue, mensalmente, sem custos ou despesas, o medicamento às crianças. Também o condenou por danos morais coletivos.
De acordo com Luiz Oliveira, como o estado está obrigado por força da outra decisão judicial a fazer essa entrega até o fim da vida das crianças, a partir de agora a farmacêutica deverá repassar gratuitamente os remédios ao poder público para que ele os encaminhe aos pacientes.
Na sentença de 11 páginas, consta que pais das crianças foram orientados pela equipe médica que conduzia o estudo na Unifesp a processar o estado, por meio de uma associação de pacientes, com sede em Campinas (SP).
Em sua defesa, a farmacêutica Sanofi alegou que a ação era improcedente, uma vez que os estudos clínicos não tiveram qualquer relação com o registro da droga no Brasil. Afirmou ainda que os voluntários dos estudos ingressaram com ações judiciais voluntariamente, sem ingerência do laboratório, e que o fornecimento do medicamento sempre foi garantido.
No processo judicial, a mãe de uma das crianças que participaram do estudo clínico disse que a filha iniciou o tratamento em 2005 e seguiu até meados de 2006, quando saiu a liminar para obter o medicamento por meio do estado.
Ela afirmou que foi instruída a ingressar com a ação pela equipe da Unifesp.
"A médica comentou: 'Nós vamos ter um tratamento custeado pelo laboratório até um certo tempo, durante a pesquisa; depois de um certo tempo a gente tem que entrar com a liminar", disse em depoimento.
A advogada Maria Cecilia Mazzariol Volpe, da Associação dos Familiares Amigos e Portadores de Doenças Graves, ingressou com as ações. Em nenhum momento é citado que as crianças participaram de testes clínicos.
"Omissão, no mínimo, dolosa, uma vez que a própria médica que desenvolveu as pesquisas também prescreveu as receitas que fundamentaram as demandas", diz a juíza em trecho da sentença.
Ela afirma ainda que não é possível imputar diretamente à farmacêutica a responsabilidade pelos pacientes terem processado o estado, mas reforça que isso ocorreu por meio de orientação dada pela médica responsável pela pesquisa, que firmou contrato do estudo com o laboratório.
"Porém, a sua responsabilidade pela manutenção do fornecimento do medicamento, após o término dos estudos clínicos, é inconteste. A ré descumpriu os preceitos éticos e desrespeitou o princípio da dignidade da pessoa humana", afirmou ela.
Procurada na segunda-feira (12) por meio de mensagem de celular e da assessoria de imprensa da Unifesp, a médica Ana Maria Martins disse na terça (13) que estava em evento científico fora do país e, por isso, indisponível para avaliar o assunto.
A advogada Maria Cecília Mazzariol Volpe foi procurada por e-mail e por telefone na associação que dirige em Campinas. Segunda a atendente, ela estava ciente do assunto, mas não retornou o contato.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Conselho Nacional de Saúde recomenda veto e ampliação do debate sobre a MP881.



Tramita no Congresso Nacional a Medida Provisória 881/2019, conhecida como MP da Liberdade Econômica. A MP  visava simplificar as regras para empresas caracterizadas como "de baixo risco", desregulamentando a atividade econômica sob o argumento da “desburocratização”, alterando artigos do Código de Defesa do Consumidor e outras legislações que protegem a sociedade dos abusos do poder econômico. 

A Federação Nacional dos Farmacêuticos divulgou, em seu site, que: "De 18 artigos originalmente propostos, a matéria passa a ter 81, na versão preliminar do texto do deputado Jerônimo Goergen...o parecer diz que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica a fundos de investimento, altera regras de emissão de debêntures e elimina dois sistemas de informações pedidas a empresas: o E-Social e o chamado "bloco K", que são dados de produção e estoque, entre outros”. A FENAFAR diz ainda que na MP houve: “ a inclusão de dispositivo que altera a lei 13.021/2014, acabando com a presença obrigatório de farmacêuticos em farmácias e drogarias. Inclui, também, a permissão de venda de medicamentos sem prescrição médica em supermercados”.

