Alexandre Padilha, ministro da Saúde, concedeu uma entrevista ao Valor Econômico- jornal brasileiro com enfoque em economia, finanças e negócios do Brasil – tratando sobre a negociação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e o incentivo a produção nacional de equipamentos médicos e remédios.
Preocupado com o elevado déficit da balança comercial do setor de saúde, o governo federal se empenha para estimular a produção nacional de equipamentos médicos e remédios. Em entrevista ao Valor, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, diz que está pronto para lançar mão de várias medidas para enfrentar um déficit comercial que pode atingir valor recorde de US$ 12 bilhões neste ano. O arsenal inclui uso do poder de compra do governo, promessa de isenção fiscal para os medicamentos incluídos no programa social Farmácia Popular e ampliação das exportações brasileiras de vacinas.
Padilha afirma que o país receberá investimentos de R$ 500 milhões para a construção de uma fábrica de equipamentos radioterápicos, o que reduzirá a dependência externa dessas máquinas. As gigantes Siemens, GE e Elektra disputam o mercado com a promessa de que o Ministério da Saúde será o principal comprador. O ministro também costura com os secretários estaduais de Fazenda isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre os mais de cem medicamentos disponíveis no Farmácia Popular, que oferece remédio com subsídio federal.
Outra arma do Ministério da Saúde para combater o déficit comercial é ampliar a produção de vacinas com o objetivo de elevar as exportações brasileiras. A pasta comandada por Padilha também trabalha para melhorar a gestão e estancar o desperdício de recursos. Os recursos excedentes engordam o orçamento de compra de medicamentos pelo governo e ajudam a elevar a capacidade produtiva da indústria. Além disso, o governo cada vez mais aperta o cerco aos planos de saúde, cujos clientes utilizam o serviço público. De acordo com o ministro, os reembolsos das seguradoras ao Sistema Único de Saúde (SUS) saíram de uma média anual de até R$ 15 milhões entre 2003 e 2010 para algo em torno de R$ 80 milhões no ano passado. No futuro, queremos chegar a uma marca de até R$ 400 milhões por ano, projeta Padilha. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Há uma meta para reduzir o déficit da balança comercial da saúde? Os incentivos às Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) devem ajudar?
Alexandre Padilha: Não estabelecemos meta. O ministério tem uma política para estímulo à produção nacional. Nossa preocupação é como garantir que o acesso a medicamentos e as transferências de tecnologia sejam sustentáveis. Um exemplo é a campanha de vacinação. O Brasil só tem um dos maiores programas do mundo porque 96% dessas vacinas são produzidas no país.
Valor: O que é importado?
Padilha: A injetável para pólio era importada, mas agora não mais. A da varicela, que utilizamos em grupos específicos, não é produzida no Brasil. Há algumas específicas para febre tifoide que também não são produzidas aqui. Esses são os três grandes exemplos. A HPV é importada.
Valor: O país exporta vacinas?
Padilha: Uma parte é doada, como para o Haiti. Também fazemos doação para alguns países da África ou fornecemos via fundos multilaterais existentes. O próximo passo é buscar o mercado global. A primeira iniciativa é a vacina MMR (na sigla em inglês), que inclui sarampo, caxumba e rubéola. Essa vacina é produzida no Brasil pela Fiocruz. Estamos fazendo uma aposta com a Fundação Bill e Melinda Gates, que financia a oferta internacional de vacinas para países de baixa renda. Também produziremos vacina pentavalente, incluindo numa dose de cinco doenças: DPT (difteria, caxumba e tétano), hepatite e hemófilos. Até 2015, experimentaremos a heptaBrasil. As três devem render US$ 500 mil em exportações.
Valor: Houve avanços nas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo? Quantos acordos foram fechados?
Padilha: Atingimos 34. Nas PDPs, que são parcerias público-privadas, o Ministério da Saúde define o laboratório público, a indústria privada nacional ou internacional. O ministério garante a compra centralizada desse medicamento. Temos feito PDPs para estimular outros Estados, evitando a concentração em São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas Gerais. Além desses três Estados, temos PDPs na Bahia, em Pernambuco e Alagoas, além de parcerias no Acre para produção de camisinha. Não tem nenhum país com mais de 100 milhões de habitantes que busque o desafio de ter saúde universal para todos, como o Brasil. Um exemplo é o programa de centros de radioterapias. São 80 novos centros, com R$ 500 milhões de investimento e a maior compra pública de aceleradores lineares.
