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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Nota Abrasco contra os retrocessos na política brasileira de Saúde Mental


A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco vem a público manifestar a mais profunda preocupação com as mudanças substanciais que estão sendo anunciadas pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Drogas do Ministério da Saúde (CGMAD/MS), com referência à Política Brasileira de Saúde Mental. O que está principalmente em questão, nessa proposta, é o retorno da ênfase dada a modalidades assistenciais conhecidas pela sua ineficácia nos processos de reabilitação psicossocial, reinserção social, singularização e autonomização de pessoas acometidas de transtornos mentais e de usuários de álcool e outras drogas, portanto, modalidades manicomializadoras.

Uma quantidade expressiva de estudos tem demonstrado, no Brasil e no mundo, que serviços territoriais são superiores aos hospitais psiquiátricos nesses quesitos e a diferença não está apenas no fato de proporem internações breves, como no caso dos CAPS III. A diferença está na lógica que rege o cuidado desenvolvido nesses serviços substitutivos, uma lógica de trabalho no território, privilegiando os seus recursos intersetoriais, que enxerga o/as usuário/as de saúde mental, não como “portadores de transtornos mentais”, mas como “portadores de direitos cidadãos e políticos” e como pessoas que sofrem transtornos mentais. Nesse caso, também não é suficiente o eufemismo da “assistência multidisciplinar” se ela for desenvolvida a partir de uma lógica patologizadora, onde o que importa fundamentalmente são diagnósticos específicos (multiplicados exponencialmente nas últimas décadas), e que deixam de lado a complexa articulação das condições materiais, sociais, culturais, psicológicas e biológicas. Assistências reducionistas aumentam a medicalização e mercantilização da vida, dificilmente produzindo recuperação, inclusive clínica.

O que dizer de um projeto de saúde mental que investe a maior parte do seu recurso em Comunidades Terapêuticas (240 milhões/ano contra R$ 31.752.720,92/ano para a expansão da rede e criação de novos serviços), instituições que têm a reclusão social longa como base de seu tratamento? Sugere-se que estas só serão utilizadas se os demais tratamentos falharem. Ora, não é possível experimentar a capacidade terapêutica de serviços substitutivos como Centros de Atenção Psicossocial, Residências Terapeuticas ou Consultórios na Rua, entre outros dispositivos estratégicos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que são desfinanciados, precarizados e reduzidos.

Por fim, para falar seriamente em prevenção de suicídio, é preciso enfrentar também os resultados de estudos que têm demonstrado aumentos exponenciais de taxas de suicídio relacionadas a políticas de austeridade. Essas são algumas das preocupações que nos impelem a manifestarmo-nos contra qualquer mudança que leve ao retrocesso a Política de Saúde Mental atualmente em vigor e que, ainda que imperfeita e incompleta no seu grau de implantação, tem demonstrado visíveis avanços na qualidade e transformação de vidas, tal como é reconhecido pelos organismos internacionais de saúde e se verifica em abundantes relatos registrados na literatura científica brasileira.

Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2017
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco


quinta-feira, 27 de julho de 2017

GTPI/Rebrip divulga carta aberta questionando mudanças na liberação de patentes


Extraído do site da ABRASCO

O Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (GTPI/Rebrip) divulgou nesta segunda-feira, 24, uma carta aberta ao Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Marcos Pereira, expondo preocupação com a proposta do decreto que pretende acelerar a concessão de patentes visando o fim do acúmulo de pedidos (backlog). O grupo argumenta que a medida, chamada de “solução extraordinária”, atenderá aos interesses de empresas transnacionais, concedendo patentes para pedidos que não tenham qualquer mérito, colocando em segundo plano o interesse público.

