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sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Sistema de saúde para todos é 'sonho' e seus defensores são 'ideólogos, não técnicos', diz ministro da Saúde

Publicado na BBC Brasil – Por Mariana Schreiber
11/11/2016 16h09

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse em entrevista à BBC Brasil que pesquisadores que defendem um sistema universal de saúde - ou seja, que atenda todos os segmentos da população - "não são técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o assunto como se não existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho".
A declaração foi dada após ser ele questionado sobre a opinião do professor da UFBA Jairnilson Paim (autor do livro "O que é o SUS"), para quem um sistema que atende menos pessoas tende a ser pior.
O ministro ressaltou que o governo está com saldo negativo nas contas - e que essa crise se deve a decisões do governo anterior.
"Falar que tem que pôr mais gente demandando, sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. (…) O SUS é tudo para todos, ou tudo que está disponível no SUS para todos?", questionou também.
No momento, sua pasta elabora uma proposta de "planos de saúde acessíveis", com cobertura de atendimento reduzida, para o público de menor renda. O objetivo é que essas pessoas façam consultas e tratamentos no sistema privado, desafogando o SUS (Sistema Único de Saúde).
Há um grupo de trabalho dentro do ministério, que inclui representantes da indústria de planos de saúde, elaborando um novo produto a ser disponibilizados pelas operadoras. Contrária à proposta, a Proteste, uma associação de defesa do consumidor, pediu para participar e está acompanhando a discussão.
Associações médicas também têm se oposto à ideia. Para os críticos, a medida vai contra a tendência dos últimos anos, de ampliar as exigências mínimas de tratamentos oferecidos pelos planos, com objetivo de melhorar o serviço.
Questionado também sobre críticas de alguns economistas à PEC do teto dos gastos públicos, que poderia potencialmente tirar recursos da saúde, o ministro voltou a minimizar a importância dos estudiosos.
A proposta de emenda constitucional, que deve ser aprovada pelo Congresso em dezembro, limita por vinte anos o crescimento das despesas do governo à inflação.
"Vou escrever um livro: 'Eu e os especialistas'. Como tem especialista para tudo, né? Pode escrever qualquer tese maluca que não se sustenta. Não dá para trabalhar nesse nível de conversa", disse.
"Não tem redução de recursos de saúde com a PEC. Isso não existe", afirmou também, ressaltando que o teto proposto é para o conjunto de gastos e outras despesas poderão ser reduzidas para que o orçamento de sua pasta seja aumentado.
Barros, eleito deputado federal pelo PP em 2014, teve como maior doador individual de sua campanha o empresário Elon Gomes de Almeida, presidente da Aliança, administradora de planos de saúde, com uma contribuição de R$ 100 mil.
À BBC Brasil, a assessoria do ministério ressaltou que essa doação representa somente 3,1% do total gasto pela campanha de Barros (R$ 3,1 milhões). O órgão disse também que "continuará trabalhando na melhoria da atuação dos planos de saúde, por meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar, e que a atuação da gestão independe de relação partidária, jurídica ou pessoal".
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Pedro Ladeira/Folhapress

