segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Cubano do Mais Médicos reduz uso de antibióticos em aldeia indígena ao resgatar plantas medicinais.


Na aldeia Kumenê, no Oiapoque, indígenas consumiam antibióticos de forma inadequada e excessiva. Médico cubano Javier Isbell Lopez descobriu que hábito estava associado à história do local, onde missionários evangelizaram os habitantes e os convenceram de que a utilização de plantas medicinais era um tipo de ‘feitiçaria’ que devia ser banido. Reintrodução de ervas com benefícios comprovados pela ciência reduziu uso de medicamentos.

Ao chegar à aldeia Kumenê, localizada no Oiapoque, extremo norte do Amapá, o cubano Javier Isbell Lopez Salazar se tornou o primeiro médico fixo da comunidade. Ele começou a atender a população local, formada por indígenas Palikur, em maio de 2014 e logo descobriu que os habitantes da região enfrentavam uma das maiores ameaças globais de saúde: o uso excessivo e inadequado de antibióticos.

O consumo inadequado dos medicamentos estava associado à chegada de dois missionários à região, na década de 1960. Os religiosos lá ficaram por mais de dez anos, durante os quais se dedicaram à evangelização da etnia. Os indígenas foram convencidos de que a utilização de plantas medicinais e chás era um tipo de “feitiçaria” e, por isso, tal hábito deveria ser banido.

As tradições acabaram sendo substituídas por dosagens abusivas de antibióticos. Para reverter o cenário, Salazar decidiu criar uma horta com plantas medicinais citadas na literatura científica que poderiam tratar grande parte dos problemas de saúde existentes na aldeia, como gripes e doenças diarreicas.

Em palestras e encontros com as lideranças e com os moradores do local, o profissional de saúde foi pouco a pouco desmistificando a crença de que as plantas seriam um tipo de “magia”. Elas, na verdade, poderiam ser utilizadas para salvar vidas.

“No começo, quando eu receitava alguma delas, eles jogavam fora e ficavam bravos comigo porque queriam antibióticos. Antes de ter médico aqui, eles faziam um uso excessivo de antibióticos e, hoje, as bactérias que circulam na comunidade têm resistência aos medicamentos disponíveis. Aos poucos, eles voltaram a acreditar no poder das plantas”, conta Salazar, que é um dos cooperados do Programa Mais Médicos.

Na horta do clínico, há plantas conhecidas popularmente como boldo, sabugueiro, “amor crescido”, babosa, manjericão, entre outras. O sabugueiro, segundo o médico, é extremamente eficaz para o alívio dos sintomas da gripe, uma das doenças mais frequentes na comunidade, pois tem efeito expectorante.

“No estudo epidemiológico que fiz, percebi que existem duas épocas do ano em que ocorrem vários casos. Em um desses períodos, no qual a gripe é bastante forte, começam a chegar os asmáticos. Faço um chá da planta com limão. Para as crianças, adiciono açúcar e faço um lambedor (espécie de xarope). Com uma xícara pequena de 12 em 12 horas, em dois dias os sintomas vão embora. Diferente do antibiótico, não há nenhum dano à saúde e está tudo demonstrado na literatura médica”, explica.

Educação em saúde supera preconceitos

Outra mudança trazida por Salazar e sua equipe de saúde foi a conscientização sobre os riscos de contaminação da água pelo despejo de resíduos domésticos nos rios. Segundo o médico, os indígenas costumavam construir seus banheiros próximos às margens do curso d’água que cerca a aldeia, localizada na confluência do Uaçá e do Curipi.

Isso fez com que a água — onde os moradores costumavam tomar banho — ficasse contaminada. Os poços também eram construídos ao lado dos sanitários.

“Explicando, conseguimos uma melhor qualidade de vida aqui. Um médico não pode se cansar. Eu me sinto bem porque já estou percebendo a mudança. Estou vendo que as medidas que estou tomando dão certo, pois as doenças estão desaparecendo. Estou ‘ganhando’ menos pacientes’”, comenta satisfeito.

O profissional já aprendeu algumas expressões na língua nativa da etnia Palikur e garante que a diferença de idiomas não é um impedimento à comunicação eficiente e a diagnósticos e tratamentos adequados.

Salazar e seus colegas do sistema de saúde também tem desenvolvido iniciativas de educação para o bem-estar. “Com isso, podemos conseguir uma mudança no estilo de vida de qualquer pessoa, seja indígena, branco ou extraterrestre. É possível prevenir várias doenças”, afirma o cubano.