A carta se alinha com outras manifestações como o artigo publicado pelo jurista Pedro Marcos Barbosa e a carta enviada também ao ministro Marcos Pereira pela Associação de Funcionários do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Afinpi).
Segue a Carta abaixo:
Rio de Janeiro, 24 de julho de 2017
Carta aberta ao Excelentíssimo Senhor Marcos Pereira, Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Serviços

Excelentíssimo Senhor,
As organizações não governamentais abaixo assinadas compõem o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (GTPI/Rebrip),fundado em 2003 sob a coordenação da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA. Nossos esforços são destinados à ampliação do acesso a medicamentos no Brasil e no Sul Global e pelos direitos das pessoas vivendo com HIV no Brasil entre outras.
Durante anos, o esforço do GTPI foi no sentido de promover o entendimento de que o sistema de patentes não é um fim em si mesmo. Pelo contrário, o sistema de patentes serve à sociedade e o ato de retirar uma tecnologia, ou conhecimento do domínio público deveria ser a exceção, baseada em critérios aplicados de forma rígida.
Por meio da matéria do Jornal Valor Econômico, do dia 19 de julho de 2017, tomamos conhecimento de uma iniciativa proposta pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) por meio de decreto para eliminar o backlog de patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A demora para análise de patentes é tema de preocupação para o GTPI, uma vez que pode proporcionar aos detentores de patentes, monopólios de fato, ainda que os pedidos não tenham qualquer mérito. Em 2016, por meio de um estudo feito pelo IE/UFRJ, em parceria com ABIA/GTPI, provamos que o backlog beneficia unicamente os depositantes – em sua imensa maioria firmas transnacionais. O estudo comprova que ao atrasar em média 4 anos a entrada de versões genéricas de apenas 9 medicamentos utilizados no SUS, o parágrafo único do Art. 40 da LPI gera um prejuízo acumulado de mais de R$ 2 bilhões
Assim, causa-nos enorme preocupação a possibilidade de edição de um decreto cujo principal objetivo seja tão somente acelerar a concessão de patentes, sem levar em consideração os critérios constitucionais de promoção do interesse social e desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Afinal, é sabido que esta medida de aceleração da concessão de patentes, mesmo tipo como “solução extraordinária” atenderá sobretudo aos interesses de empresas transnacionais, sem garantia de que isso se desdobre em desenvolvimento para o país.
Em que pese a necessidade de promover maior eficiência na análise dos pedidos de patentes, ela deve vir necessariamente associada à proteção da saúde pública, ao interesse social e a uma política pública de desenvolvimento industrial e tecnológico brasileiro. E, mais do que isso, não se pode querer compensar a falta de estrutura e déficit de examinadores com medidas extraordinárias que não trarão benefícios à sociedade brasileira.
Em poucas palavras, a “solução extraordinária” deturpa totalmente a lógica do sistema de patentes, desvaloriza o examinador, transformando-o em carimbador, e coloca o Brasil em situação extremamente vulnerável juridicamente, pois viola a Constituição Federal e as normas internacionais. Desnecessário dizer que esta medida certamente será contestada judicialmente.
Manifestando profunda preocupação e reafirmando nosso compromisso de trabalhar no sentido de dotar o Brasil com a melhor análise de patentes possível, uma análise que defenda o interesse público, que tenha em consideração que o monopólio só deve ser concedido caso realmente a tecnologia se prove merecedora, repudiamos veementemente o decreto acima mencionado. O atraso no exame de patentes do Brasil só poderá ser solucionado com políticas públicas sérias e transparentes e não com medidas midiáticas que atendem tão somente o interesse das grandes corporações transnacionais.
Quem somos?
O GTPI/Rebrip é um coletivo de organizações da sociedade civil, movimentos sociais, ativistas e pesquisadores formado em 2003 com atuação no tema da propriedade intelectual e acesso à saúde no Brasil. O GTPI atua a partir de uma perspectiva de interesse público, trabalhando no sentido de mitigar o impacto negativo das patentes na garantia de acesso da população a medicamentos e na sustentabilidade de políticas públicas. Atualmente, o GTPI é formado pelas seguintes organizações:
Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS – ABIA (coordenação)
Conectas Direitos Humanos
Federação Nacional dos Farmacêuticos – FENAFAR
Fórum das ONGs-AIDS do Estado de São Paulo
Fórum das ONGs-AIDS do Rio Grande do Sul
Fórum das ONGs-AIDS do Maranhão
GESTOS – Soropositividade, Comunicação & Gênero
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – São Paulo – GAPA/SP
Grupo de Apoio à Prevenção da AIDS – Rio Grande do Sul – GAPA/RS
Grupo de Incentivo à Vida – GIV
Grupo Pela Vidda – São Paulo
Grupo Pela Vidda – Rio de Janeiro
Grupo de Resistência Asa Branca – GRAB
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC
Médicos Sem Fronteiras – Campanha de Acesso a Medicamentos/Brasil
Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS – Núcleo São Luís do Maranhão
Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais – UAEM/Brasil


Fonte: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/opiniao/gtpirebrip-divulga-carta-aberta-questionando-decisoes-sobre-patentes/29780/

segunda-feira, 24 de julho de 2017

CNS lança documentos oficiais da 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde

Do site da ABRASCO

Estão disponíveis as versões finais e oficiais do Documento Orientador e o Roteiro de apresentação da 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, que acontecerá em Brasília entre os dias 21 e 24 de novembro e cujo o tema é Proteção da Saúde – Território – Democracia. A Conferência é uma promoção do Conselho Nacional de Saúde e aprovada como evento oficial do Ministério da Saúde.


Entre os objetivos estão a implementação de uma Política Nacional de Vigilância em Saúde, a defesa e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e a integração entre todos os tipos de vigilância. As etapas municipais e macrorregionais podem ser realizadas até o dia 31 de agosto e as etapas estaduais serão realizadas de 1º de setembro até 21 de outubro.
Nesta terça e quarta-feiras (18 e 19 de julho), o CNS realizou o primeiro seminário preparatório da Conferência, realizado em São Paulo (SP) que contou com a presença de, dentre outros convidados, Nísia Trindade Lima – Presidente da Fiocruz; Jarbas Barbosa da Silva Júnior,  Presidente da ANVISA; Laura Camargo Macruz Feuerwerker, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), e Luiz Carlos Fadel de Vasconcelos, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). Acompanhe a cobertura pela plataforma SUS Conecta.

Fonte: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/movimentos-sociais/cns-documentos-1a-conferencia-vigilancia-saude/29663/

segunda-feira, 20 de março de 2017

OAB e 160 entidades entregam à Câmara carta contra reforma da Previdência.



A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em conjunto com 160 entidades, organizou ato nesta terça-feira, dia 14 de março, contra a proposta de reforma da Previdência encaminhada pelo governo federal ao Congresso. O movimento intitulado “Por uma Proposta Justa de Reforma da Previdência – Não à PEC 287/2016” formulou uma carta que destaca a posição contrária das instituições em relação a vários pontos da reforma.

Estes são os principais pontos da PEC 287/16 que a OAB e as outras entidades são contra:

– Exigência de idade mínima para aposentadoria a partir dos 65 anos para homens e mulheres;
– 49 anos de tempo de contribuição para ter acesso à aposentadoria integral;
– Redução do valor geral das aposentadorias;
– Precarização da aposentadoria do trabalhador rural;
– Pensão por morte e benefícios assistenciais em valor abaixo de um salário mínimo;
– Exclusão das regras de transição vigentes;
– Vedação à acumulação de aposentadoria e pensão por morte;
– Elevação da idade para o recebimento do benefício assistencial (LOAS) para 70 anos de idade;
– Regras inalcançáveis para a aposentadoria dos trabalhadores expostos a agentes insalubres;
– Fim da aposentadoria especial dos professores.

Suspensão da tramitação -  O presidente da OAB Nacional, Carlos Lamachia, entregou a carta ao presidente da comissão especial que analisa a PEC, deputado Carlos Marun (PMDB-MS). No texto, as entidades requerem a suspensão da tramitação da proposta de reforma da Previdência. Elas pedem a realização de uma discussão ampla e democrática com a sociedade, a apresentação de estudos econômicos, atuariais e demográficos completos, e transparência na divulgação dos dados da seguridade social.


As entidades abaixo nominadas, reunidas no Conselho Federal da OAB em 31 de janeiro de 2017, manifestam preocupação com relação ao texto da proposta de Reforma da Previdência (PEC 287/2016), tendo em vista que ela está fundamentada em premissas equivocadas e contém inúmeros abusos contra os direitos sociais.

A PEC 287/2016 tem sido apresentada pelo governo sob discurso de catástrofe financeira e “déficit”, que não existem, evidenciando-se grave descumprimento aos artigos 194 e 195 da Constituição Federal, que insere a Previdência no sistema de Seguridade Social, juntamente com as áreas da Saúde e Assistência Social, sistema que tem sido, ao longo dos anos, altamente superavitário em dezenas de bilhões de reais.