 BBC Brasil - Como está a discussão do grupo de trabalho sobre os planos acessíveis? Que proposta está se desenhando?
Ricardo Barros - Isso é com o secretário Francisco (Figueiredo, da Secretaria de Atenção à Saúde do ministério).
BBC Brasil - Mas o senhor não está acompanhando, sendo informado? O que poderia sair desse programa?
Barros - Parece que duas propostas foram apresentadas ao grupo de trabalho. O grupo foi prorrogado (de 60 dias para 120 dias), e eles estão caminhando para uma solução de oferta de um novo produto de mercado.
BBC Brasil - E qual a previsão de quando isso possa sair?
Barros - Isso é com o Francisco.
[Após a entrevista, a assessoria do ministério informou que o grupo de trabalho está "em fase de discussão" e que "o produto final das atividades será consolidado e encaminhado à ANS", agência que regula a indústria de planos de saúde. A ANS "avaliará a pertinência do projeto e sua possível implementação", diz ainda o ministério. O grupo deve concluir os trabalhos no início de dezembro.]
BBC Brasil - Ainda sobre essa questão, existem alguns estudiosos do setor de saúde, como um professor da UFBA que a BBC Brasil entrevistou recentemente (Jairnilson Paim), que afirmam que quanto mais universal for o SUS, quanto mais gente estiver nesse sistema, melhor ele tende a ser, pois é mais gente vocalizando, demandando. Essa proposta (de mais planos de saúde) não vai contra isso? Não tende a enfraquecer o SUS?
Barros - Você tem que conversar com o contribuinte. Se tiver gente disposta a contribuir para que todos demandem o SUS, eu também concordo. Então falar que tem que pôr mais gente demandando, sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. Ele está falando de uma ideologia, do pensamento, do sonho, e não está falando da realidade. Não são técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o assunto como se não existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho. Não é um sonho, nós temos que administrar uma realidade aqui.
BBC Brasil - Um estudo do Ipea feito com a Receita Federal mostra que a perda de receita com desconto no Imposto de Renda de gastos com planos de saúde, tanto para pessoa física como jurídica, chegou a R$ 10,5 bilhões em 2013. Por que seria correto subsidiar um produto privado em vez de investir no sistema público?
Barros - A leitura para nós disso é (que esses recursos são) dinheiro carimbado para a saúde. Toda essa (perda de) arrecadação é vinculada diretamente à saúde. Se não for, recolhe aos cofres do Tesouro, 25% (arrecadação com IR tem que ser repassado) para Estados, 25% para municípios, aí (a outra metade) entra (na divisão prevista) nos vínculos constitucionais, educação, etc.
Vai sobrar para saúde um pedacinho desse tamanho.
Por isso que eu falei: para de sonho, gente. A realidade é diferente do sonho. É fácil falar.
BBC Brasil - Esse valor (subsídios para planos de saúde) é basicamente para as pessoas de renda mais alta, pois é elas que fazem esses gastos e conseguem descontar (do Imposto de Renda). Então não é um recurso que poderia estar sendo recolhido e investido em serviços para os mais pobres?
Barros - Não, 55% do financiamento da saúde brasileira é privado, 45% é público. As entidades filantrópicas, que atendem mais de 50% dos atendimentos do SUS, se equilibram economicamente atendendo 60% do SUS e 40% convênio. E deixam de pagar os impostos.
Evidentemente, os recursos que sustentam os convênios fazem parte do equilíbrio econômico do sistema como um todo. Não há nenhum prejuízo nesse incentivo que as pessoas utilizem recursos na saúde e possam descontar, porque a pessoa que paga imposto e desconta esse recurso tem direito ao SUS também.
Então, em vez de a gente atender no SUS, nós estamos permitindo que ele faça o atendimento e desconte no imposto, desde que declarado tudo devidamente.
É um modelo que está estabelecido há muitos anos. Tem gente que defende que filantrópica não deveria deixar de pagar imposto, é uma ideia. Se ela ficasse em pé, seria ótima.
Mas se nós fizermos isso, nós desestruturamos 50% do atendimento dos brasileiros que estão nas filantrópicas. Então, a matemática deve ser feita com a visão geral do sistema. Essas críticas pontuais, inconsistentes e impensadas, elas não ajudam o sistema.
BBC Brasil - Parece haver um impasse: existe resistência aos impostos, até um certo tabu que impede uma discussão mais racional, mas também existe uma demanda muito forte por saúde pública, por um SUS forte. Então como a gente sai desse impasse? É um tabu discutir mais recursos para saúde?
Barros - Não é um tabu. O Congresso apresentou agora R$ 18 bilhões em emendas parlamentares (recursos da União que os deputados e senadores podem investir de acordo com suas prioridades, normalmente em suas bases eleitorais) para a saúde.
Não tem tabu nenhum. Todo mundo quer botar mais recurso para a saúde.
BBC Brasil - Mas na prática a PEC do teto dos gastos (que prevê que as despesas não podem crescer mais que a inflação) vai reduzir recursos para saúde, no sentido de que a população está envelhecendo e vai haver mais demanda por serviços de saúde.
Barros - Não vai haver redução de recurso para a saúde. Desculpa, querida, não é verdade.
BBC Brasil - Não estou dizendo que vai em termos de quanto é investido hoje, mas de que a demanda tende a crescer e o orçamento não vai crescer no mesmo nível.
Barros - É um problema que acontece em qualquer (país)… não tem nada a ver com a PEC, tem? O que a PEC tem com o envelhecimento das pessoas, gente? Nada, isso é uma realidade estabelecida.
Desculpa, mas eu não tenho muita paciência para esse ideologismo inconsequente. Isso é uma bobagem. O envelhecimento das pessoas vai acontecer de qualquer jeito. A PEC não tem nada a ver com isso.
A PEC garante que há um limite para o conjunto dos gastos públicos. No conjunto dos gastos, a Previdência vai gastar mais do que a inflação (crescer mais que a inflação). A saúde e a Previdência vão ter seus recursos mantidos ou ampliados e as outras áreas de governo vão ter que compensar com redução, para compensar o teto.
Não tem redução de recursos de saúde com a PEC. Isso não existe.
BBC Brasil - Tem uma questão da PEC que é a seguinte: a expectativa é que haverá uma recuperação da economia, o que vai aumentar a arrecadação do governo, porém esses recursos, por causa do teto, lá na frente vão ser exageradamente destinados ao superavit primário (economia para pagar juros da dívida). Existem inclusive economistas liberais que fazem essa crítica, como o Felipe Salto e a Monica de Bolle.
Barros - E para que serve o superavit primário?
BBC Brasil - Para pagar a dívida publica. Ela é mais importante que a saúde?
Barros - Não, mas não precisa pagar a dívida, então? Nós não vamos pagar a dívida nunca?
BBC Brasil - Não, é questão de volume. A crítica deles é que haverá um volume muito grande destinado ao superavit primário.
Barros - Nós estamos há quatro anos fazendo um deficit primário (na verdade desde 2014, mas a previsão é de novos rombos em 2016 e 2017), não pagamos um centavo nem do juro da dívida. E aí?
BBC Brasil - A União está rolando a dívida. Estamos contraindo mais dívida, não estamos deixando de pagar juros.
Barros - Estamos endividando nossas futuras gerações. E aí? As futuras gerações querem ser endividadas ou não? Qual é a contestação à tese do equilíbrio fiscal, não é bom o equilíbrio fiscal?
BBC Brasil - Não estou dizendo que é ruim, estou dizendo que economistas liberais…
Barros - Vou escrever um livro: "Eu e os especialistas". Como tem especialista para tudo, né? Pode escrever qualquer tese maluca que não se sustenta, não se sustenta. Não dá para trabalhar nesse nível de conversa.
Nós temos que equilibrar o país, pôr as contas em dia, pagar nossa dívida e seguir a vida. Eu não posso discutir uma tese que "olha, nunca mais vamos pagar a dívida, vamos continuar fazendo deficit porque eu preciso gastar, então eu gasto, pronto".
BBC Brasil - Não foi isso que eu disse, ministro.
Barros - Eu estou discutindo isso agora no Supremo (Tribunal Federal) com a judicialização (recursos judiciais para obrigar o governo a prestar atendimentos ou fornecer remédios): o SUS é tudo para todos, ou tudo que está disponível no SUS para todos? É isso que o Supremo vai decidir.
BBC Brasil - Eu só quero registrar que eu não disse que não vai ser pago juros da dívida. Eu disse que esses economistas falam que vai ter um excesso, um valor além do necessário para regularizar (estabilizar em um nível considerado sustentável) a relação entre dívida e PIB. Esse é o indicador mais usado, nenhum governo quer pagar a dívida 100%.
Barros - Tomara que esse dia chegue, que tenha excesso de arrecadação. E acontecendo isso, querida, a PEC do teto vai cair, obviamente, porque é um outro momento.
Nós estamos fazendo isso hoje (fixar um teto para os gastos) porque a nossa realidade hoje nos impõe fazer isso. Se essa realidade mudar, evidentemente…
BBC Brasil - O senhor acredita que, nesse caso, haveria uma coalizão política para reverter isso (aprovar uma nova PEC, derrubando o teto)?
Barros - Claro, agora (nessa situação futura de aumento de arrecadação) o país está de outra forma, nós podemos alterar essa regra que foi estabelecida num momento em que era necessário.
Não é possível trabalhar nessas teses malucas de que o que é feito num momento de crise não serve para o momento de bonança. Claro que não serve. Não preciso fazer tese para descobrir isso.
Como nós estávamos num momento mais favorável (em anos anteriores) e o governo acabou tomando algumas decisões que levaram a essa crise, pode ser que lá na frente se decida abrir a possibilidade dos gastos.