“Eu realmente não tenho palavras para expressar o que eu sinto ao trabalhar aqui e digo isso de coração. Quando comecei eles eram anti-médico, tentavam evitar as consultas. Quando vinham ao posto de saúde, não olhavam de frente para mim, ficavam sentados olhando para o chão ou qualquer outro lugar”, lembra o médico sobre sua chegada a Kumenê.

“Hoje, eles chegam aqui e explicam direitinho o que estão sentindo. Com o tempo, com tantas palestras e tanta conversa, eles mudaram”, conclui.

Fonte: https://nacoesunidas.org/cubano-do-mais-medicos-reduz-uso-de-antibioticos-em-aldeia-indigena-ao-resgatar-plantas-medicinais/

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Sistema de saúde para todos é 'sonho' e seus defensores são 'ideólogos, não técnicos', diz ministro da Saúde

Publicado na BBC Brasil – Por Mariana Schreiber
11/11/2016 16h09

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse em entrevista à BBC Brasil que pesquisadores que defendem um sistema universal de saúde - ou seja, que atenda todos os segmentos da população - "não são técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o assunto como se não existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho".
A declaração foi dada após ser ele questionado sobre a opinião do professor da UFBA Jairnilson Paim (autor do livro "O que é o SUS"), para quem um sistema que atende menos pessoas tende a ser pior.
O ministro ressaltou que o governo está com saldo negativo nas contas - e que essa crise se deve a decisões do governo anterior.
"Falar que tem que pôr mais gente demandando, sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. (…) O SUS é tudo para todos, ou tudo que está disponível no SUS para todos?", questionou também.
No momento, sua pasta elabora uma proposta de "planos de saúde acessíveis", com cobertura de atendimento reduzida, para o público de menor renda. O objetivo é que essas pessoas façam consultas e tratamentos no sistema privado, desafogando o SUS (Sistema Único de Saúde).
Há um grupo de trabalho dentro do ministério, que inclui representantes da indústria de planos de saúde, elaborando um novo produto a ser disponibilizados pelas operadoras. Contrária à proposta, a Proteste, uma associação de defesa do consumidor, pediu para participar e está acompanhando a discussão.
Associações médicas também têm se oposto à ideia. Para os críticos, a medida vai contra a tendência dos últimos anos, de ampliar as exigências mínimas de tratamentos oferecidos pelos planos, com objetivo de melhorar o serviço.
Questionado também sobre críticas de alguns economistas à PEC do teto dos gastos públicos, que poderia potencialmente tirar recursos da saúde, o ministro voltou a minimizar a importância dos estudiosos.
A proposta de emenda constitucional, que deve ser aprovada pelo Congresso em dezembro, limita por vinte anos o crescimento das despesas do governo à inflação.
"Vou escrever um livro: 'Eu e os especialistas'. Como tem especialista para tudo, né? Pode escrever qualquer tese maluca que não se sustenta. Não dá para trabalhar nesse nível de conversa", disse.
"Não tem redução de recursos de saúde com a PEC. Isso não existe", afirmou também, ressaltando que o teto proposto é para o conjunto de gastos e outras despesas poderão ser reduzidas para que o orçamento de sua pasta seja aumentado.
Barros, eleito deputado federal pelo PP em 2014, teve como maior doador individual de sua campanha o empresário Elon Gomes de Almeida, presidente da Aliança, administradora de planos de saúde, com uma contribuição de R$ 100 mil.
À BBC Brasil, a assessoria do ministério ressaltou que essa doação representa somente 3,1% do total gasto pela campanha de Barros (R$ 3,1 milhões). O órgão disse também que "continuará trabalhando na melhoria da atuação dos planos de saúde, por meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar, e que a atuação da gestão independe de relação partidária, jurídica ou pessoal".
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Pedro Ladeira/Folhapress