Valor: Quais os critérios para o país receber esse investimento?
Padilha: A cláusula em edital é de que a indústria produza no Brasil. São três indústrias mundiais, nenhuma na América Latina. Estamos colocando na cláusula que quem ganhar começa a produzir aqui no Brasil.
Valor: Alguém interessado? Há acordo assinado?
Padilha: Temos o termo de referência feito. Agora tem um processo de audiências públicas. São três grandes fornecedores interessados: Siemens, Elektra e GE.
Valor: Isso é sem concorrência?
Padilha: Vamos abrir um processo de concorrência. A distribuição nós já fechamos.
Valor: Pode ser em parceria com laboratório público?
Padilha: O principal modelo do processo de acelerador é ser uma empresa privada. Tem que ter transferência de tecnologia e produção no Brasil. No começo pode importar. A partir de 2015 tem que produzir aqui. Senão devolve todo o dinheiro que foi ganho na concorrência.
Valor: A área de diagnóstico tem quanto do déficit da saúde?
Padilha: Dos US$ 11 bilhões em 2011, US$ 6,5 bilhões são medicamentos e insumos fármacos e US$ 4,5 bilhões são na área de equipamentos. Nessa parte somos superavitários na área odontológica.
Valor: As empresas contam com incentivos para ajudar o governo contra o déficit?
Padilha: Aprovamos uma lei no governo Lula, que permite ter margem de preferência para produtos frutos de inovação tecnológica ou produção nacional. Qualquer produto nacional tem margem de 20% nas compras governamentais e até 25% se for fruto de inovação. Essa lei ainda tem que ser regulamentada. O primeiro decreto regulamentou equipamentos de defesa, rurais e para área da saúde (medicamentos e fármacos). A parte de equipamentos da saúde não está regulamentada. Hoje podemos aplicar essa margem, no caso de medicamentos, até o topo dela (25%), e também para remédios biotecnológicos, que o Brasil quer começar a produzir. Nós incentivamos a criação de dois grandes produtores privados (Bionovis e Orygen), com o apoio financeiro do BNDES e Finep.
Valor: Um desses grupos (Bionovis) está fechando acordo com Coreia, China e Índia para transferência de tecnologia. É permitido?
Padilha: Sim. Esse acordo é para um produto chamado Imatinib [contra câncer].
Valor: Voltando às Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, os 34 acordos são de transferência de tecnologia pura de medicamentos? Muitos grupos não querem transferir tecnologia de drogas cujas patentes ainda não expiraram.
Padilha: São duas combinações que têm de ser feitas. O que nos interessa é passar a produzir aqui no Brasil, reduzir o déficit e consolidar plantas que passem a produzir outros medicamentos similares. Para a maior parte da indústria interessa transferir tecnologia de uma droga que está para perder patente – caso do Imatinib. Nos interessa porque passamos a produzir aqui e desenvolvemos outros produtos. Só no ano passado fizemos uma economia de R$ 1,8 bilhão com compra centralizada. Uma parte disso foi com negociação de compras, maior eficiência de gestão e também as PDPs.
Valor: Essa economia é diluída no orçamento do ministério?
Padilha: Só ampliamos o Farmácia Popular porque diminuímos o gasto. No caso das vacinas, só foi possível pela maior eficiência de gestão e economia.
Valor: Esses acordos de transferência de tecnologia são os mesmos com as estrangeiras?
Padilha: O interesse é que seja com grupos que tenham planta no Brasil ou atrair para que tenham produção aqui. Roche, Novartis, Merck, com todas elas temos conversas. Algumas participam de PDPs. O interesse deles é no mercado público grande e também no privado, que é crescente. O Brasil tem hoje 50 milhões de pessoas com convênio.
Valor: O sr. não acha que o desafio também passa por produção nacional de insumos, considerando que o país importa cerca de 80% desses produtos?
Padilha: É decisivo. As PDPs agora têm uma regra de verticalização da produção. As novas PDPs, firmadas a partir do fim do ano passado, estimulam a apresentação de propostas de verticalização da produção – desde o insumo, química fina até a produção final do remédio. Nós não temos estrutura para produtos biológicos. Precisamos começar desde o início.