Tem dinheiro para gastar? Vamos gastar. Tomara que tenha. Eu torço muito para que tenha, e bastante.

Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37932736

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Farmacêutica diz: "PEC 241 é contra o Brasil"

Título original: PEC 241 é contra o Brasil, por *Vanessa Graziotin
Publicado na Folha de SP - 11/10/2016


Ao promulgar a Constituição Cidadã de 1988, Ulysses Guimarães destacou os avanços ali contidos, sobretudo nos direitos sociais, sublinhando que o Brasil era o "quinto país a implantar o instituto moderno da seguridade, com a integração de ações relativas à saúde, à previdência e à assistência social".
Dr. Ulysses, orgulhoso, apelou para que, no futuro, não houvesse outra Assembleia Nacional Constituinte que colocasse em risco essas conquistas. Passados 28 anos, estamos prestes a ver o desmonte completo desses direitos a partir da PEC 241, patrocinada pelo seu correligionário Michel Temer (PMDB), que congela os gastos públicos por 20 anos, tanto em infraestrutura quanto na área social.
Assim, saúde, educação, assistência social, ciência e tecnologia, esporte, habitação, saneamento, segurança, cultura, agricultura, indústria, meio ambiente, turismo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, bem como a política de aumento real do salário mínimo e programas como Bolsa Família, Luz para Todos, Mais Médicos, etc. estarão comprometidos e mesmo inviabilizados.
Esse novo regime fiscal, se aprovado, destruirá as bases do modelo de cidadania alcançado em 1988. Não por acaso, a PGR e o próprio STJ se manifestaram contra a proposta por ser inconstitucional.
E nem poderia ser diferente, na medida em que nasce de um governo ilegítimo, fruto de um "tropeço da democracia", que pretende definir uma política de Estado para os próximos 20 anos.
Estudo da consultoria do Senado, projetando o impacto dessa PEC em saúde e educação de 2015 até 2018, revela números estarrecedores: uma redução de R$ 255,5 bilhões na educação e de R$ 168,2 bilhões na saúde.
E para piorar a situação, as despesas desses setores perderiam seus critérios de proteção com a inversão da lógica constitucional, ou seja, onde há obrigação de gastos mínimos haveria um teto.
Para aprovar a "PEC da Maldade" o "governo" Temer está recorrendo a qualquer expediente, incluindo publicidade farta e enganosa à custa do escasso erário. A pressa de Temer e seus aliados nessa matéria é de natureza ideológica.
Visa reduzir as despesas públicas em investimentos e programas sociais para assegurar a rentabilidade dos especuladores, que, apenas em 2015, embolsaram R$ 501,8 bilhões de juros da dívida, enquanto a despesa com benefícios previdenciários foi de R$ 436,1 bilhões.
Privilegia-se assim o capital rentista em detrimento dos serviços públicos prestados à sociedade.
Se o que está ameaçado são os serviços públicos, direitos dos mais pobres, dos trabalhadores e a nossa Constituição Cidadã, quem vota a favor da PEC 241 vota contra o Brasil!
*Vanessa Graziotin é senadora pelo PC do B do Amazonas. Escreve às terças-feiras no Jornal Folha de São Paulo.
Fonte: https://www.portalaz.com.br/blog/blog-do-murilo/381782/pec-241-e-contra-o-brasil-por-vanessa-graziotin