 BBC Brasil - Como está a discussão do grupo de trabalho sobre os planos acessíveis? Que proposta está se desenhando?
Ricardo Barros - Isso é com o secretário Francisco (Figueiredo, da Secretaria de Atenção à Saúde do ministério).
BBC Brasil - Mas o senhor não está acompanhando, sendo informado? O que poderia sair desse programa?
Barros - Parece que duas propostas foram apresentadas ao grupo de trabalho. O grupo foi prorrogado (de 60 dias para 120 dias), e eles estão caminhando para uma solução de oferta de um novo produto de mercado.
BBC Brasil - E qual a previsão de quando isso possa sair?
Barros - Isso é com o Francisco.
[Após a entrevista, a assessoria do ministério informou que o grupo de trabalho está "em fase de discussão" e que "o produto final das atividades será consolidado e encaminhado à ANS", agência que regula a indústria de planos de saúde. A ANS "avaliará a pertinência do projeto e sua possível implementação", diz ainda o ministério. O grupo deve concluir os trabalhos no início de dezembro.]
BBC Brasil - Ainda sobre essa questão, existem alguns estudiosos do setor de saúde, como um professor da UFBA que a BBC Brasil entrevistou recentemente (Jairnilson Paim), que afirmam que quanto mais universal for o SUS, quanto mais gente estiver nesse sistema, melhor ele tende a ser, pois é mais gente vocalizando, demandando. Essa proposta (de mais planos de saúde) não vai contra isso? Não tende a enfraquecer o SUS?
Barros - Você tem que conversar com o contribuinte. Se tiver gente disposta a contribuir para que todos demandem o SUS, eu também concordo. Então falar que tem que pôr mais gente demandando, sendo que o recurso é limitado, é uma incoerência. Ele está falando de uma ideologia, do pensamento, do sonho, e não está falando da realidade. Não são técnicos, nem especialistas, são ideólogos que tratam o assunto como se não existisse o limite orçamentário, como se fosse só o sonho. Não é um sonho, nós temos que administrar uma realidade aqui.
BBC Brasil - Um estudo do Ipea feito com a Receita Federal mostra que a perda de receita com desconto no Imposto de Renda de gastos com planos de saúde, tanto para pessoa física como jurídica, chegou a R$ 10,5 bilhões em 2013. Por que seria correto subsidiar um produto privado em vez de investir no sistema público?
Barros - A leitura para nós disso é (que esses recursos são) dinheiro carimbado para a saúde. Toda essa (perda de) arrecadação é vinculada diretamente à saúde. Se não for, recolhe aos cofres do Tesouro, 25% (arrecadação com IR tem que ser repassado) para Estados, 25% para municípios, aí (a outra metade) entra (na divisão prevista) nos vínculos constitucionais, educação, etc.
Vai sobrar para saúde um pedacinho desse tamanho.
Por isso que eu falei: para de sonho, gente. A realidade é diferente do sonho. É fácil falar.
BBC Brasil - Esse valor (subsídios para planos de saúde) é basicamente para as pessoas de renda mais alta, pois é elas que fazem esses gastos e conseguem descontar (do Imposto de Renda). Então não é um recurso que poderia estar sendo recolhido e investido em serviços para os mais pobres?
Barros - Não, 55% do financiamento da saúde brasileira é privado, 45% é público. As entidades filantrópicas, que atendem mais de 50% dos atendimentos do SUS, se equilibram economicamente atendendo 60% do SUS e 40% convênio. E deixam de pagar os impostos.
Evidentemente, os recursos que sustentam os convênios fazem parte do equilíbrio econômico do sistema como um todo. Não há nenhum prejuízo nesse incentivo que as pessoas utilizem recursos na saúde e possam descontar, porque a pessoa que paga imposto e desconta esse recurso tem direito ao SUS também.
Então, em vez de a gente atender no SUS, nós estamos permitindo que ele faça o atendimento e desconte no imposto, desde que declarado tudo devidamente.
É um modelo que está estabelecido há muitos anos. Tem gente que defende que filantrópica não deveria deixar de pagar imposto, é uma ideia. Se ela ficasse em pé, seria ótima.
Mas se nós fizermos isso, nós desestruturamos 50% do atendimento dos brasileiros que estão nas filantrópicas. Então, a matemática deve ser feita com a visão geral do sistema. Essas críticas pontuais, inconsistentes e impensadas, elas não ajudam o sistema.
BBC Brasil - Parece haver um impasse: existe resistência aos impostos, até um certo tabu que impede uma discussão mais racional, mas também existe uma demanda muito forte por saúde pública, por um SUS forte. Então como a gente sai desse impasse? É um tabu discutir mais recursos para saúde?
Barros - Não é um tabu. O Congresso apresentou agora R$ 18 bilhões em emendas parlamentares (recursos da União que os deputados e senadores podem investir de acordo com suas prioridades, normalmente em suas bases eleitorais) para a saúde.
Não tem tabu nenhum. Todo mundo quer botar mais recurso para a saúde.
BBC Brasil - Mas na prática a PEC do teto dos gastos (que prevê que as despesas não podem crescer mais que a inflação) vai reduzir recursos para saúde, no sentido de que a população está envelhecendo e vai haver mais demanda por serviços de saúde.
Barros - Não vai haver redução de recurso para a saúde. Desculpa, querida, não é verdade.
BBC Brasil - Não estou dizendo que vai em termos de quanto é investido hoje, mas de que a demanda tende a crescer e o orçamento não vai crescer no mesmo nível.
Barros - É um problema que acontece em qualquer (país)… não tem nada a ver com a PEC, tem? O que a PEC tem com o envelhecimento das pessoas, gente? Nada, isso é uma realidade estabelecida.
Desculpa, mas eu não tenho muita paciência para esse ideologismo inconsequente. Isso é uma bobagem. O envelhecimento das pessoas vai acontecer de qualquer jeito. A PEC não tem nada a ver com isso.
A PEC garante que há um limite para o conjunto dos gastos públicos. No conjunto dos gastos, a Previdência vai gastar mais do que a inflação (crescer mais que a inflação). A saúde e a Previdência vão ter seus recursos mantidos ou ampliados e as outras áreas de governo vão ter que compensar com redução, para compensar o teto.
Não tem redução de recursos de saúde com a PEC. Isso não existe.
BBC Brasil - Tem uma questão da PEC que é a seguinte: a expectativa é que haverá uma recuperação da economia, o que vai aumentar a arrecadação do governo, porém esses recursos, por causa do teto, lá na frente vão ser exageradamente destinados ao superavit primário (economia para pagar juros da dívida). Existem inclusive economistas liberais que fazem essa crítica, como o Felipe Salto e a Monica de Bolle.
Barros - E para que serve o superavit primário?
BBC Brasil - Para pagar a dívida publica. Ela é mais importante que a saúde?
Barros - Não, mas não precisa pagar a dívida, então? Nós não vamos pagar a dívida nunca?
BBC Brasil - Não, é questão de volume. A crítica deles é que haverá um volume muito grande destinado ao superavit primário.
Barros - Nós estamos há quatro anos fazendo um deficit primário (na verdade desde 2014, mas a previsão é de novos rombos em 2016 e 2017), não pagamos um centavo nem do juro da dívida. E aí?
BBC Brasil - A União está rolando a dívida. Estamos contraindo mais dívida, não estamos deixando de pagar juros.
Barros - Estamos endividando nossas futuras gerações. E aí? As futuras gerações querem ser endividadas ou não? Qual é a contestação à tese do equilíbrio fiscal, não é bom o equilíbrio fiscal?
BBC Brasil - Não estou dizendo que é ruim, estou dizendo que economistas liberais…
Barros - Vou escrever um livro: "Eu e os especialistas". Como tem especialista para tudo, né? Pode escrever qualquer tese maluca que não se sustenta, não se sustenta. Não dá para trabalhar nesse nível de conversa.
Nós temos que equilibrar o país, pôr as contas em dia, pagar nossa dívida e seguir a vida. Eu não posso discutir uma tese que "olha, nunca mais vamos pagar a dívida, vamos continuar fazendo deficit porque eu preciso gastar, então eu gasto, pronto".
BBC Brasil - Não foi isso que eu disse, ministro.
Barros - Eu estou discutindo isso agora no Supremo (Tribunal Federal) com a judicialização (recursos judiciais para obrigar o governo a prestar atendimentos ou fornecer remédios): o SUS é tudo para todos, ou tudo que está disponível no SUS para todos? É isso que o Supremo vai decidir.
BBC Brasil - Eu só quero registrar que eu não disse que não vai ser pago juros da dívida. Eu disse que esses economistas falam que vai ter um excesso, um valor além do necessário para regularizar (estabilizar em um nível considerado sustentável) a relação entre dívida e PIB. Esse é o indicador mais usado, nenhum governo quer pagar a dívida 100%.
Barros - Tomara que esse dia chegue, que tenha excesso de arrecadação. E acontecendo isso, querida, a PEC do teto vai cair, obviamente, porque é um outro momento.
Nós estamos fazendo isso hoje (fixar um teto para os gastos) porque a nossa realidade hoje nos impõe fazer isso. Se essa realidade mudar, evidentemente…
BBC Brasil - O senhor acredita que, nesse caso, haveria uma coalizão política para reverter isso (aprovar uma nova PEC, derrubando o teto)?
Barros - Claro, agora (nessa situação futura de aumento de arrecadação) o país está de outra forma, nós podemos alterar essa regra que foi estabelecida num momento em que era necessário.
Não é possível trabalhar nessas teses malucas de que o que é feito num momento de crise não serve para o momento de bonança. Claro que não serve. Não preciso fazer tese para descobrir isso.
Como nós estávamos num momento mais favorável (em anos anteriores) e o governo acabou tomando algumas decisões que levaram a essa crise, pode ser que lá na frente se decida abrir a possibilidade dos gastos.