Valor: Temos hoje poucos laboratórios públicos capacitados para esse tipo de inovação.
Padilha: Dos públicos, o principal hoje é o Fiocruz. Conseguimos fortalecer recentemente outros laboratórios, como Instituto Butantan, de São Paulo, Instituto Vital Brasil, do Rio, que estava parado. O Lafepe, de Pernambuco, um da Bahia que está ressuscitando, o Lifal, outro de Alagoas, pequeno ainda, e um de Minas Gerais, o da Funed, além da Tecpar do Paraná. Vamos investir até 2014 cerca de R$ 2 bilhões.
Valor: A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem sido criticada pela morosidade na liberação dos registros de medicamentos. O que tem sido feito para melhorar essa imagem?
Padilha: Regulação é um outro desafio. Por isso, estabelecemos no ano passado um contrato de gestão entre Anvisa e Ministério da Saúde, que passou a presidir o conselho da agência. Criamos uma lista de produtos considerados estratégicos e passamos a exigir um rito de aprovação mais rápido que outros. O registro de uma vacina, por exemplo, tem que sair mais rápido que o de um cosmético, por exemplo. Desde então, aumentamos em 78% a quantidade de registros de medicamentos genéricos na Anvisa na comparação com o ano anterior. Outro desafio é o dos produtos biotecnológicos, fixar seus parâmetros para registro. A Anvisa acabou de mudar um conjunto de regras sobre pesquisas clínicas no país. Para produzir um medicamento é necessário um grande campo de pesquisa. Montamos uma rede para oncologia envolvendo hospitais e institutos que podem participar com pacientes, acompanhamentos e dados para o registro de pesquisas.
Valor: Conversamos com um laboratório nacional (Biolab) que firmou parceria com um indiano, mas está fazendo os estudos clínicos na França para o desenvolvimento de sua primeira molécula nacional.
Padilha: Esse também é um desafio para o setor privado porque hoje o que o setor público investe em ciência e inovação é comparado com o que investem países desenvolvidos, em termos de percentual do Produto Interno Bruto [PIB]. Ainda temos uma grande defasagem em relação a quanto o setor privado investe em pesquisa na área de saúde.
Valor: A distribuição de cada vez mais medicamentos gratuitos no Farmácia Popular pode afetar o orçamento do ministério?
Padilha: Quanto maior o acesso a medicamentos maior é o impacto de redução de custos no longo prazo. Um exemplo: colocamos no ano passado medicamentos gratuitos para hipertensão e diabetes no Farmácia Popular e o acesso aumentou em três vezes. Em 2012, constatamos, pela primeira vez, a queda no número de internações por diabetes no Brasil. E isso já ocorreu num prazo curto, então tanto no médio como no longo prazo vamos ter retorno em termos de custo sempre que ampliarmos o acesso a medicamentos.
Valor: Mas de onde vem o dinheiro para a ampliação de acesso?
Padilha Melhorando a gestão. O Ministério da Saúde fez um esforço para economizar R$ 1,8 bilhão no ano passado. Centralizamos as compras de medicamentos e passamos a considerar os preços internacionais até descobrir que tinha indústria que vendia mais barato na Inglaterra do que estavam vendendo para nós aqui. Negociamos com o TCU [Tribunal de Contas da União] mudanças na forma de contratação das compras de hemoderivados, que passaram a ser considerados gasto contínuo, permitindo que fechássemos contratos de mais de um ano e, logo, mais baratos. Com as PDPs também conseguimos reduzir preços no fornecimento de produtos graças à garantia do nosso poder de compra. O esforço de eficiência de gestão garantiu forte aumento do acesso a medicamentos do Farmácia Popular e ainda a inclusão, recentemente, de um novo remédio grátis no programa, contra asma.
Valor: Qual foi o critério para a escolha da gratuidade no remédio de asma?