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

FIOCRUZ: "A PEC 241 e os impactos sobre os direitos sociais, a saúde e a vida"

Instância colegiada que reúne a Presidência e as diretorias das unidades da Fundação Oswaldo Cruz, o Conselho Deliberativo (CD) da Fiocruz torna pública a carta aberta A PEC 241 e os impactos sobre os direitos sociais, a saúde e a vida. O documento alerta a sociedade, o governo federal e o Congresso Nacional sobre os efeitos negativos da Proposta de Emenda à Constituição 241/2016, assim como os de outros projetos em curso no Legislativo, que “conformam um projeto de revisão dos preceitos constitucionais de garantia do direito universal à saúde e desenvolvimento da cidadania, implicariam em danos significativos à saúde e à vida das pessoas”.
A carta foi aprovada depois de reunião aberta do CD Fiocruz (30/10), que reuniu em uma mesa-redonda o presidente da Associação Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde (Ampasa), Gilmar de Assis; o diretor-científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima Silva; dois representantes do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Wanderley Gomes da Silva e André Luiz de Oliveira; e o coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fundação, Antonio Ivo de Carvalho; e o presidente Paulo Gadelha.
Leia na íntegra a carta do Conselho Deliberativo da Fiocruz: 
"A PEC 241 e os impactos sobre os direitos sociais, a saúde e a vida
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição estratégica do Estado para a ciência e a tecnologia em saúde, dirige-se, por resolução de seu Conselho Deliberativo, ao conjunto da sociedade brasileira e, em especial, ao Governo Federal e o Congresso Nacional para alertar sobre os efeitos negativos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, assim como os de outros projetos legislativos em curso, que conformam um projeto de revisão dos preceitos constitucionais de garantia do direito universal à saúde e o desenvolvimento da cidadania e que, se aprovados, implicariam danos significativos à saúde e à vida das pessoas.
A proposição da PEC 241, em particular, parte do pressuposto de que os atuais problemas econômicos são decorrentes do excesso de gastos públicos com a sociedade. Com esse diagnóstico, cria-se um clima alarmista que justificaria a contenção de programas sociais e iniciativas redistributivas das últimas décadas, responsáveis pela redução, ainda que limitada, da enorme desigualdade social que a sociedade brasileira ainda enfrenta.
O envio ao Congresso Nacional da PEC 241/2016, instituindo o chamado Novo Regime Fiscal, representa e consolida a tese de que a forma exclusiva de enfrentar a crise fiscal é o corte de gastos sociais e, portanto, a restrição de direitos, mantendo ao mesmo tempo intocado o questionamento sobre a dívida pública e seu regime de juros que representam, estes sim, a razão maior do comprometimento do orçamento da União.
Através dos artigos 101 a 105 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, proposto pela PEC 241, cria-se um teto orçamentário definido pela inflação do período, que retira a progressividade dos direitos sociais e a autonomia da sociedade brasileira e do Congresso Nacional de ajustar o gasto público às dimensões de suas prioridades e estratégias de desenvolvimento econômico e social, ferindo o ordenamento da Constituição de 1988.
A PEC 241 prevê, que durante os próximos 20 anos, o orçamento seja acrescido apenas da variação inflacionária (INPC) sobre o valor de 2016. Considerando a prática corrente, que transforma os pisos fixados em lei para despesas de saúde e educação em tetos, isso significa que mesmo que a receita e o PIB cresçam acima da inflação, não haverá aumento de recursos para essas áreas.
Importante destacar recente simulação elaborada por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para o caso da saúde, comparando com o que previa anteriormente a EC29 (executado no ano anterior + variação do PIB), ou a progressividade de percentuais sobre a Receita Corrente Líquida ( RCL), vigente a partir deste ano: a) caso essa PEC houvesse sido aplicada a partir de 2003, até o ano de 2015 teria havido uma perda de 42,1% dos recursos efetivamente aplicados no período, correspondendo a uma subtração equivalente a 257 bilhões de reais; b) sendo implementada a partir de 2017 e considerando 20 anos à frente, apontam perdas entre 654 bilhões e 1 trilhão de reais, dependendo do comportamento das variáveis PIB e RCL.
Hoje a literatura e as experiências internacionais apresentam evidências do fracasso das medidas de restrição de gasto público ou austeridade fiscal como estratégia de enfrentamento da crise e retomada do crescimento. Pelo contrário, cada vez mais são conhecidas experiências em que o reforço dos sistemas de proteção social gera maior rapidez na superação da crise, na retomada do crescimento e no combate ao desemprego.
Além disso, no caso do Brasil, tudo se passa como se o gasto realizado no setor saúde tivesse um efeito negativo na economia, elidindo para além de seu papel essencial de bem-estar da população, sua importância como complexo produtivo na formação do PIB. O efeito multiplicador do gasto em saúde é conhecido. Para cada R$ 1,00 gasto em saúde, verifica-se um incremento de R$ 1,70 no PIB. A educação e a saúde juntos têm efeitos multiplicadores fiscais superiores a três vezes.
No conhecido quadro de subfinanciamento do setor saúde, em que os gastos totais atingiram, em 2013, 8% do PIB, sendo apenas 45% de origem pública, ao contrário de outros países com sistemas universais em que essa parcela chega a 70%, o congelamento - na verdade continuado decréscimo - dos gastos em saúde, caso aprovada a PEC 241, levará a uma redução das ações atuais e à impossibilidade de atender novas demandas com impactos calamitosos.
O aumento populacional no Brasil e a alteração do perfil demográfico e epidemiológico, com predominância crescente da população idosa. A população idosa dobrará nas próximas duas décadas, atingindo em 2035 perto de 35 milhões de brasileiros (15,5 % da população). Nesse novo contexto, passam a predominar as doenças crônico-degenerativas, com a presença de cânceres, distúrbios cardiocerebrovasculares e transtornos cognitivos demandando assistência e cuidados prolongados. Inevitável, neste quadro, a elevação dos custos dos serviços, seja com a ampliação do tempo de internação e a adoção de tecnologias mais sofisticadas, seja pelas alterações de organização da rede assistencial, além da mobilização simultânea de múltiplas especialidades médicas e da expansão de serviços sociais e de apoio comunitário.
Estima-se que essa nova realidade, mesmo mantido o atual padrão tecnológico e o rol de serviços, já importará nos próximos 20 anos, ao contrário de congelamento, num necessário incremento de 37% nos gastos com atenção à saúde (fonte: Saúde Amanhã).
Os ganhos obtidos na diminuição da mortalidade infantil, decorrentes da expansão da iniciativa Saúde da Família, com o aumento da cobertura dos procedimentos de proteção à infância, além do êxito internacionalmente conhecido do Programa Nacional de Imunização, certamente serão contidos com limitações na incorporação de novas vacinas e, mesmo, na produção e distribuição das já existentes. A mesma consequência se dará quanto à limitação para incorporação de novos tratamentos, serviços de saúde e todo um conjunto de ações fundamentais para expansão e continuada modernização do Sistema Único de Saúde (SUS), ocasionando a sua degradação, perda de qualidade e cada vez mais restrições ao acesso da população. Uma verdadeira afronta às necessidades da sociedade!
Dentre tantos campos de atuação SUS, a recente expansão no acesso à assistência médica a dezenas de milhões de pessoas de áreas carentes, num esforço nacional sem precedentes, será contida. O controle da Aids; os transplantes; o acesso a medicamentos gratuitos e/ou fortemente subsidiados; a atenção materna; as clínicas de família; o acesso a exames e serviços hospitalares, serão reduzidos. 
Acrescente-se as restrições que serão impostas às ações de vigilância em saúde, elevando a exposição e risco das pessoas a doenças e ambientes inseguros. Cabe assim a pergunta: como assegurar controle de epidemias como zika, dengue e chikungunya, incluindo pesquisas, assistência, controle de vetores, medicamentos e vacinas necessárias, com congelamento de recursos? Em especial, o impacto sobre as pesquisas, fundamentais para novos produtos e novas soluções que já são subfinanciadas em nosso país, terá dimensão incalculável, comprometendo no longo prazo a capacidade de resposta e autonomia nacional.
Diante das proposições contidas na PEC 241, a Fiocruz, com sua centenária experiência em pesquisas e serviços para a melhoria da saúde pública no país, pode assegurar que os riscos e danos à saúde e à condição de vida das pessoas são inevitáveis.
Frente a tais riscos aos direitos sociais e à saúde humana, a Fiocruz se soma às instituições públicas e da sociedade civil e apresenta-se para o debate sobre alternativas de estratégias de enfrentamento da crise e dos desafios da saúde, em especial no delineamento de medidas capazes de apontar um caminho de desenvolvimento sustentável e equitativo para o país.  
Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2016.

Fonte: http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/fiocruz-divulga-carta-pec-241-e-os-impactos-sobre-direitos-sociais-saude-e-vida

Muitos são contrários à PEC 241 e defendem o SUS!