Tem dinheiro para gastar? Vamos gastar. Tomara que tenha. Eu torço muito para que tenha, e bastante.

Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37932736

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Saúde, pós PEC 241 - Por Ligia Bahia


Publicado no Jornal O GLOBO - 24/10/2016

Poder Legislativo renuncia da função de formular políticas coordenará disputa pelas sobras de recursos 


Câmara dos Deputados aprovou um teto para despesas públicas; o apoio para cortar gastos em tempos de vacas esquálidas é quase intuitivo. Depois do convencimento de que há dinheiro público demais, saindo para os ladrões, aumentar despesas governamentais, em plena crise econômica, pareceria absurdo. Segundo defensores do novo regime fiscal, o que muda é o ritmo de incremento dos gastos e quem e como define prioridades. Nos próximos 20 anos, os orçamentos para a saúde poderão hipoteticamente dançar aos compassos do miudinho ou saltar sob um funk pauleira. No ano que vem, haverá um pequeno incremento, até os mais austeros reconheceram que a elevação dos recursos da Saúde de 13,5% para 15% da receita líquida não comprometería o andamento da economia.

Depois, será tempo de murici, cada um cuidando de si. Saúde, educação, ciência e tecnologia, cultura, esportes, entre outras políticas sociais, disputarão fatias de um fundo público diferente do atual. O valor dos gastos com políticas públicas não será a diferença entre o que se arrecada com impostos e contribuições e o pagamento de encargos e resgate da dívida. O teto ficará fixo, variando discretamente em tomo de uma inflação supostamente controlada, e a eventual elevação de receitas (se houver crescimento econômico, redução das taxas de juros, aumento de investimentos e empregos) será utilizada para pagar a dívida. O Poder Legislativo renuncia da função de formular políticas e coordenará a disputa pelas sobras de recursos.

Opositores das medidas restritivas questionam três âmbitos do redirecionamento da política fiscal. O primeiro refere-se à unilateralidade, consubstanciada em passar a tesoura em ações essenciais para a reprodução da vida e inserção social, sem cogitar ampliar receitas, sequer se referir às desonerações fiscais. O segundo domínio de interrogações concentra-se na impossibilidade de impor teto para obrigações previdência estabelecidas, que serão despesas crescentes durante os dez próximos anos. Ainda que se aprove a reforma da Previdência, o montante a ser dividido para as demais políticas sociais será necessariamente menor. E, por fim, a completa ausência de debates e esclarecimentos sobre as consequências, inclusive imediatas, da obtenção de maioria para aprovação da PEC 241. Os preços da governabilidade foram hiperinflacionados. Custa muito caro tomar o Ministério da Saúde um posto avançado da base parlamentar do governo, modelo recentemente replicado no Instituto Nacional do Câncer.
Pesquisas de opinião realizadas este mês apresentam resultados opostos em relação aos limites de gastos públicos. A da Confederação dos Transportes/MDA confirma a saúde como principal prioridade para 60,6% dos entrevistados e pouco conhecimento sobre a PEC 241: apenas 40,9% ouviram falar do teto para as despesas públicas e nesse subconjunto 60,4% aprovaram a medida. Na conduzida pela CUT/Vox Populi, a contenção das despesas com saúde, educação e assistência social por um prazo de 20 anos e aumento de acordo com a inflação foi rejeitada por 70%. Seja lá como se absorva ou conteste a validade dessas informações, é plausível inferir que ser favorável à punição da corrupção não autoriza manter ou aumentar taxas de mortalidade infantil e desigualdades de acesso às ações diagnósticas e terapêuticas.

Os críticos à Constituição de 1988, do pacto que vincula impostos a melhores condições de vida e saúde, não deveriam pular a parte da real situação do setor e o pagamento de tributos por toda a sociedade. A saída via planos privados individuais para que puder pagar só combinaria com renda alta, tributos reduzidos, mercados competitivos, irrelevância de pesquisas e inovações para a qualidade e prolongamento inexistência de doenças graves e prolongadas, como obesidade, autismo, demências, arboviroses. Objetivamente, os melhores padrões de saúde dependem de investimentos públicos. A da vida e crise econômica também afeta privadas. A falência da Unimed Paulistana e do Rio de Janeiro, a queda do número de contratos de planos de saúde decorrente do desemprego e mensalidades reajustadas acima da inflação pesam nas estreitas costas do SUS.

