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sexta-feira, 14 de abril de 2017

Temer veta projeto que interditaria farmácias com remédio falsificado

Título original: Temer veta projeto de Humberto que interditaria farmácias com remédio falsificado


Apesar de ter sido aprovado com apoio massivo dos parlamentares no Congresso Nacional, o projeto de autoria do líder da Oposição no Senado, Humberto Costa (PT-PE), que interdita farmácias que vendem medicamentos, insumos e cosméticos falsificados, até o fim das investigações, foi vetado pelo presidente não eleito Michel Temer (PMDB). As razões para o veto foram publicadas nessa quarta-feira (12) no Diário Oficial da União.
Para Humberto, o Palácio do Planalto cometeu um grande equívoco ao considerar a proposta contrária ao interesse público e inconstitucional, conforme descrito na justificativa do ato. Segundo ele, a legislação atual, que prevê o fechamento de drogarias e distribuidoras de remédios envolvidas na prática das infrações sanitárias por apenas três meses, está ultrapassada, prejudica os consumidores e livra os infratores de punição.
“Em muitos casos, a investigação sobre as irregularidades detectadas nos estabelecimentos ultrapassa esse período e eles voltam a atuar, sem sofrerem qualquer tipo de sanção ou impedimento, mesmo tendo cometido crime, e colocando risco à saúde pública”, afirma.
O parlamentar ressalta ainda que os processos administrativos e judiciais destinados à apuração das responsabilidades costumam se arrastar por anos, quase como uma abonação aos infratores. “A proposta mudaria completamente esse cenário e contribuiria para acabar com a cultura da impunidade, que resulta no crescimento dessas práticas abomináveis”, observa o parlamentar.
De acordo com o líder da Oposição, o projeto de lei vetado por Temer corrigiria uma falha da legislação brasileira, pois atualmente, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que apoiou o projeto de Humberto, ou órgãos estaduais e municipais da área lacram um estabelecimento, ele pode voltar a funcionar normalmente depois de 90 dias.
No veto, o governo elogia a iniciativa de Humberto, classificando-a de louvável, mas alega que a inexistência de prazo para o estabelecimento voltar a funcionar é “irrazoável do ponto de vista econômico, podendo representar o fim das atividades do empreendimento”.
Além disso, o governo argumenta que o projeto de Humberto criaria “um incentivo negativo, ao não estabelecer um limite ao setor público para a conclusão de etapa do processo administrativo sanitário”.
Para o senador, as duas justificativas são absolutamente incompreensíveis. “Ora, o governo está admitindo a possibilidade de que a administração pública se sentiria desobrigada ou desestimulada a investigar rapidamente os crimes cometidos. Ele também está demonstrando uma preocupação com o comércio que age de má-fé, visando especificamente o lucro, em detrimento da população. Não é cabível”, criticou.
Humberto acredita que, com o veto de Temer, as atividades de pirataria e adulteração de produtos destinados ao consumo, infelizmente, continuarão ocorrendo no país sem o devido rigor na fiscalização e controle.
Fonte: http://www.senadorhumberto.com.br/temer-veta-projeto-de-humberto-que-interditaria-farmacias-com-remedio-falsificado-2/

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Um grave retrocesso - sobre os planos populares de saúde


O Brasil ainda é referência internacional em saúde pública para países que buscam sistemas com equidade e integralidade, conforme afirmou inclusive o Banco Mundial. Isso a despeito de todas as dificuldades políticas, econômicas e sociais.

A constatação alvissareira, porém, não condiz com a proposta do Ministério da Saúde de criar planos privados teoricamente mais acessíveis.

O alvo seria o cidadão com rendimentos insuficientes para adquirir um plano nos moldes dos atuais com cobertura integral.

Tal propositura busca reduzir o contingente de pessoas que depende exclusivamente do SUS. É mudança significativa em nosso modelo, priorizando o sistema suplementar em detrimento do público.

Nas ideias até o momento apresentadas, a parte mais onerosa do sistema -ou seja, os procedimentos de alta complexidade, de maior impacto nas contas públicas e que são objetos da maioria dos processos judiciais- ficará unicamente a cargo do Estado. Essa fórmula se configura excelente negócio apenas às empresas, que aumentarão as fontes de lucro e terão riscos bem reduzidos.

Essas propostas já levadas a um grupo de trabalho do Ministério da Saúde apontam para a formatação de dois modelos de plano: um somente ambulatorial, excluindo procedimentos de alta complexidade, como quimioterapia, urgências e emergências. O outro seria ambulatorial e com internação, mas exclui também alta complexidade, reduzindo a cobertura assistencial por meio da criação de novo rol de procedimentos.

Prevê ainda a possibilidade de aumentar os prazos estipulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para consultas, internações e cirurgias; reajustes anuais baseados em planilhas de custos das empresas; e introdução de protocolos clínicos de uso obrigatório.

Seria um grave retrocesso, pois segmentará a assistência à saúde, condição esta rejeitada quando da promulgação da lei nº 9.656/98.

Com produtos assim, o consumidor não saberá exatamente o que está adquirindo, considerando os milhares de procedimentos hoje existentes na prática médica, além de avanços tecnológicos e científicos.

Como lidar com as pessoas portadoras de uma determinada doença, em tratamento por meio de um plano de saúde, que, em um dado instante, apresentam complicações, exigindo procedimento que foi excluído? Deverão elas se dirigir ao SUS e percorrer um longo caminho até conseguir acesso? E quanto ao agravamento da condição de saúde nestas circunstâncias?

A rede suplementar está inserida na Constituição Federal como parte integrante de nosso sistema de saúde e, portanto, tem responsabilidade com o atendimento integral aos cidadãos que dela dependem.

Para o médico que vier a trabalhar nesse modelo, o exercício da profissão se tornará extremamente vulnerável, já que terá cerceada sua autonomia por imposição de "protocolos". Ele se verá na condição de ter limitadas suas possibilidades de orientação pela exclusão contratual de inúmeros procedimentos.

O cenário que se vislumbra é de enormes dificuldades para profissionais de saúde e consumidores, além de uma afronta aos direitos previstos na Legislação, no Código de Defesa do Consumidor e nas inúmeras resoluções normativas da ANS. Certamente haverá aumento de processos judiciais, implicando significativo número de pacientes que terão seus problemas de saúde dependendo de decisões judiciais.


Florisval Meinão, otorrinolaringologista, é presidente da Associação Paulista de Medicina. Artigo publicado na Folha de São Paulo (28/12/16).

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/12/1844823-um-grave-retrocesso.shtml

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A República sem direito à saúde - por Alexandre Padilha

Por Alexandre Padilha
Publicado na Carta Capital


Golpe é golpe, não é apenas uma alternância de governo ou poder. A tomada do Palácio do Planalto pela aliança partidária PMDB/PSDB/DEM, alicerçada por um bloco histórico com atores do Judiciário, do aparato policial, das parcelas monopolistas da mídia e financiada pelos setores econômicos nacionais e internacionais, deixaram claro a que vieram, desde os seus primeiros movimentos e discursos. Apesar do golpe ter recebido apoio de parcelas da população sob o apelo da retomada econômica e do combate à corrupção, não é esta a agenda das suas ações e movimentos desde o seu início.
 
Depois de seis meses, qual a ação, atitude, lei ou programa foi desenvolvido até agora com foco no fortalecimento do combate à corrupção ou de recuperação da atividade econômica? Nenhum. Qual tem sido a capacidade da aliança política-social-econômica em superar a crise política e institucional instalada no país desde a derrota eleitoral do PSDB, em 2014? Nenhuma. É um governo cujos atores estão imersos e partícipes da crise. A única agenda para qual as atitudes e projetos são claros é a destruição do Estado instituído pela Constituição de 1988, plataforma para ampliação de direitos e conquistas sociais e base para o mais longo período democrático da história do Brasil. Os bastidores e o desfecho do acordão da contenda Senado e STF, na última semana, provou claramente que, mais do que a agenda prioritária, a destruição dos pilares sociais da nossa Constituição e das conquistas sociais recentes é a única agenda que atualmente unifica todos os atores da aliança golpista. Aceita-se tudo, fecham-se os olhos para tudo, silencia-se sobre tudo, desde de que não se atrase a votação da PEC do congelamento. A sua aprovação marcará o início de mais uma fase da história da República Brasileira.
 
Assim como o AI5 foi apenas o quinto ato do regime militar, quatro anos depois do golpe e deu o tom da face mais cruel do Estado instalado, o esforço para a aprovação da PEC do congelamento deixa claro qual a disposição da atual aliança que tomou o Brasil.Tancredo Neves teve a sorte, ainda em vida, de cunhar a expressão a "Nova República" com o fim da era dos governos militares. Como será denominada a República do golpe de 2016? Certamente ainda está para ser cunhada (sem trocadilho com um dos líderes do golpe) e não virá da boca do presidente golpista, mas ela terá a marca de ter destruído qualquer amparo para a garantia dos Direitos garantidos na Constituição de 1988: uma República Sem Direitos.
 
A PEC que institui um longo e rigoroso inverno de 20 anos de congelamento dos investimentos públicos não pode ser entendida apenas como um instrumento de ajuste fiscal. Nenhum ajuste fiscal e nenhuma crise justifica um novo regime de congelamento dos investimentos públicos durante um período de 20 anos, a não ser se os seus defensores acreditassem que ficaremos por 20 anos em crise econômica, o que seria um contrasenso no próprio capitalismo. Criar um novo regime fiscal por duas décadas só se explica por dois motivos: o primeiro, provar para quem financiou e propagandeou o golpe por meio da desestabilização do governo eleito pelo voto popular que a aliança PMDB/PSDB/DEM/Mídia/Judiciário tem força e maioria congressual para aprovar o que quiser, já que tem condições de aprovar um austericídio como esse. O Segundo, aproveitar a crise econômica e o golpe, para destruir a garantia dos Direitos no campo da Seguridade Social, inviabilizando definitivamente o SUS, a Previdência Social, a expansão no acesso e qualidade da Educação e a política de transferência de renda e valorização do salário mínimo, para falar das políticas públicas mais impactantes. Ou seja, criar um regime fiscal que inviabiliza os Direitos garantidos na Constituição de 1988.

Criar uma regra e uma expectativa de congelamento para todos os atores envolvidos no campo de saúde é dizer que a expressão “Saúde é um direito de todos e um dever do Estado” contida em nossa Constituição será letra morta. Se o SUS, aposta inédita para um país de 200 milhões de habitantes e fruto de um consenso possível da Constituição de 1988, que envolveu interesses de vários segmentos, inclusive privados, já respira por aparelhos desde a sua criação, a PEC do congelamento é o ato de desligá-los, deixando este jovem de 28 anos sem expectativa de suporte.
 
Os impactos da aprovação da PEC do congelamento para o Direito à Saúde já foram bem descritos. Ao ser adotada como critério de correção dos investimentos feitos pelo Ministério da Saúde nos próximos 20 anos significará uma perda de R$ 205 bilhões, caso fiquemos em 0% de crescimento da economia, a R$ 400 bilhões nos recursos para a saúde se crescermos 2%. Isto significa uma redução dos investimentos federais por habitante em saúde dos atuais R$ 519 para R$ 411 daqui há 20 anos. Segundo o relatório de 2015 da Organização Mundial da Saúde (OMS), o setor público no Brasil investe por habitante de 4 a 11 vezes menos do que outros países que buscam garantir atendimento público e gratuito à sua população. Investimos menos que a Argentina e o Chile, por exemplo: Brasil (US$ 591), Argentina (US$ 1,16 mil), Chile (US$ 795). Quando comparamos o investimento público do Brasil em relação ao nosso PIB (3,8%), segundo dados de 2014, investimos menos até do que a Colômbia (5,4%), Equador (4,5%) e Paraguai (4,5%). A PEC vai fazer com que esta situação piore ainda mais, porque congela os investimentos em saúde por 20 anos, independente do crescimento da economia, do crescimento da população e do aumento de preços dos produtos, medicamentos e serviços de saúde. Importante lembrar que, em geral, este aumento fica de 1,5 a 2x maior do que a inflação geral medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).O Brasil já investe pouco em Saúde Pública. Com esta PEC congelará este investimento.
 
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em cerca de 20 anos (de 1990 a 2012) o Brasil reduziu em 77% a mortalidade infantil. Foram 177 mil crianças por ano que deixaram de morrer até os 5 anos. Essas crianças, que antes morriam, felizmente agora precisam de mais cuidado. Congelar os investimentos pelos próximos 20 anos é fingir que essas crianças não sobreviveram. Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje temos cerca de 25 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais. Daqui a 20 anos, serão cerca de 49 milhões. Um estudo a partir de dados do SUS mostra que 44,3% das pessoas com mais de 60 anos procuraram no mínimo três vezes o médico em um ano, e cerca de 10% foi internada pelo menos uma vez. Em 2015, o gasto médio do SUS para pessoas de 60 a 69 anos foi 73% maior do que as pessoas de 30 a 39 anos. Congelar os investimentos no atual nível por 20 anos é esquecer que teremos mais idosos procurando mais serviços de saúde e dependendo mais do SUS.
 
Parlamentares, que nos últimos anos se notabilizaram na oposição aos então governos Lula e Dilma, que defendiam mais recursos para a saúde sem discutir medidas de justiça tributária para financiá-lo e que agora são os porta-vozes e relatores da PEC do congelamento, ainda tentam dizer que a mesma não necessariamente impõe a mesma regra para o setor saúde.Em tal argumentação, os recursos para continuar a expansão do SUS poderiam vir da redução de outros investimentos públicos. Esse conto da carochinha, se viável, significaria cortes ainda mais intensos na Educação, políticas de transferência de renda e salário mínimo, previdência social, reestruturação e valorização de carreiras públicas, com impactos diretos na saúde das pessoas. Mais do que a evolução do PIB, diversos estudos mostram que indicadores de desemprego, queda de renda e redução da capacidade de consumo apresentam uma relação direta com a vida e a saúde das pessoas. O desemprego está diretamente relacionado à insatisfação, depressão e insônia. Nos países europeus para cada 1% de aumento da taxa de desemprego há o registro de 0,79% de aumento na taxa de suicídio. A queda na renda gera impacto direto nos padrões de consumo das famílias, nos hábitos alimentares, no aumento do consumo de bebida alcoólica com mais alto teor etílico, profunda restrição de acesso ou interrupção de tratamentos continuados. O medo do desemprego leva o trabalhador a se expor mais ao trabalho com resultados diretos em doenças ocupacionais ou perda de qualidade de vida. Crises econômicas são acompanhadas de aumento nos índices de violência, doméstica e urbana, demandando ainda mais os serviços de saúde.
 
Cortar na saúde tão pouco parece ser uma medida com evidências consolidadas de que tenha contribuído para a recuperação econômica. Pelo contrário, várias análises defendem que os países que a adotaram, retardaram sua recuperação. A partir da avaliação das respostas praticadas por países europeus pós crise de 2008, revela-se que aqueles que praticaram a combinação de cortes no orçamento da Saúde, com fechamento de serviços, redução de salários dos trabalhadores, aumento de cobrança total ou co-pagamento de exames e medicamentos, restrição ao atendimento aos imigrantes e população de rua registraram pioras nos indicadores de saúde e não apresentaram recuperação econômica. Ou seja, cortes fazem mal para a Saúde e para a economia.
 
No caso do Brasil, entendendo a capilaridade da presença dos profissionais de saúde e dos investimentos do SUS, o peso que tem o mercado público para mobilizar a atuação de grandes atores privados como a indústria farmacêutica, de equipamentos em saúde, de serviços para as unidades de saúde com alta intensidade de mão de obra ( limpeza, administração, alimentação, segurança, construção civil, etc...) e o papel regulador em uma ampla lista de atividades econômicas (agronegócio, alimentação, cosméticos, equipamentos, insumos e planos de saúde) certamente o impacto é semelhante. Estudos já revelaram que no Brasil a cada R$1,00 investido em Saúde, retorna-se R$ 1,7 em crescimento do PIB.
 
Mas a Questão não é só econômica, é política. Por debaixo do “só gastar o que se arrecada” que embala a PEC do Congelamento, vem uma esteira de justificativas para o desmonte de políticas sociais, denominadas “gastos de custeio” por uma vertente de economistas e papagaios da agenda da austeridade. Esse mantra busca amortecer todo o debate sobre como arrecadar e de quem arrecadar, fundamental para sustentabilidade de um Direito à Saude ousado para um país da nossa dimensão. Só com mais justiça tributária, tirando dos mais ricos, foi possível construir Sistemas Nacionais Públicos de Saúde mundo afora. E no Brasil não poderá ser diferente.
 
A outra perna do movimento político trata de inviabilizar o SUS como alternativa possível para a promoção, prevenção, e cuidado à saúde, deixando o caminho aberto para todo tipo de plano de saúde. Nestes 28 anos, o SUS não foi apenas uma política pública que ampliou o acesso a saúde e impactou em indicadores epidemiológicos como nunca no Brasil, embora muito ainda precisa ser feito. Mais do que isso, o SUS foi uma plataforma para a cidadania. Quantos atores políticos não surgiram no Brasil por conta do SUS: os antigos usuários de manicômios, a saúde do trabalhador, as mulheres e a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos, o movimento LGBT, inicialmente na luta contra a AIDS, e hoje  na luta por uma atenção integral livre de preconceitos, os trabalhadores rurais na busca por acesso à saúde e defesa do meio ambiente, a população negra e indígenas apontando o dedo na ferida para suas vulnerabilidades específicas, as famílias de pessoas com doenças específicas e das pessoas com deficiências. Surgiram movimentos. Essas se descobriram como ativistas. Redes e articulações foram sendo criadas a cada conselho local, a cada conferência, a cada marcha, a cada audiência pública propiciada pelo SUS. Destruir esta plataforma, catalisadora de cidadão e cidadãs é essencial para a República sem direitos prosperar.
 
Sou filho de lutadores pela democracia em meio a uma ditadura e sua face mais cruel com o período do AI5. Na luta do dia e pela vida, uma geração inteira resistiu e foi capaz de dar passos decisivos para transformação democrática do Brasil. Esta experiência, somada aos milhões de cidadãos que surgiram nas lutas por avanços de Direitos no Brasil, e com o gás dos movimentos de juventude que protagonizam o enfrentamento ao golpe, nos dá energia para impedirmos tamanho retrocesso no país.
 
Para mim, no campo da saúde, nossas tarefas estão claras. Primeiro precisamos estar perto e sintonizados com todxs esses atores que o SUS construiu ao longo dos seus 28 anos, porque é daí e não de gabinetes ou desse Congresso que surgirão as formas de lutarmos pela ampliação do nosso Direito à Saúde. Segundo, acordar uma proposta imediata de financiamento global da saúde, envolvendo taxação de grandes heranças, taxação de grandes circulações financeiras, de atividades nocivas à saúde (bebida, tabaco, acidentes de trânsito, agrotóxicos, etc) e ampliação do ressarcimento dos planos de saúde ao sistema público. Terceiro é estar junto de uma frente ampla por uma saída democrática para crise política (Diretas Já) e que tenha a redução desigualdade e a nossa inserção soberana no mundo como atores da recuperação econômica. O SUS não surgiu sozinho. Ele surgiu e se afirmou em um contexto geral de redemocratização do pais. Direito à Saúde só existe com Democracia. É por isso que devemos continuar a luta.
 
*Secretario Municipal de Saúde de São Paulo; Ministro da Saúde de Dilma e da Coordenação Política de Lula

Fonte: http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FSaude%2FA-Republica-sem-direito-a-saude%2F43%2F37437#.WFAM1_Ki-b4.facebook

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Farmacêutica diz: "PEC 241 é contra o Brasil"

Título original: PEC 241 é contra o Brasil, por *Vanessa Graziotin
Publicado na Folha de SP - 11/10/2016


Ao promulgar a Constituição Cidadã de 1988, Ulysses Guimarães destacou os avanços ali contidos, sobretudo nos direitos sociais, sublinhando que o Brasil era o "quinto país a implantar o instituto moderno da seguridade, com a integração de ações relativas à saúde, à previdência e à assistência social".
Dr. Ulysses, orgulhoso, apelou para que, no futuro, não houvesse outra Assembleia Nacional Constituinte que colocasse em risco essas conquistas. Passados 28 anos, estamos prestes a ver o desmonte completo desses direitos a partir da PEC 241, patrocinada pelo seu correligionário Michel Temer (PMDB), que congela os gastos públicos por 20 anos, tanto em infraestrutura quanto na área social.
Assim, saúde, educação, assistência social, ciência e tecnologia, esporte, habitação, saneamento, segurança, cultura, agricultura, indústria, meio ambiente, turismo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, bem como a política de aumento real do salário mínimo e programas como Bolsa Família, Luz para Todos, Mais Médicos, etc. estarão comprometidos e mesmo inviabilizados.
Esse novo regime fiscal, se aprovado, destruirá as bases do modelo de cidadania alcançado em 1988. Não por acaso, a PGR e o próprio STJ se manifestaram contra a proposta por ser inconstitucional.
E nem poderia ser diferente, na medida em que nasce de um governo ilegítimo, fruto de um "tropeço da democracia", que pretende definir uma política de Estado para os próximos 20 anos.
Estudo da consultoria do Senado, projetando o impacto dessa PEC em saúde e educação de 2015 até 2018, revela números estarrecedores: uma redução de R$ 255,5 bilhões na educação e de R$ 168,2 bilhões na saúde.
E para piorar a situação, as despesas desses setores perderiam seus critérios de proteção com a inversão da lógica constitucional, ou seja, onde há obrigação de gastos mínimos haveria um teto.
Para aprovar a "PEC da Maldade" o "governo" Temer está recorrendo a qualquer expediente, incluindo publicidade farta e enganosa à custa do escasso erário. A pressa de Temer e seus aliados nessa matéria é de natureza ideológica.
Visa reduzir as despesas públicas em investimentos e programas sociais para assegurar a rentabilidade dos especuladores, que, apenas em 2015, embolsaram R$ 501,8 bilhões de juros da dívida, enquanto a despesa com benefícios previdenciários foi de R$ 436,1 bilhões.
Privilegia-se assim o capital rentista em detrimento dos serviços públicos prestados à sociedade.
Se o que está ameaçado são os serviços públicos, direitos dos mais pobres, dos trabalhadores e a nossa Constituição Cidadã, quem vota a favor da PEC 241 vota contra o Brasil!
*Vanessa Graziotin é senadora pelo PC do B do Amazonas. Escreve às terças-feiras no Jornal Folha de São Paulo.
Fonte: https://www.portalaz.com.br/blog/blog-do-murilo/381782/pec-241-e-contra-o-brasil-por-vanessa-graziotin

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

FIOCRUZ: "A PEC 241 e os impactos sobre os direitos sociais, a saúde e a vida"

Instância colegiada que reúne a Presidência e as diretorias das unidades da Fundação Oswaldo Cruz, o Conselho Deliberativo (CD) da Fiocruz torna pública a carta aberta A PEC 241 e os impactos sobre os direitos sociais, a saúde e a vida. O documento alerta a sociedade, o governo federal e o Congresso Nacional sobre os efeitos negativos da Proposta de Emenda à Constituição 241/2016, assim como os de outros projetos em curso no Legislativo, que “conformam um projeto de revisão dos preceitos constitucionais de garantia do direito universal à saúde e desenvolvimento da cidadania, implicariam em danos significativos à saúde e à vida das pessoas”.
A carta foi aprovada depois de reunião aberta do CD Fiocruz (30/10), que reuniu em uma mesa-redonda o presidente da Associação Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde (Ampasa), Gilmar de Assis; o diretor-científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), Jerson Lima Silva; dois representantes do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Wanderley Gomes da Silva e André Luiz de Oliveira; e o coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fundação, Antonio Ivo de Carvalho; e o presidente Paulo Gadelha.
Leia na íntegra a carta do Conselho Deliberativo da Fiocruz: 
"A PEC 241 e os impactos sobre os direitos sociais, a saúde e a vida
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição estratégica do Estado para a ciência e a tecnologia em saúde, dirige-se, por resolução de seu Conselho Deliberativo, ao conjunto da sociedade brasileira e, em especial, ao Governo Federal e o Congresso Nacional para alertar sobre os efeitos negativos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, assim como os de outros projetos legislativos em curso, que conformam um projeto de revisão dos preceitos constitucionais de garantia do direito universal à saúde e o desenvolvimento da cidadania e que, se aprovados, implicariam danos significativos à saúde e à vida das pessoas.
A proposição da PEC 241, em particular, parte do pressuposto de que os atuais problemas econômicos são decorrentes do excesso de gastos públicos com a sociedade. Com esse diagnóstico, cria-se um clima alarmista que justificaria a contenção de programas sociais e iniciativas redistributivas das últimas décadas, responsáveis pela redução, ainda que limitada, da enorme desigualdade social que a sociedade brasileira ainda enfrenta.
O envio ao Congresso Nacional da PEC 241/2016, instituindo o chamado Novo Regime Fiscal, representa e consolida a tese de que a forma exclusiva de enfrentar a crise fiscal é o corte de gastos sociais e, portanto, a restrição de direitos, mantendo ao mesmo tempo intocado o questionamento sobre a dívida pública e seu regime de juros que representam, estes sim, a razão maior do comprometimento do orçamento da União.
Através dos artigos 101 a 105 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, proposto pela PEC 241, cria-se um teto orçamentário definido pela inflação do período, que retira a progressividade dos direitos sociais e a autonomia da sociedade brasileira e do Congresso Nacional de ajustar o gasto público às dimensões de suas prioridades e estratégias de desenvolvimento econômico e social, ferindo o ordenamento da Constituição de 1988.
A PEC 241 prevê, que durante os próximos 20 anos, o orçamento seja acrescido apenas da variação inflacionária (INPC) sobre o valor de 2016. Considerando a prática corrente, que transforma os pisos fixados em lei para despesas de saúde e educação em tetos, isso significa que mesmo que a receita e o PIB cresçam acima da inflação, não haverá aumento de recursos para essas áreas.
Importante destacar recente simulação elaborada por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para o caso da saúde, comparando com o que previa anteriormente a EC29 (executado no ano anterior + variação do PIB), ou a progressividade de percentuais sobre a Receita Corrente Líquida ( RCL), vigente a partir deste ano: a) caso essa PEC houvesse sido aplicada a partir de 2003, até o ano de 2015 teria havido uma perda de 42,1% dos recursos efetivamente aplicados no período, correspondendo a uma subtração equivalente a 257 bilhões de reais; b) sendo implementada a partir de 2017 e considerando 20 anos à frente, apontam perdas entre 654 bilhões e 1 trilhão de reais, dependendo do comportamento das variáveis PIB e RCL.
Hoje a literatura e as experiências internacionais apresentam evidências do fracasso das medidas de restrição de gasto público ou austeridade fiscal como estratégia de enfrentamento da crise e retomada do crescimento. Pelo contrário, cada vez mais são conhecidas experiências em que o reforço dos sistemas de proteção social gera maior rapidez na superação da crise, na retomada do crescimento e no combate ao desemprego.
Além disso, no caso do Brasil, tudo se passa como se o gasto realizado no setor saúde tivesse um efeito negativo na economia, elidindo para além de seu papel essencial de bem-estar da população, sua importância como complexo produtivo na formação do PIB. O efeito multiplicador do gasto em saúde é conhecido. Para cada R$ 1,00 gasto em saúde, verifica-se um incremento de R$ 1,70 no PIB. A educação e a saúde juntos têm efeitos multiplicadores fiscais superiores a três vezes.
No conhecido quadro de subfinanciamento do setor saúde, em que os gastos totais atingiram, em 2013, 8% do PIB, sendo apenas 45% de origem pública, ao contrário de outros países com sistemas universais em que essa parcela chega a 70%, o congelamento - na verdade continuado decréscimo - dos gastos em saúde, caso aprovada a PEC 241, levará a uma redução das ações atuais e à impossibilidade de atender novas demandas com impactos calamitosos.
O aumento populacional no Brasil e a alteração do perfil demográfico e epidemiológico, com predominância crescente da população idosa. A população idosa dobrará nas próximas duas décadas, atingindo em 2035 perto de 35 milhões de brasileiros (15,5 % da população). Nesse novo contexto, passam a predominar as doenças crônico-degenerativas, com a presença de cânceres, distúrbios cardiocerebrovasculares e transtornos cognitivos demandando assistência e cuidados prolongados. Inevitável, neste quadro, a elevação dos custos dos serviços, seja com a ampliação do tempo de internação e a adoção de tecnologias mais sofisticadas, seja pelas alterações de organização da rede assistencial, além da mobilização simultânea de múltiplas especialidades médicas e da expansão de serviços sociais e de apoio comunitário.
Estima-se que essa nova realidade, mesmo mantido o atual padrão tecnológico e o rol de serviços, já importará nos próximos 20 anos, ao contrário de congelamento, num necessário incremento de 37% nos gastos com atenção à saúde (fonte: Saúde Amanhã).
Os ganhos obtidos na diminuição da mortalidade infantil, decorrentes da expansão da iniciativa Saúde da Família, com o aumento da cobertura dos procedimentos de proteção à infância, além do êxito internacionalmente conhecido do Programa Nacional de Imunização, certamente serão contidos com limitações na incorporação de novas vacinas e, mesmo, na produção e distribuição das já existentes. A mesma consequência se dará quanto à limitação para incorporação de novos tratamentos, serviços de saúde e todo um conjunto de ações fundamentais para expansão e continuada modernização do Sistema Único de Saúde (SUS), ocasionando a sua degradação, perda de qualidade e cada vez mais restrições ao acesso da população. Uma verdadeira afronta às necessidades da sociedade!
Dentre tantos campos de atuação SUS, a recente expansão no acesso à assistência médica a dezenas de milhões de pessoas de áreas carentes, num esforço nacional sem precedentes, será contida. O controle da Aids; os transplantes; o acesso a medicamentos gratuitos e/ou fortemente subsidiados; a atenção materna; as clínicas de família; o acesso a exames e serviços hospitalares, serão reduzidos. 
Acrescente-se as restrições que serão impostas às ações de vigilância em saúde, elevando a exposição e risco das pessoas a doenças e ambientes inseguros. Cabe assim a pergunta: como assegurar controle de epidemias como zika, dengue e chikungunya, incluindo pesquisas, assistência, controle de vetores, medicamentos e vacinas necessárias, com congelamento de recursos? Em especial, o impacto sobre as pesquisas, fundamentais para novos produtos e novas soluções que já são subfinanciadas em nosso país, terá dimensão incalculável, comprometendo no longo prazo a capacidade de resposta e autonomia nacional.
Diante das proposições contidas na PEC 241, a Fiocruz, com sua centenária experiência em pesquisas e serviços para a melhoria da saúde pública no país, pode assegurar que os riscos e danos à saúde e à condição de vida das pessoas são inevitáveis.
Frente a tais riscos aos direitos sociais e à saúde humana, a Fiocruz se soma às instituições públicas e da sociedade civil e apresenta-se para o debate sobre alternativas de estratégias de enfrentamento da crise e dos desafios da saúde, em especial no delineamento de medidas capazes de apontar um caminho de desenvolvimento sustentável e equitativo para o país.  
Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2016.

Fonte: http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/fiocruz-divulga-carta-pec-241-e-os-impactos-sobre-direitos-sociais-saude-e-vida

Carta Aberta Abrasco – Contra a PEC 241, em defesa do SUS, dos direitos sociais e da democracia


A Abrasco reafirma publicamente seu compromisso com a democracia, o que implica em lutar por reformar a gestão pública para restringir as possibilidades de corrupção e de clientelismo.

O Governo Temer é ilegítimo. Primeiro, porque não é produto do jogo político democrático e, sim, de um golpe parlamentar; e, segundo, porque vem impondo ao país um programa que ameaça a democracia, os direitos humanos e as políticas sociais. O novo governo assumiu o poder assentado em uma coligação midiático-parlamentar, aproveitando-se da debilidade política do Governo Dilma e do fato de que grande parcela dos dirigentes do Partido dos Trabalhadores haver aderido ao modo tradicional das elites fazerem política. O combate à corrupção deve ser uma preocupação permanente e funcionar de modo isonômico, o que ainda estamos longe de alcançar. Em realidade, o impedimento se realizou tendo como principal objetivo a implementação de uma agenda restritiva a direitos e que tem como objetivo revogar a dimensão democrática e social da Constituição Brasileira de 1988.
Em nome da retomada do crescimento econômico o governo tenta impor um projeto radicalmente elitista, focado no interesse da classe rica, do capital internacional, de bancos e do rentismo. Na prática, tal estratégia vem agravando a recessão, a inflação e ampliando o desemprego e a concentração da renda, além de ameaçar políticas sociais erigidas com grandes dificuldades nas últimas décadas. Com esse propósito o governo e o parlamento buscam realizar contrarreformas constitucionais restringindo direitos trabalhistas e previdenciários, bem como a liberdade de expressão e de manifestação. Além do mais, realizam ofensiva ideológica e administrativa contra a abrangência do Sistema Único de Saúde, contra a política de Ciência e Tecnologia, contra as Universidades e educação pública em geral. O principal adversário do bloco político no poder é a Constituição do Brasil.
A Abrasco tem a tradição de preservar sua autonomia e capacidade critica frente ao poder executivo, partidos políticos, religiões e ao próprio mercado. Esta postura não nos tem impedido de assumirmos responsabilidade na construção do direito a saúde, do SUS e da democracia. Desde o fim da ditadura, as políticas sociais, o SUS, a educação, o saneamento, vêm enfrentando dificuldades de gestão e de financiamento. Entretanto, com ênfases e intensidades diferentes, em alguma medida, vem sendo possível ampliar direitos e diminuir a desigualdade. Ao longo desse período, exceto em relação à curta gestão Collor, a Abrasco não aderiu ou se opôs sistematicamente aos diversos governos. Manteve sua independência, ora criticando, ora apoiando os atos governamentais.
No entanto, nas circunstâncias atuais deveremos nos opor claramente ao discurso conservador do Governo Temer, segundado por grande parte do parlamento e da mídia, segundo o qual medidas antissociais seriam a única forma de salvar o Brasil da crise. Cabe à Abrascoe a seus associados criticar esta narrativa dominante, bem como associar-se a outras forças sociais em defesa da democracia e com o objetivo de não permitir “nenhum direito a menos”.
Urge comprovar que a universalização do direito à saúde é possível e necessária. E que o instrumento para a realização deste objetivo é o Sistema Único de Saúde. Um SUS que precisa avançar e não ser recortado e reduzido. Inclusive, mediante a ampliação do financiamento e a realização de reformas da gestão pública que partidos e políticos tradicionais têm sistematicamente impedido.
Para esse discurso conservador, o equilíbrio orçamentário e a retomada do crescimento dependeriam de drástica redução dos gastos sociais e da própria função do Estado. Uma estratégia para desvelar a falsidade desta linha argumentativa é expor à opinião pública a real estrutura de uso do orçamento público. Como é de fato gasto o imposto arrecadado? Há sistemática proteção aos gastos com despesas financeiras e predisposição e cortar e cortar na área social. Uma política monetária equivocada e injusta vem impondo custos insuportáveis aos setores públicos e à iniciativa privada que se pretende produtiva. Municípios, estados e a União têm gasto entre 30 a 40% do orçamento para honrar compulsoriamente serviços da dívida. A taxa básica de juros, de 14,25% ao ano, é a principal responsável pelo desequilíbrio fiscal, pela recessão, pela inflação e pelo desemprego. Isto vem sendo sistematicamente ocultado pelos analistas oficiais e pela imprensa.

A PEC-241, que pretende impor cortes em todos os setores, não se propõem a controlar os gastos orçamentários com juros e com outras despesas financeiras.

O movimento social precisa impedir a aprovação da PEC-241, se aprovada agravaremos as restrições aos investimentos e gastos públicos com o SUS, com a educação, bolsa família, saneamento, etc. Bresser Pereira (no artigo ‘Alternativa ao congelamento de gastos’ de 16 de setembro de 2016) chama atenção para o fato de que a PEC do Teto não inclui as despesas com juros, acrescentando que caso o gasto com juros fosse controlado haveria possibilidade de o “governo reduzir juros e despesas correntes, investindo mais em saúde e educação pública”. Há que se desmentir o mantra segundo o qual o Brasil não possuiria alternativa viável e responsável para enfrentar a crise e a recessão fora do corte de gastos com previdência e outras políticas públicas.
A Abrasco reafirma publicamente seu compromisso com a democracia, o que implica em lutar por reformar a gestão pública para restringir as possibilidades de corrupção e de clientelismo, bem como para assegurar um Estado laico e aberto ao controle da sociedade civil. Reafirmamos nosso compromisso contra as patrulhas ideológicas, em defesa da liberdade de crítica, do livre exercício da sexualidade e do respeito a pluralidade de manifestação da cidadania brasileira. Reafirmamos nosso compromisso com a saúde e com a luta contra a desigualdade, contra a discriminação social, racial e de gênero. Pela liberdade de expressão, de organização e de realizar oposição.
Rio de Janeiro, 5 de outubro de 2016
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Fonte: https://www.abrasco.org.br/site/2016/10/carta-aberta-abrasco-contra-a-pec-241-em-defesa-do-sus-dos-direitos-sociais-e-da-democracia/

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Ipea divulga nota sobre impactos da PEC 241 no financiamento do SUS.



Esta Nota Técnica tem por objetivo analisar algumas implicações para o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a garantia do direito à saúde caso o Novo Regime Fiscal, apresentado por meio da Proposta de Emenda à Constituição nº 241/2016 (PEC 241), seja aprovado pelo Congresso Nacional. Explica-se qual é a proposição e discutem-se os impactos do congelamento do piso do gasto federal com saúde para o financiamento do sistema, quais sejam: a) desvinculação das despesas com ações e serviços públicos de saúde (ASPS) da receita corrente líquida; b) perda de recursos em relação às regras de vinculação das Emendas Constitucionais nº 29 e nº 86; c) redução do gasto público per capita com saúde; d) desobrigação dos governos de alocarem mais recursos em saúde em contextos de crescimento econômico; e) provável aumento das iniquidades no acesso a bens e serviços de saúde; e f) dificuldades para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Por fim, são elencadas particularidades do financiamento público da saúde que não foram consideradas na Proposta de Emenda Constitucional, com o objetivo de contribuir para o debate.




Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28589&Itemid=9

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Farmacêutico diz à Presidenta Dilma: "Obrigado por sua grandeza".

Título original "Um dia para a minha história de vida – 31/08/2016"

Escrito pelo Farmacêutico José Miguel do Nascimento Júnior.

Tive a rara oportunidade de acompanhar o desfecho de fora do Palácio do Alvorada. Cheguei por volta das 10 horas e lá já se encontravam umas centenas de militantes prestando sua solidariedade a Democracia e a Presidenta Dilma.

Eram cantadas palavras de ordem: Fora Temer; Dilma Guerreira da Pátria Brasileira; Não vai ter Golpe; Fascistas, machistas não passarão e outras que foram repetidas milhares de vezes e que acompanharam este processo do Impeachement que foi denunciado ao Brasil e ao Mundo como um Golpe Parlamentar.

Eu já havia estado lá por duas vezes: uma delas acompanhado do Ministro Alexandre Padilha para discutir com a Presidenta o Programa Farmácia Popular e uma segunda vez acompanhando a Secretária Executiva Ana Paula Sóter para acompanhar a gravação do Programa Café com a Presidenta que abordaria o Programa Farmácia Popular.

Ambas as vezes no exercício das funções de Diretor do DAF, mantive diálogo com a Presidenta Dilma. Agora nesta vez tinha uma característica distinta e mais marcante: Ali junto com parte da população e de movimentos sociais acreditávamos que era possível barrar o Golpe. Levavamos força e resistência a uma Presidenta que tinha feito uma esclarecedora e brilhante defesa de seu mandato dois dias antes no Senado Federal.
Mais tarde, lá pelas 13 horas consegui entrar e me juntei a um grupo de Parlamentares, lideres de Movimentos Sociais, mulheres e estudantes, representantes da imprensa livre e outros. Tinha também pessoas com quem tinha convivido durante os anos no Governo Lula e Dilma.

Ao adentrar o salão, fazia fim a votação que ficará para a história do Brasil e de seu povo. O dia em que se cassou o mandato legitimo de uma Presidenta eleita por 54,5 milhões de votos. Este mar de votos foi substituído por apenas 61 votos. Ecoava pelo salão gritos de Dilma Guerreira da Pátria Brasileira, um hino em homenagem a esta mulher guerreira que não se curvou aos seus opositores.

Estar ali naquele momento vivendo a intensidade dos fatos, compartilhando olhares e sentimentos tão profundos com personagens fundamentais na defesa da democracia e do mandato, me deixou atônito. Pude viver, sentir e compreender a importância de estar no lado certo da história. Eu e milhares de brasileiros tínhamos o mesmo sentimento: Foi um Golpe, duro contra a democracia e que jogaria nosso País num futuro incerto, que ainda será melhor sentido e compreendido pela sociedade brasileira.

Não demorou muito, a Presidenta Dilma entra na sala. Houve os gritos, cada vez mais forte de Dilma Guerreira da Pátria Brasileira. Ela caminha entre os presentes, vai recebendo abraços e toda sorte de carinho. Quis o destino que eu estivesse lá e que ela caminhasse na minha direção. Pude dar um abraço e um beijo, dizendo a ela “obrigado por sua grandeza”. Ela seguiu entre os presentes, sempre altiva, segura, passando a mensagem de firmeza que sempre a acompanhou.

Uma interrogação veio até mim: Como pode uma Presidenta ser golpeada do seu cargo, a democracia ser enxovalhada, o Brasil ser jogado num mundo de incertezas, nosso futuro enquanto nação ser rasgado, tudo isto por um grupo de políticos que não tem compromisso social, que são investigados ou réus em diversos processos? Veio a resposta clara: espirito de sobrevivência: eles queriam tirá-la para se proteger, para paralisar as investigações e o que é pior: para impor um plano de (des)governo que jamais seria eleito nas urnas.

O tempo vai passando e reconheço ali, ao meu lado, com os mesmos sentimentos, representantes do Frente Brasil Popular, MST, Contag, CTB, CUT, FUPetroleiros, Mídia Ninja, UNE, UJS, Ex Ministros e Ministras (Teresa Campelo, Leonor Menecucci, Jaques Wagner, Aldo Rabelo e outros); deputados e deputadas federais (Jandira Feghali, Marcinavia, Jô Moraes, Orlando Silva, Maria do Rosário, Paulo Pimenta, Silvio Costa, Fontana, José Pimentel.

Foi um intervalo de tempo para que os Senadores e Senadoras que fizeram o bom combate no Senado federal chegassem. Ali foram ovacionados (me representam) Vanessa Grazziotin, Gleisi Hoffmann, Lindemberg Farias, Fátima Bezerra, Regina Souza).

Acompanhei o discurso da Presidenta Dilma. Ela inicia agradecendo o Presidente Lula, que acompanhou ao seu lado todo o último período e lá estava mais uma vez, e a mensagem é de que a luta só está começando. Uma energia vital brota de suas palavras com a capacidade mobilizadora de forma incrível. Não há como não se emocionar e não ir pra rua defender nossa Democracia. Fora Temer, Golpista.

Dias melhores seremos capazes de construir.

Antes de sair do Palácio do Alvorada, observei um quadro na parede com os seguintes dizeres:

OS BARCOS ESPERAM.
AS ÁGUAS NÃO PARAM.
GENTE SEMENTE.
AS ÁGUAS,  OS BARCOS

GENTE, GENTE, GENTE

Farmacêutica fala sobre Golpe, Misoginia e outras canalhices.

GOLPE, MISOGINIA E OUTRAS CANALHICES 

Por
Clair Castilhos

Quando os invasores europeus desembarcaram nas Américas trouxeram nas suas caravelas homens brancos, ambição desmedida, truculência sem limites, religiosidade hipócrita, misoginia e preconceito. Começou no novo continente um longo período de ecocídio, etnocídio e genocídio. Assim foi, e ainda é, a tragédia da América Latina. O “Novo Mundo” (novo para os invasores!) foi contaminado por discriminação e opressão de gênero, raça/etnia e por uma intensa dominação de classe.

No Brasil, em 1657, apenas duas mulheres sabiam escrever. Uma na Bahia e uma holandesa que veio com os colonizadores. Por muito tempo as mulheres brasileiras foram impedidas de frequentar a escola, quando o fizeram foi para aprender a ler, declamar poesias, cantar e tocar piano, aprender boas maneiras para encantar seus maridos e educar seus filhos. Não podiam falar em público e nem escrever em jornais e/ou assinar seus textos. Votar? Nem pensar! Mais luta mais conquistas, e finalmente o voto. Mas, votar, na maioria das vezes era moeda de troca que os pais e/ou maridos ofereciam aos cabos eleitorais como forma de obter algum dinheiro ou benesses dos candidatos, quase sempre os coronéis, caudilhos ou simplesmente patrões. É claro que sempre resistimos. Na maioria das vezes em silêncio, imposto, doloroso, solitário. Mas, nunca desistimos. A História anda, a sociedade avança e às vezes, aliás, muitas vezes, também anda para trás.

O cenário de dominação e opressão permanece até os dias de hoje. É, talvez, o traço mais marcante da sociedade brasileira. Patriarcado, exploração capitalista, exclusão e profunda assimetria de gênero. No entanto, nós mulheres cada vez mais acessamos importantes postos na sociedade assim como muita visibilidade e passamos a falar com voz própria. Talvez por isso e devido a esses novos tempos uma mulher foi eleita presidenta da república. Foi surpreendente como essa criatura de nome Dilma Rousseff, livre, forte, de esquerda, incisiva nas suas ações e decisões, se atreveu a enfrentar a ditadura militar e resistir. Com o passar dos anos, para suprema irritação das elites foi eleita e reeleita presidenta da república. E o pior, o que é inaceitável, por um partido cheio de trabalhadores, pequenos empresários, padres e freiras progressistas, de comunistas, de socialistas, de gente do povo, de intelectuais e de uma enorme quantidade de mulheres, cada vez mais insuportáveis e ousadas! Como se atrevem a exigir a partilha do poder, que só cabe aos homens brancos, ricos, da elite financeira, aos ruralistas senhores de escravos, aos mandatários da burguesia nativa?

Os que foram derrotados nas eleições, os corruptos e criminosos resolveram tramar o golpe e destituir a presidenta eleita. Há necessidade de acabar com esse descalabro, dizem eles! A partir daí ocorreram todas as canalhices e vilanias, todas as violências, desrespeitos e calúnias executadas meticulosamente. O papel central foi da mídia hegemônica, do judiciário, dos representantes do mercado e do capital rentista, dos parlamentares apodrecidos e decadentes, dos partidos de negócios culminando em oferecer ao país um espetáculo macabro no Congresso Nacional. A ordem é uma só: derrubar a Presidenta, “estancar a sangria”, colocar as coisas no seu devido lugar. Mas, o requinte da sordidez foi a traição dos “aliados”, o golpe do vice-presidente e seus “miquinhos amestrados” oriundos de mundos pequenos e rasteiros.

Assim, chegamos ao dia 31 de agosto de 2016. O Brasil expõe ao mundo suas vísceras fétidas e decompostas. Decididamente, nossa pátria/mátria, nosso povo, não merece esse lixo. Por isso só uma atitude é possível: Denunciar, organizar, lutar! Se possível parar o país, greve geral, escancarar as contradições de classe.

Não desistiremos de construir um futuro digno para todos e todas que vivem, nesta terra. Vamos ao debate das ideias, ao enfrentamento da luta ideológica, à desmistificação das palavras enganosas. Nunca golpe é o mesmo que “virar a página”, nunca problemas e crises, gerados pelos golpistas e seus aliados do capital é “conjunto da obra”, nunca boicote e chantagem de parlamentares é falta de “governabilidade”, nunca acusar e mentir e depois chorar pelos filhos e netos da ré, é “justiça”.

Temos a obrigação de resistir!
Abaixo o golpe, fora golpistas!
Pela volta da Presidenta Dilma Rousseff e a convocação do plebiscito.
Pela ampla cidadania das mulheres!
Até a Vitória!

Fonte imagem: http://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/foto_noticia_single/cpmi-enfrentando-a-violencia-contra-a-mulher2

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Uma história sobre a "Escola sem Partido".

Extraído do Facebook. Este Blog desconhece o autor. Caso alguém saiba favor informar, para que possamos dar os devidos créditos.




- Bom dia, professor, aqui é Luíza, do Departamento de Desideologização de Material Didático da editora.
- Bom dia, Luíza. Em que posso ajudar?
- É sobre algumas modificações que precisamos que sejam feitas no seu livro.
- Mas eu sou professor de matemática, filha...
- Sim, mas tem uns problemas.
- Meu livro é para o ensino fundamental...
- Então. O seu caso é simples, o senhor vai ver.
- Fale...
- Logo no início, nos exercícios de adição. Tem o exercício 6 na página 23, "João não conseguia dormir então começou a contar os carneirinhos que, na sua imaginação, pulavam uma cerca".
- E qual o problema.
- O problema é que os carneirinhos pulando a cerca são uma crítica velada aos enclosements ingleses e uma referência à acumulação primitiva do capital. Propomos mudar para "franguinhos entrando no navio, que o pujante agronegócio brasileiro exporta para a Europa".
- Ninguém conta frangos para dormir.
- Justo, por causa da ideologia que sataniza o produtores rurais que põe comida na nossa mesa. Tem outro, mais para frente, na página 32, o exercício 7 diz que "Rita tinha 18 bananas e comeu 4". Bananas é uma referência ao Brasil como uma Banana Republic, não pode.
- Troca por laranjas.
- Aí seria uma crítica aos prestadores de serviço financeiros que ajudam os empresários a impedir que o governo tome seu dinheiro através dos impostos. Trocamos por abacaxis.
- Abacaxis? Ninguém come quatro abacaxis.
- Sim, também trocamos "comeu 4" por "vendeu 4 livremente realizando um justo lucro por seu esforço".
- As crianças de 8 anos vão entender isso?
- Vão entender se for explicado, se a ideologia deixar de ocultar delas como as relações comerciais fazem justiça a quem produz.
- Ah, tá. Mais alguma coisa?
- Tem mais umas coisinhas, eu mando por email. Mas o mais grave é a parte final do livro. Precisamos marcar uma reunião para rever os capítulos 7 e 8.
- Divisão?
- Isso. Divisão é um conceito marxista que não pode ser usado para doutrinar as criancinhas.
- Mas como as crianças vão aprender aritmética sem divisão?
- Nossos especialistas estão finalizando uma proposta. A ideia geral é mostrar que a divisão pode ser correta, desde que a operação reflita que, por exemplo, 100 reais divididos por 100 pessoas resulte em 99 reais para uma e o real restante dividido entre as outras 99.
- Mas isso acaba com a Matemática!
- Acaba com a Matemática Igualitária e Comunista que imperou até hoje, professor, e a substitui por uma matemática mais justa! Já temos até um projeto de lei para ser apresentado ao Congresso tornando obrigatório o ensino da Matemática Meritocrática!!

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Brasil: o segundo golpe – artigo de Rosa Maria Marques

Publicado no site da ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Escrito por: Rosa Maria Marques

"Mas a PEC 241 não é um ajuste. Trata-se da negação da política na esfera fiscal. É a “técnica” se impondo com toda sua força, para fazer valer os interesses mais gerais do grande capital financeiro"


Faz 74 dias que o Senado brasileiro aprovou a admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff e que Michel Temer assumiu interinamente a presidência da república. Espera-se que, no início de agosto, o Senado decida se o impeachment terá prosseguimento, isto é, se Dilma irá a julgamento final. Para a maioria da esquerda brasileira, todo o processo não passou de um simples golpe capitaneado pela direita vinculada ao grande capital e alimentada pelos principais meios de comunicação do país, posto que Dilma não cometeu crime de responsabilidade durante sua gestão. Daí a luta pelo “Fora Temer!”, que se completa com o chamamento de eleições gerais, embora esse complemento não receba unanimidade entre os setores da esquerda.
Desde seu primeiro momento, o governo Temer foi alvo de muitas críticas e provocou a mobilização de vários setores da sociedade. Em seu primeiro mês de gestão, teve que voltar atrás na decisão de extinguir o Ministério da Cultura, três de seus ministros foram substituídos devido a denúncias de envolvimento em casos de corrupção e ficou evidente o desconhecimento de vários de seus titulares da situação e da matéria atinente a sua pasta. Talvez devido a esses fatos e a outros, em muitas das análises da esquerda brasileira o governo Temer seja considerado fraco. Contudo, naquilo que importa para o grande capital, os principais ministérios estão na mão de homens que sabem defender seus interesses, tais como o Ministério da Fazenda, com Henrique Meirelles, e o Ministério das Relações Exteriores, com José Serra. Esse último, além de claramente defender em todas as oportunidades a adesão do Brasil aos tratados de livre comércio, coloca-se contrário à presidência da Venezuela no Mercosul. Nesse caso, não há surpresas, estando tudo dentro do esperado. A grande surpresa ficou por conta de Henrique Meirelles que, ao concretizar o que tinha sido divulgado no documento “Ponte para o futuro” (documento apresentado pelo PMDB, em 2015), foi muito mais além do que se poderia imaginar, sob quaisquer circunstâncias.
Naquele documento, entre seus vários aspectos, era defendido o fim da desindexação de recursos para a educação e a saúde, introduzindo a prática de trabalhar com o chamado “orçamento zero”, de modo que, a cada ano, os recursos destinados a cada área seriam resultado de negociação, elegendo como princípio maior o equilíbrio fiscal de longo prazo. Para garantir a aplicabilidade desse preceito, propunha a criação de um Comitê Independente para sugerir a continuidade ou o fim dos programas governamentais de acordo com os seus desempenhos. Na época, e em outro artigo, já apontava que isso resultaria na diminuição da capacidade de atuação política do poder executivo, isto é, de sua independência, pois, além desse comitê, o documento propunha também a criação de uma instituição que funcionaria como uma autoridade orçamentária. Em outras palavras, tratava-se de introduzir, no aparelho de Estado, práticas existentes nas empresas privadas, tais como auditoria constante e escolhas definidas a partir do critério da economicidade. Assim, não só o executivo estaria tolhido no exercício de suas funções, como dificilmente demandas oriundas de movimentos sociais seriam ouvidas. Não imaginava, na época, nada pior do que estava sendo proposto.
Eis que, em 15 de junho de 2016, Meirelles encaminha um projeto que visa alterar a Constituição brasileira, a chamada PEC 241 (Projeto de Emenda Constitucional 241), instituindo um novo regime fiscal. Esse projeto simplesmente propõe que os gastos federais sejam congelados por vinte anos, tendo como base o efetivamente gasto em 2016. Os valores dos orçamentos dos anos seguintes seriam somente atualizados pelo índice da inflação e seus valores reais poderiam, a depender dos resultados obtidos em termos de equilíbrio fiscal, ser revisados somente depois de dez anos. Evidentemente que essa proposta tem como justificativa o diagnóstico de que todos os males da economia brasileira devem-se à escalada desenfreada do gasto público e que, portanto, esse deve ser freado. A exposição de motivos que acompanha a PEC 241 é cristalina a esse respeito. Mas, no espaço deste pequeno artigo, não é possível se indicar as várias falácias nela contidas. Importa é denunciar a natureza dessa proposta a partir de suas consequências sobre o que se entende por Estado em um regime democrático.
Em um regime democrático burguês, o executivo é eleito pela maioria dos votos e, a partir daí, executa em teoria seu programa, o que é mediado pela representação das demais forças políticas no congresso nacional e pelas demandas dos setores sociais populares organizados. Em outras palavras, o político está sempre presente. No caso do orçamento do governo federal, esse é resultado dos diferentes interesses presentes na sociedade. Esses se manifestam na proposta inicial encaminhada pelo governo, nas emendas e supressões apresentadas pelos parlamentares e no cumprimento da execução dos recursos orçados e planejados em cada área. O que Meirelles está propondo é, portanto, em nome do equilíbrio fiscal, extinguir o funcionamento democrático do próprio Estado burguês. A partir de uma relação de forças específica, congela-se o orçamento por vinte anos, tempo de uma geração.
De meu ponto de vista, a esquerda brasileira não está se dando conta do significado dessa proposta. Tendo a dizer que em parte a desconhece. Fala em ajuste fiscal, tal como falava durante o governo Dilma (principalmente no último período) e como sempre falou, quando recursos eram contingenciados em função da arrecadação. Mas a PEC 241 não é um ajuste. Trata-se da negação da política na esfera fiscal. É a “técnica” se impondo com toda sua força, para fazer valer os interesses mais gerais do grande capital financeiro. Esse é o segundo golpe, e o mais perigoso.
*Rosa Maria Marques, professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUCSP e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde
Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/2016/07/brasil-o-segundo-golpe-artigo-de-rosa-maria-marques/