Está pronta para ser votada a PEC 241, que acaba com a vinculação de recursos para a saúde e estabelece limites de gastos para o setor. Chamada por alguns de "PEC da morte", esse projeto de emenda constitucional impacta diretamente na vida de todo cidadão. Sem sobre de dúvidas muitos não sabem dela e acabam por ignorá-la por achar que as posição contrárias são apenas discursos oposicionistas ao executivo. 

E você? Sabe algo sobre ela? Bom, esse humilde blog tem falado sobre isso no último período. Clique aqui e veja tudo o que foi publicado sobre o tema neste espaço.

Além disso, buscando contribuir um pouco mais, segue abaixo um conjunto de entidades que estão se manifestado contrariamente à PEC. Atente-se que estão longe do debate de ser a favor ou contra o governo, mas sim de quem estão a favor ou contra a saúde da população, afinal, não aceitamos nenhum retrocesso, nenhum direito a menos e o que está em jogo é o fim de um patrimônio do povo brasileiro: o SUS!

* Ordem dos Advogados do Brasil - OAB: "OAB é contrária à PEC que limita gastos com saúde e educação" http://www.oabrj.org.br/noticia/100169-oab-e-contraria-a-pec-que-limita-gastos-com-saude-e-educacao

* Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB: "Uma PEC devastadora e brutal, a 241" - http://cebes.org.br/2016/07/cnbb-uma-pec-devastadora-e-brutal-a-241/

* Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC: "PEC 241 é uma bomba contra os direitos constitucionais da população brasileira" - http://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2016/julho/pec-241-e-uma-bomba-contra-os-direitos-constitucionais-da-populacao-brasileira

* Centro Brasileiro de Estudos da Saúde - CEBES: "PEC 241/16: Uma afronta à saúde, aos direitos sociais e à Constituição" - http://cebes.org.br/2016/07/pec-24116-uma-afronta-a-saude-aos-direitos-sociais-e-a-constituicao/

Sindicato dos Assistentes Sociais do Estado do Rio de Janeiro - SASERJ: "Não a PEC 241" - http://www.saserj.org.br/noticia.php?id=122

* Federação Goiana de Municípios - FGM: "ALERTA: PEC 241/ 2016 retira direitos da sociedade brasileira na educação" - http://fgm-go.org.br/alerta-pec-241-2016-retira-direitos-da-sociedade-brasileira-na-educacao/

Conselho Municipal de Assistência Social de São Paulo – COMAS/SP: "NOTA PÚBLICA DO COMAS/SP CONTRÁRIA A PEC 241/2016" - http://www.sitraemfa.org.br/assistencia-social/781-nota-publica-do-comassp-contraria-a-pec-2412016-.html

Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior - ANDES-SN: "PEC 241/16 congela gastos públicos por 20 anos para pagar dívida pública" - http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=8190

 Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco: "Contra a PEC 241, em defesa do SUS, dos direitos sociais e da democracia" - http://www.conasems.org.br/servicos/todas-noticias/45-ultimas/4862-abrasco-contra-a-pec-241-em-defesa-do-sus-dos-direitos-sociais-e-da-democracia

* Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde - CONASEMS: "Conasems e Conass lançam nota conjunta sobre relatório da PEC 241" - http://www.conasems.org.br/servicos/todas-noticias/45-ultimas/4860-conasems-e-conass-lancam-nota-conjunta-sobre-relatorio-da-pec-241

Muitas outras entidades se manifestaram contra essa proposta de emenda constitucional. Aqui estão algumas opiniões...forme a sua e venha para a luta!

Carta Aberta Abrasco – Contra a PEC 241, em defesa do SUS, dos direitos sociais e da democracia


A Abrasco reafirma publicamente seu compromisso com a democracia, o que implica em lutar por reformar a gestão pública para restringir as possibilidades de corrupção e de clientelismo.