O sacrifício da saúde pública e da ciência e tecnologia foi questionado pela comunidade científica internacional. As conceituadas revistas "The Lancet" e "Science" publicaram depoimentos sobre os possíveis "desastres" da PEC 241, regressão de padrões alcançados de morbi-mortalidade e descontínuidade de pesquisas nacionais estratégicas. Decisões tomadas em fóruns reservados, empresariais, podem acalmar instantaneamente certos mercados, reafirmar credibilidade junto aos credores. Mas prejudicar uma geração inteira apavora quem tem por ofício ensinar, interrogar, buscar reunir evidências, equacionar problemas e testar e propor soluções. Um país que deixa de considerar mudanças demográficas, ocupacionais, sociais e ambientais na definição dos orçamentos para a saúde perde definitivamente integridade. 


Ligia Bahia é professora da UFRJ 
ligiabahia55@gmail.com


Fonte: https://www.abrasco.org.br/site/2016/10/saude-pos-pec-241-por-ligia-bahia/

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Medicamento: esclarecimento sobre matéria no portal G1

Matéria no G1 de hoje, intitulada “Falhas da Anvisa colocam saúde dos brasileiros em risco, diz TCU”, aponta que relatório do Tribunal de Contas da União “apontou falhas da agência no controle pós registro de medicamentos”. A matéria completa pode ser acessada no link http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/10/falhas-da-anvisa-colocam-saude-dos-brasileiros-em-risco-diz-tcu.html.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária publicou nota sem seu site  intitulada: “Medicamento: esclarecimentos sobre matéria no portal G1”. Veja abaixo a nota na íntegra:

 

“Em relação à notícia publicada nesta quarta-feira (19/10), no portal G1, sob o título “Falhas da Anvisa colocam saúde dos brasileiros em risco, diz TCU”, a Anvisa vem ressaltar: é uma autoridade reguladora reconhecida como de referência em todo o mundo, como destacam organismos com a devida competência técnica para tal avaliação. É o caso da Organização Mundial da Saúde (OMS), entidade que estabelece os padrões de qualidade para atividade regulatória em saúde, que reconhece a eficiência da Agência nas funções necessárias para a regulação de produtos relacionados à saúde.
Já a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), escritório regional da OMS, coloca a Anvisa como Autoridade Reguladora Nacional de Referência Regional Nível IV, o mais alto da avaliação, no que tange à regulação, ao monitoramento e à fiscalização. Outras agências regulatórias, que estão entre as melhores do mundo, também fazem esse reconhecimento à Anvisa, expresso por mais de 30 acordos bilaterais firmados com a Agência para compartilhamento de informações sobre processos de registro e de fiscalização.
Por sua vez, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) concedeu, no ano passado, o status de equivalência regulatória com a Anvisa para o processo de produção dos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFA), a matéria-prima dos medicamentos, após criteriosa análise dos processos utilizados pela Anvisa.
Todos esses fatos asseguram que os procedimentos adotados pela Anvisa para registro, fiscalização e demais atividades regulatórias alcançam os mais elevados padrões do mundo. Apesar dessas reiteradas demonstrações da qualidade dos nossos procedimentos para garantir medicamentos seguros e eficazes para o consumidor brasileiro, estamos cientes do nosso dever de buscar o contínuo aperfeiçoamento de todos os nossos processos.
O registro de um medicamento somente é concedido após a Anvisa avaliar criteriosamente os estudos clínicos, dados de fabricação e controle de qualidade que comprovem sua eficácia, segurança e qualidade. A renovação automática é um ato de extensão da validade do registro previsto em lei, mas não impede a continuação da análise da revalidação de registro e não altera as características do medicamento. A Anvisa possui ferramentas para monitorar os produtos no mercado durante todo seu ciclo de vida, o que é essencial para garantir que os requisitos aprovados no momento da concessão do registro sejam mantidos.
Portanto, correlacionar o percentual de renovações automáticas com o aumento do risco à saúde revela desconhecimento sobre todos os instrumentos de monitoramento sanitários que, de fato, são os principais meios de controle da manutenção dos requisitos de eficácia, segurança e qualidade dos medicamentos em comercialização. Essas práticas adotadas pela Anvisa são similares àquelas adotadas pelas principais agências reguladoras do mundo. 
No tocante à fiscalização de produtos, as empresas estrangeiras fabricantes de medicamentos somente são autorizadas a exportar produtos para o Brasil após sofrerem uma inspeção sanitária, in loco, pela Anvisa.
Em relação ao combate de medicamentos falsificados e demais produtos irregulares, crimes que, ressalte-se, têm hoje muito menos registros que no passado, a Anvisa tem colaborado com a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Ministério Público, dentre outros, prestando auxílio técnico e informações pertinentes a esses órgãos, inclusive participando de operações de combate ao contrabando, adulteração e produção irregular de medicamentos, além da apreensão desses produtos e interdição dos estabelecimentos irregulares.
Desde 2001, a Agência desenvolve o Programa Nacional de Verificação da Qualidade de Medicamentos – Proveme, que insere continuamente novos medicamentos, com base nas notificações de queixas técnicas e desvio de qualidade e consumo, bem como os que são distribuídos em programas especiais do Ministério da Saúde.
Atualmente, são realizadas análises laboratoriais em cerca de 100 diferentes amostras de medicamentos por mês. No caso de resultados insatisfatórios, o medicamento é prontamente interditado até que sejam realizadas análises de averiguação. Caso o resultado se mantenha insatisfatório, o produto tem sua comercialização suspensa, é recolhido do mercado e um processo administrativo sanitário é instaurado contra a empresa produtora, o que pode resultar em penalidades e multas.