Padilha: A gratuidade do remédio para asma foi incluída no Farmácia Popular há três semanas e já teve aumento de 27% no acesso na comparação com as semanas anteriores. A gente montou um comitê de acompanhamento [varejo, indústria e governo] do programa. De tempos em tempos, vamos analisar a inclusão de novos medicamentos. Após um ano de avaliação da gratuidade dos remédios de hipertensão e diabetes, decidimos incluir asma seguindo a mesma lógica inicial. No primeiro mês de gestão do governo da presidenta Dilma, de 1,2 milhão de pessoas que iam no Farmácia Popular todo mês, 900 mil pegavam remédios para hipertensão e diabetes, então beneficiamos o maior público. No caso da asma, trata-se da segunda maior causa de internações de criança de até seis anos no país – a primeira é internação de causas agudas, como diarreia.
Valor: Alguma perspectiva para a introdução de um quarto medicamento gratuito no programa?
Padilha: Serão sempre medicamentos de doenças crônicas, porque é o que faz sentido. A ideia principal do Farmácia Popular é ampliar o acesso ao maior número de medicamentos da maneira mais rápida possível.
Valor: O peso da tributação sobre medicamentos atrapalha a execução do programa?
Padilha: O maior peso hoje dos impostos de medicamentos é o ICMS. Há várias situações diferentes em função das regras que os Estados criam, como a substituição tributária. Nós trabalhamos para ser aprovado no âmbito do Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária] um acordo de isenção tributária para os medicamentos que fazem parte do Farmácia Popular.
Valor: Quando essa decisão pode sair?
Padilha: Ela está em debate. Quem leva para o conselho é o presidente do Confaz. Essa é uma reivindicação também apresentada pela indústria e pelo varejo, a isenção total do ICMS ou de redução da alíquota, chegando a 5%, 6% – hoje ela chega a 19%.
Valor: O sr. mencionou que o setor de saúde tem um papel importante para ajudar na sustentação do crescimento econômico. Estamos assistindo o governo lançar mão de várias medidas para facilitar o investimento privado. A indústria da saúde será beneficiada com alguma isenção fiscal?
Padilha: A discussão de incentivo tributário é mais ampla, passa pelo Ministério da Fazenda, pela Receita Federal. O principal incentivo é estimular a produção nacional. Para isso vamos definir a margem de preferência de compras de equipamentos médicos. Também temos o poder de compra do Ministério da Saúde. Além dos medicamentos, todo ano compramos 1,1 mil ambulâncias para o Samu para renovação de frota. Já autorizamos a liberação de R$ 800 milhões para reforma e construção de UPAs e UBSs [Unidades Básicas de Saúde] no âmbito do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. A própria expansão do acesso a medicamentos tem impacto decisivo na economia das famílias. Uma coisa interessante: tem secretário municipal de Saúde que ganha prêmio de associações comerciais, porque reduz a inadimplência local ao expandir o Programa Saúde da Família [PSF]. Afinal, quando as pessoas começam a se tratar no próprio município sobra mais dinheiro para circular na cidade, pois ela não tem mais a expectativa de deixar a cidade e gastar com remédios.
Valor: A expectativa de redução do déficit da balança comercial para este ano é de US$ 12 bilhões. Quando ele será mais baixo?
Padilha: É muito difícil fazer esse cálculo. Mas estamos ampliando o acesso, buscando ofertar mais serviços e incorporar mais tecnologia no setor. Não focamos numa meta de redução do déficit. Nosso objetivo é ampliar cada vez mais a produção nacional, sobretudo trazendo produtos de ponta para o Brasil. Os produtos biotecnológicos significam 5% de todas as unidades que o Ministério da Saúde tem que comprar, um impacto muito grande no orçamento.
Valor: A política de reembolso dos planos de saúde ao SUS está avançando?
Padilha: Em 2011, batemos o recorde de reembolso: R$ 82,8 milhões. A média anual entre 2003 e 2010 variava de R$ 10 milhões a R$ 15 milhões. Tivemos um salto ano passado, porque aprimoramos a gestão, com um novo sistema de informação na ANS. Isso permitiu identificar melhor e com maior velocidade um usuário de plano de saúde que tem usado o SUS. Além disso, o Ministério da Saúde só paga a ficha de internação pública do hospital credenciado ao SUS se o paciente tiver o número do cartão SUS – caso o paciente não tenha, um número é emitido na hora, não precisa da mídia plástica. Isso ajudará a aumentar os reembolsos ainda mais. A estimativa é que fiquem entre R$ 300 e R$ 400 milhões por ano, futuramente.
Fonte: Jornal Valor Econômico – De 19 de junho de 2012
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