O Governo Temer é ilegítimo. Primeiro, porque não é produto do jogo político democrático e, sim, de um golpe parlamentar; e, segundo, porque vem impondo ao país um programa que ameaça a democracia, os direitos humanos e as políticas sociais. O novo governo assumiu o poder assentado em uma coligação midiático-parlamentar, aproveitando-se da debilidade política do Governo Dilma e do fato de que grande parcela dos dirigentes do Partido dos Trabalhadores haver aderido ao modo tradicional das elites fazerem política. O combate à corrupção deve ser uma preocupação permanente e funcionar de modo isonômico, o que ainda estamos longe de alcançar. Em realidade, o impedimento se realizou tendo como principal objetivo a implementação de uma agenda restritiva a direitos e que tem como objetivo revogar a dimensão democrática e social da Constituição Brasileira de 1988.
Em nome da retomada do crescimento econômico o governo tenta impor um projeto radicalmente elitista, focado no interesse da classe rica, do capital internacional, de bancos e do rentismo. Na prática, tal estratégia vem agravando a recessão, a inflação e ampliando o desemprego e a concentração da renda, além de ameaçar políticas sociais erigidas com grandes dificuldades nas últimas décadas. Com esse propósito o governo e o parlamento buscam realizar contrarreformas constitucionais restringindo direitos trabalhistas e previdenciários, bem como a liberdade de expressão e de manifestação. Além do mais, realizam ofensiva ideológica e administrativa contra a abrangência do Sistema Único de Saúde, contra a política de Ciência e Tecnologia, contra as Universidades e educação pública em geral. O principal adversário do bloco político no poder é a Constituição do Brasil.
A Abrasco tem a tradição de preservar sua autonomia e capacidade critica frente ao poder executivo, partidos políticos, religiões e ao próprio mercado. Esta postura não nos tem impedido de assumirmos responsabilidade na construção do direito a saúde, do SUS e da democracia. Desde o fim da ditadura, as políticas sociais, o SUS, a educação, o saneamento, vêm enfrentando dificuldades de gestão e de financiamento. Entretanto, com ênfases e intensidades diferentes, em alguma medida, vem sendo possível ampliar direitos e diminuir a desigualdade. Ao longo desse período, exceto em relação à curta gestão Collor, a Abrasco não aderiu ou se opôs sistematicamente aos diversos governos. Manteve sua independência, ora criticando, ora apoiando os atos governamentais.
No entanto, nas circunstâncias atuais deveremos nos opor claramente ao discurso conservador do Governo Temer, segundado por grande parte do parlamento e da mídia, segundo o qual medidas antissociais seriam a única forma de salvar o Brasil da crise. Cabe à Abrascoe a seus associados criticar esta narrativa dominante, bem como associar-se a outras forças sociais em defesa da democracia e com o objetivo de não permitir “nenhum direito a menos”.
Urge comprovar que a universalização do direito à saúde é possível e necessária. E que o instrumento para a realização deste objetivo é o Sistema Único de Saúde. Um SUS que precisa avançar e não ser recortado e reduzido. Inclusive, mediante a ampliação do financiamento e a realização de reformas da gestão pública que partidos e políticos tradicionais têm sistematicamente impedido.
Para esse discurso conservador, o equilíbrio orçamentário e a retomada do crescimento dependeriam de drástica redução dos gastos sociais e da própria função do Estado. Uma estratégia para desvelar a falsidade desta linha argumentativa é expor à opinião pública a real estrutura de uso do orçamento público. Como é de fato gasto o imposto arrecadado? Há sistemática proteção aos gastos com despesas financeiras e predisposição e cortar e cortar na área social. Uma política monetária equivocada e injusta vem impondo custos insuportáveis aos setores públicos e à iniciativa privada que se pretende produtiva. Municípios, estados e a União têm gasto entre 30 a 40% do orçamento para honrar compulsoriamente serviços da dívida. A taxa básica de juros, de 14,25% ao ano, é a principal responsável pelo desequilíbrio fiscal, pela recessão, pela inflação e pelo desemprego. Isto vem sendo sistematicamente ocultado pelos analistas oficiais e pela imprensa.

A PEC-241, que pretende impor cortes em todos os setores, não se propõem a controlar os gastos orçamentários com juros e com outras despesas financeiras.

O movimento social precisa impedir a aprovação da PEC-241, se aprovada agravaremos as restrições aos investimentos e gastos públicos com o SUS, com a educação, bolsa família, saneamento, etc. Bresser Pereira (no artigo ‘Alternativa ao congelamento de gastos’ de 16 de setembro de 2016) chama atenção para o fato de que a PEC do Teto não inclui as despesas com juros, acrescentando que caso o gasto com juros fosse controlado haveria possibilidade de o “governo reduzir juros e despesas correntes, investindo mais em saúde e educação pública”. Há que se desmentir o mantra segundo o qual o Brasil não possuiria alternativa viável e responsável para enfrentar a crise e a recessão fora do corte de gastos com previdência e outras políticas públicas.
A Abrasco reafirma publicamente seu compromisso com a democracia, o que implica em lutar por reformar a gestão pública para restringir as possibilidades de corrupção e de clientelismo, bem como para assegurar um Estado laico e aberto ao controle da sociedade civil. Reafirmamos nosso compromisso contra as patrulhas ideológicas, em defesa da liberdade de crítica, do livre exercício da sexualidade e do respeito a pluralidade de manifestação da cidadania brasileira. Reafirmamos nosso compromisso com a saúde e com a luta contra a desigualdade, contra a discriminação social, racial e de gênero. Pela liberdade de expressão, de organização e de realizar oposição.
Rio de Janeiro, 5 de outubro de 2016
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Fonte: https://www.abrasco.org.br/site/2016/10/carta-aberta-abrasco-contra-a-pec-241-em-defesa-do-sus-dos-direitos-sociais-e-da-democracia/

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Ipea divulga nota sobre impactos da PEC 241 no financiamento do SUS.



Esta Nota Técnica tem por objetivo analisar algumas implicações para o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a garantia do direito à saúde caso o Novo Regime Fiscal, apresentado por meio da Proposta de Emenda à Constituição nº 241/2016 (PEC 241), seja aprovado pelo Congresso Nacional. Explica-se qual é a proposição e discutem-se os impactos do congelamento do piso do gasto federal com saúde para o financiamento do sistema, quais sejam: a) desvinculação das despesas com ações e serviços públicos de saúde (ASPS) da receita corrente líquida; b) perda de recursos em relação às regras de vinculação das Emendas Constitucionais nº 29 e nº 86; c) redução do gasto público per capita com saúde; d) desobrigação dos governos de alocarem mais recursos em saúde em contextos de crescimento econômico; e) provável aumento das iniquidades no acesso a bens e serviços de saúde; e f) dificuldades para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Por fim, são elencadas particularidades do financiamento público da saúde que não foram consideradas na Proposta de Emenda Constitucional, com o objetivo de contribuir para o debate.




Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28589&Itemid=9

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Os 26 anos do SUS e as ameaças de sucateamento da Saúde.

Hoje, 19 de setembro, é uma data emblemática para todos que defendem o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele marca o aniversário da Lei 8.080, uma das mais democráticas e inclusivas do arcabouço normativo brasileiro e que há 26 anos definiu diretrizes para a organização e o funcionamento do SUS, de forma a adequá-lo aos preceitos da Constituição Federal. Segundo a Carta Magna, saúde é direito de todos e dever do Estado, cabendo a este a seguinte responsabilidade: desenvolver políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos, bem como ao acesso irrestrito dos cidadãos às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação de seu bem-estar.
A Lei 8.080 regula toda e qualquer atividade de saúde no Brasil, não apenas da esfera pública, mas também do setor privado, do qual o SUS pode contratar serviços complementares. Um de seus princípios mais importantes é o da universalidade, segundo o qual todas as pessoas têm direito a atendimento, sem distinções, restrições ou custo, não importando, por exemplo, se o paciente possui um plano privado de saúde. Já a integralidade, outra diretriz, garante ao usuário uma atenção abrangente, com ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, com acesso a todos os níveis da assistência.
A chamada Lei Orgânica do SUS traz também o princípio da equidade, que assegura ao paciente um atendimento conforme suas necessidades, levando-se em conta determinantes sociais em saúde, como moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego, entre outros. Essa diretriz leva em consideração que o direito à saúde deve reconhecer e contemplar a diversidade entre as pessoas.
A Lei 8.080 também estabeleceu o princípio da descentralização, que define atribuições comuns e competências específicas para a União, estados, o Distrito Federal e os municípios, cada um deles, de forma independente, responsável pelos rumos das políticas de saúde em seu território.
Mas há na lei outro importante princípio, sem o qual os demais teriam tudo para virar letra morta: é o controle social, que garante a participação da sociedade no acompanhamento e fiscalização da formulação e execução das políticas de saúde. Esse acompanhamento se dá, primordialmente, por meio dos conselhos e conferências de saúde e de outras instâncias.
No Conselho Nacional de Saúde (CNS), instância máxima de deliberação do SUS, bem como nos conselhos estaduais e municipais de Saúde, estão representados diferentes segmentos da sociedade, como usuários do SUS, profissionais de saúde, movimentos sociais, prestadores de serviço, gestores, entre outros.
Esse controle social vem enfrentando, ao longo dos 26 anos de vigência da Lei 8.080, sucessivas propostas e medidas nocivas ao caráter universal do SUS, a maioria patrocinada por representantes do Estado, justamente por quem, segundo a Constituição, deveria zelar pelo fortalecimento e consolidação do nosso sistema de saúde.
Em 19 de agosto, por exemplo, o Plenário do CNS aprovou a Resolução n. 534, posicionando-se contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que defende a desvinculação de receitas para a saúde e o estabelecimento de tetos orçamentários. Ou seja, pela PEC os entes federados ficariam livres da obrigação constitucional de garantir percentuais mínimos de sua receita para a saúde, com o agravamento do subfinanciamento crônico enfrentado pelo SUS ao longo dos anos.
A Resolução do CNS também defende a revogação da Portaria 1.482/16 do Ministério da Saúde, que cria o Plano de Saúde Acessível, uma cesta de serviços mais baratos e com baixa cobertura. A justificativa do ministério é de que, com a medida, será possível alocar mais recursos no SUS. Na verdade, essa portaria fere os princípios da política nacional de saúde e favorece os planos privados, quando se sabe que não cabe ao Estado brasileiro promovê-los, mas sim regulá-los.
Como podemos ver, novas tentativas de enfraquecer o SUS e reduzir direitos estão em curso a despeito dos 26 anos de uma das leis mais democráticas e inclusivas do país. Mas as instâncias de controle social, amparadas pela Constituição e com muita energia, estão articuladas para defender o SUS e garantir o direito dos cidadãos a receber uma assistência universal, integral e equânime às suas necessidades de saúde e bem estar.

RONALD FERREIRA DOS SANTOS - Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Federação Nacional dos Farmacêuticos - FENAFAR.

Publicado no Correio Braziliense em 19/09/2016. Fonte: http://www.susconecta.org.br/2016/09/os-26-anos-do-sus-e-as-ameacas-de-sucateamento-da-saude/