Queixas técnicas e eventos adversos com medicamentos são notificados à Anvisa pelo Sistema Notivisa (Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária), que desde 2007 é utilizado pelos profissionais de saúde, empresas produtoras e pela população em geral. O fato de os sistemas Periweb e Notivisa não estarem integrados de forma automática não significa que a Anvisa desconheça eventos notificados no estado de São Paulo.  Essas notificações são compartilhadas através de fluxo estabelecido entre a Anvisa e a Secretaria de Saúde de SP, possibilitando a avaliação conjunta sempre que necessária. Isso permite que a ação regulatória seja tomada no âmbito que couber – estadual ou nacional, conforme os resultados das avaliações feitas.

Fonte: http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/medicamento-esclarecimentos-sobre-materia-no-portal-g1/219201?p_p_auth=TC6czZpp&inheritRedirect=false&redirect=http%3A%2F%2Fportal.anvisa.gov.br%2Fnoticias%3Fp_p_auth%3DTC6czZpp%26p_p_id%3D101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3D_118_INSTANCE_62lkCoOZY6xN__column-1%26p_p_col_count%3D1

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Justiça reafirma legalidade das atribuições clínicas do farmacêutico.


O Tribunal Regional Federal da 5ª Região cassou liminar concedida às associações medicas Brasileira (AMB) e do Rio Grande do Norte que suspendia, no estado do Rio Grande do Norte, a Resolução do CFF nº 585/13. Com a decisão, a referida norma, que regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico, volta a vigorar naquele estado e, por conseguinte, plenamente no país inteiro. A decisão favorável é mais uma entre muitas obtidas pelo CFF desde a publicação desta normativa e também da Resolução CFF nº 586/13, que autoriza os farmacêuticos a prescreverem medicamentos. Todas as investidas das entidades médicas contra as duas resoluções até agora foram infrutíferas, sejam em instâncias federais ou regionais.

Na decisão, o desembargador federal João Bosco Medeiros de Sousa, afirmou que não encontrou evidências de que a Resolução nº 585/13 resulte em extrapolação da previsão legal contida na Lei 12.842/13, do ato médico. Pelo contrário, “a norma impugnada apenas autorizou, no âmbito da farmácia clínica, a prescrição pelo farmacêutico de medicamentos isentos de receita médica ou que contenham prévia prescrição médica mediante protocolos adotados em programas de saúde”. A peça cita, ainda, as prerrogativas do farmacêutico de prover consulta farmacêutica em consultório apropriado; fazer a anamnese com o propósito de prover cuidado ao paciente, além de identificar, avaliar e intervir nas interações medicamentosas indesejadas e clinicamente significantes.

O desembargador salientou que não houve “extrapolação das atribuições regulamentares do CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, uma vez que ele atuou conforme delegação prevista Lei nº 3.820/60 ao editar a Resolução CFF nº 585/2013”. Citando o artigo 6º, o desembargador destacou a previsão de o CFF deliberar sobre questões oriundas do exercício de atividades afins às do farmacêutico, ampliar o limite de competência do exercício profissional, expedir resoluções definindo ou modificando atribuições ou competência dos profissionais de Farmácia e zelar pela saúde pública, promovendo a assistência farmacêutica.

PARA LER A ÍNTEGRA DA DECISÃO, CLIQUE AQUI.

O presidente do CFF, Walter da Silva Jorge João, vê a decisão com a serenidade de quem tem a convicção de que as resoluções editadas pelo conselho são legais e pertinentes. Ele destaca que, em todas as decisões proferidas até agora, a Justiça tem reafirmado que as normativas se restringem ao propósito exclusivo de respaldar atribuições do farmacêutico, para as quais este está tecnicamente preparado, em favor da saúde da população. “Felizmente temos visto prevalecer a verdade, a despeito das calúnias, das mentiras e dos interesses corporativos de algumas entidades médicas”, comentou.
Ao regulamentar as atribuições clínicas do farmacêutico e ao regular a prescrição farmacêutica, Walter Jorge João assinala que o CFF exerceu a sua atribuição legal, se limitando ao escopo de atuação do farmacêutico. “As normas se restringem aos direitos e os deveres do farmacêutico, ao prestar cuidado individual ou coletivo, e de forma colaborativa, sempre que necessário”, comenta. “Nenhuma resolução do CFF autoriza farmacêuticos a procederem ao diagnóstico nosológico ou ao tratamento de doenças. As resoluções em questão respaldam os farmacêuticos a atender consultas, solicitar e avaliar resultados de exames e prescrever medicamentos estritamente dentro do seu escopo de atuação”, salienta.

A consulta farmacêutica prevista na Resolução CFF nº 585/13 tem a finalidade exclusiva de viabilizar o acompanhamento da eficácia e da efetividade dos tratamentos prescritos, além de sanar dúvidas sobre uso de medicamentos, reações adversas, precauções durante o uso e outras. Está explicitado nesta mesma resolução que o farmacêutico NÃO pode solicitar exames com finalidade de fazer diagnóstico nosológico. O farmacêutico está amparado a solicitar exames para identificar se os tratamentos prescritos ao paciente estão sendo efetivos e seguros. Em caso de falha, o farmacêutico deve encaminhar o paciente ao prescritor, para que este adote as providências necessárias.

De acordo com a Resolução CFF nº 586/13, todo farmacêutico pode prescrever medicamentos isentos de prescrição médica (MIPs) para tratar sinais e sintomas que a população, de forma errada, trata por conta própria ou com indicação do amigo, do parente, do vizinho e do ator ou jogador de futebol que apareceu na propaganda da TV. Uma das finalidades da prescrição de MIPs é reduzir a automedicação naqueles casos em que o medicamento é contraindicado ou que o paciente tem um problema de saúde que exige diagnóstico médico.

Apenas em colaboração com o médico, quando há diagnóstico nosológico prévio ou quando houver previsão em programa, protocolo ou diretrizes técnicas de instituições de saúde o farmacêutico pode prescrever medicamentos tarjados. Ou seja, a Resolução CFF n° 586/13 deixa claro que somente quando um médico optar por contar com a colaboração de um farmacêutico é que ele poderá prescrever medicamentos tarjados. E essa prescrição somente ocorrerá nos termos do acordo de colaboração que celebrarem. Além disso, a prescrição de tarjados não é facultada a qualquer farmacêutico. Ela está prescrição está condicionada à titulação de especialista profissional do farmacêutico na área clínica. O título deve validado pelo Conselho Regional de Farmácia de sua jurisdição.

“A consulta, os pedidos de exame e a prescrição, nos moldes previstos nas resoluções do CFF, são atribuições do farmacêutico. É ele que tem o conhecimento e a expertise para avaliar os melhores resultados da farmacoterapia”, destaca o presidente do CFF. Diante do imbróglio jurídico que foi criado a partir de argumentos completamente equivocados e mentirosos, e das campanhas caluniosas orquestradas com o claro objetivo de confundir a opinião pública, a única certeza que resta é que a única preocupação das entidades médicas é a reserva de mercado, em detrimento do direito dos usuários de serviços da saúde a uma assistência multiprofissional e de qualidade.


Fonte: Comunicação do CFF 
Disponível em: http://www.cff.org.br/noticia.php?id=4115&titulo=+Justi%C3%A7a+reafirma+legalidade+das+atribui%C3%A7%C3%B5es+cl%C3%ADnicas+do+farmac%C3%AAutico