Ou seja, mais uma vez a sociedade se encontra ameaçada, com a flexibilização da presença de farmacêuticos nas farmácias e drogarias, venda de medicamentos em supermercados (mais um projeto falando disso), e também com algo mais agressivo: a MP, conforme manifestado também divulgado pela FENAFAR, “Pleiteia restringir a ação fiscalizadora dos conselhos profissionais. Juntamente com a vigilância sanitária, os conselhos profissionais da área da saúde têm a importante missão de zelar pela saúde pública, impedindo a atuação de profissionais não habilitados para exercício das profissões e impedindo que os estabelecimentos de saúde atuem fora das normas sanitárias que existem justamente para garantir a segurança dos serviços e produtos de saúde oferecidos a toda a população”.

Os profissionais farmacêuticos, e os movimentos organizados, precisam se mobilizar. A MP está pautada para ser votada nesta quinta-feira, dia 11/07, depois de ter sido tirada de pauta nesta terça (09/07).

O Conselho Nacional de Saúde, em sua 319ª Reunião Ordinária, ocorridas nos dias 04 e 05 de julho,  aprovou a Recomendação 032/2019, solicitando ao Congresso Nacional:

1. Que não aprove a MP nº 881 e respectivas emendas que ferem a dignidade humana e desconsideram o direito à saúde, a assistência farmacêutica e os papéis dos órgãos fiscalizadores; e

 2. Que realize audiência pública para amplo debate democrático dos temas abordados pela MP 881/209.

Leia íntegra da Recomendação:

RECOMENDAÇÃO Nº 032, DE 05 DE JULHO DE 2019.
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Décima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias 04 e 05 de julho de 2019, e no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, da legislação brasileira correlata; e
Considerando a Medida Provisória nº 881, de 30 de abril de 2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, entre outras providências;
Considerando que a liberdade econômica não pode se sobrepor ao direito constitucional à saúde garantido a todo cidadão e a toda cidadã deste país desde a promulgação da Constituição Federal de 1988;
Considerando o que estabelece a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde), no seu Art. 6º, em que há expressa previsão da execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
Considerando que a Lei nº 8.080/1990 define a vigilância como o conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos e problemas decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e serviços de interesse da saúde; 
Considerando que a Lei nº 3.820, de 11 de novembro de 1960, cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Farmácia, e dá outras Providências;
Considerando que a farmácia é um estabelecimento de saúde e o local adequado para a comercialização de medicamentos, conforme disposto pela Lei nº 13.021, de 8 de agosto de 2014;  
Considerando que a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que o uso responsável de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) deve ser feito de forma segura e segundo orientação de profissional habilitado, devendo seu controle e fiscalização se dar no âmbito dos órgãos Reguladores;
Considerando que para a OMS o uso racional de medicamentos se dá quando pacientes recebem os medicamentos apropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado;
Considerando que o Estado, de acordo com a Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, deve, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), controlar a qualidade, segurança e eficácia de produtos e serviços;
Considerando que as ações de Vigilância Sanitária (VISA) devem promover e proteger a saúde da população e serem capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção, da circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde; 
Considerando que o controle e fiscalização do acesso a medicamentos necessitam de regulação, de acordo com Política Nacional de Regulação do SUS;
Considerando que o medicamento é o instrumento do fazer do farmacêutico voltado para atender as necessidades das pessoas e que este é o último profissional da saúde a entrar em contato com o usuário no momento da distribuição do medicamento;
Considerando que a saúde não é mercadoria e que o acesso a medicamentos é um direito constitucional previsto no Art. 196 da Constituição Federal de 1988;
Considerando que os conselhos profissionais são autarquias com o dever de proteger a sociedade, e para tanto precisam ter a autonomia para fiscalização, conforme definido nos seus planos de fiscalização; e
Considerando que o Conselho Nacional de Saúde prima pela defesa da saúde como direito e respeito à vida com qualidade e dignidade.

Recomenda
Ao Congresso Nacional:
1.             Que não aprove a MP nº 881 e respectivas emendas que ferem a dignidade humana e desconsideram o direito à saúde, a assistência farmacêutica e os papéis dos órgãos fiscalizadores; e
2.             Que realize audiência pública para amplo debate democrático dos temas abordados pela MP 881/2019.


Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Trecentésima Décima Nona Reunião Ordinária, realizada nos dias 04 e 05 de julho de 2019.

Fonte: