A Associação Brasileira de Saúde
Coletiva – Abrasco vem a público manifestar a mais profunda preocupação com as
mudanças substanciais que estão sendo anunciadas pela Coordenação Geral de
Saúde Mental, Álcool e Drogas do Ministério da Saúde (CGMAD/MS), com referência
à Política Brasileira de Saúde Mental. O que está principalmente em questão,
nessa proposta, é o retorno da ênfase dada a modalidades assistenciais
conhecidas pela sua ineficácia nos processos de reabilitação psicossocial,
reinserção social, singularização e autonomização de pessoas acometidas de
transtornos mentais e de usuários de álcool e outras drogas, portanto,
modalidades manicomializadoras.
Uma quantidade expressiva de estudos
tem demonstrado, no Brasil e no mundo, que serviços territoriais são superiores
aos hospitais psiquiátricos nesses quesitos e a diferença não está apenas no
fato de proporem internações breves, como no caso dos CAPS III. A diferença
está na lógica que rege o cuidado desenvolvido nesses serviços substitutivos,
uma lógica de trabalho no território, privilegiando os seus recursos
intersetoriais, que enxerga o/as usuário/as de saúde mental, não como
“portadores de transtornos mentais”, mas como “portadores de direitos cidadãos
e políticos” e como pessoas que sofrem transtornos mentais. Nesse caso, também
não é suficiente o eufemismo da “assistência multidisciplinar” se ela for
desenvolvida a partir de uma lógica patologizadora, onde o que importa
fundamentalmente são diagnósticos específicos (multiplicados exponencialmente
nas últimas décadas), e que deixam de lado a complexa articulação das condições
materiais, sociais, culturais, psicológicas e biológicas. Assistências reducionistas
aumentam a medicalização e mercantilização da vida, dificilmente produzindo
recuperação, inclusive clínica.
O que dizer de um projeto de saúde
mental que investe a maior parte do seu recurso em Comunidades Terapêuticas
(240 milhões/ano contra R$ 31.752.720,92/ano para a expansão da rede e criação
de novos serviços), instituições que têm a reclusão social longa como base de
seu tratamento? Sugere-se que estas só serão utilizadas se os demais
tratamentos falharem. Ora, não é possível experimentar a capacidade terapêutica
de serviços substitutivos como Centros de Atenção Psicossocial, Residências
Terapeuticas ou Consultórios na Rua, entre outros dispositivos estratégicos da
Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que são desfinanciados, precarizados e reduzidos.
Por fim, para falar seriamente em
prevenção de suicídio, é preciso enfrentar também os resultados de estudos que
têm demonstrado aumentos exponenciais de taxas de suicídio relacionadas a
políticas de austeridade. Essas são algumas das preocupações que nos impelem a
manifestarmo-nos contra qualquer mudança que leve ao retrocesso a Política de
Saúde Mental atualmente em vigor e que, ainda que imperfeita e incompleta no
seu grau de implantação, tem demonstrado visíveis avanços na qualidade e transformação
de vidas, tal como é reconhecido pelos organismos internacionais de saúde e se
verifica em abundantes relatos registrados na literatura científica brasileira.
Rio de Janeiro, 11 de dezembro de
2017
Associação Brasileira de Saúde
Coletiva – Abrasco