O superávit da Seguridade Social tem sido tão elevado que anualmente são desvinculados recursos por meio do mecanismo da DRU (Desvinculação de Receitas da União), majorada para 30% em 2016. Tais recursos são retirados da Seguridade Social e destinados para outros fins, especialmente para o pagamento de juros dadívida pública, que nunca foi auditada, como manda a Constituição.



Diante disso, antes de pressionar pela aprovação da PEC 287/2016, utilizando-se de onerosa campanha de mídia para levar informações questionáveis à população, exigimos que o Governo Federal divulgue com ampla transparência as receitas da Seguridade Social, computando todas as fontes de financiamento previstas no artigo 195 da Constituição Federal, mostrando ainda o impacto anual da DRU, as renúncias fiscais que têm sido concedidas, a desoneração da folha de salários e os créditos tributários previdenciários que não estão sendo cobrados.


A proposta de reforma apresentada pelo governo desfigura o sistema da previdência social conquistado ao longo dos anos e dificulta o acesso a aposentadoria e demais benefícios à população brasileira que contribuinte durante toda a sua vida.

Dentre os abusos previstos na PEC 287/2016 destacamos os seguintes:


1) Exigência de idade mínima para aposentadoria a partir dos 65 (sessenta e cinco) anos para homens e mulheres;
2) 49 (quarenta e nove) anos de tempo de contribuição para ter acesso à aposentadoria int
3) Redução do valor geral das aposentadorias;
4) Precarização da aposentadoria do trabalhador rural;
5) Pensão por morte um salário mínimo;
6) Exclui as regras de transição
7) Impede a cumulação de aposentadoria e pensão por morte;
8) Elevação da idade para o recebimento do benefício assistencial (LOAS) para 70 anos de idade;
9) Regras inalcançáveis para a aposentadoria dos trabalhadores expostos a agentes insalubres
10) Fim da aposentadoria



Além disso, a diretamente a economia dos municípios, uma vez que a maioria sobrevive dos benefícios da previdência social o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Diante disso, e 287/2016 no Congresso Nacional democraticamente com a sociedade, de forma ampla, mediante a realização de audiências públicas que possibilitem a análise de estudos econômicos e demográficos completos a fim de que se dê a devida transparência aos dados da Seguridade Social.


É necessário garantir a participação da sociedade construir alternativas que venham melhorar o sistema Seguridade Social e ampliar a sua abrangência, impedindo o retrocesso de direitos sociais.

Brasília, 31 de janeiro de 2017.

Fonte: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/movimentos-sociais/oab-e-160-entidades-entregam-a-camara-carta-contra-reforma-da-previdencia/27571/

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Saúde, pós PEC 241 - Por Ligia Bahia


Publicado no Jornal O GLOBO - 24/10/2016

Poder Legislativo renuncia da função de formular políticas coordenará disputa pelas sobras de recursos 


Câmara dos Deputados aprovou um teto para despesas públicas; o apoio para cortar gastos em tempos de vacas esquálidas é quase intuitivo. Depois do convencimento de que há dinheiro público demais, saindo para os ladrões, aumentar despesas governamentais, em plena crise econômica, pareceria absurdo. Segundo defensores do novo regime fiscal, o que muda é o ritmo de incremento dos gastos e quem e como define prioridades. Nos próximos 20 anos, os orçamentos para a saúde poderão hipoteticamente dançar aos compassos do miudinho ou saltar sob um funk pauleira. No ano que vem, haverá um pequeno incremento, até os mais austeros reconheceram que a elevação dos recursos da Saúde de 13,5% para 15% da receita líquida não comprometería o andamento da economia.

Depois, será tempo de murici, cada um cuidando de si. Saúde, educação, ciência e tecnologia, cultura, esportes, entre outras políticas sociais, disputarão fatias de um fundo público diferente do atual. O valor dos gastos com políticas públicas não será a diferença entre o que se arrecada com impostos e contribuições e o pagamento de encargos e resgate da dívida. O teto ficará fixo, variando discretamente em tomo de uma inflação supostamente controlada, e a eventual elevação de receitas (se houver crescimento econômico, redução das taxas de juros, aumento de investimentos e empregos) será utilizada para pagar a dívida. O Poder Legislativo renuncia da função de formular políticas e coordenará a disputa pelas sobras de recursos.

Opositores das medidas restritivas questionam três âmbitos do redirecionamento da política fiscal. O primeiro refere-se à unilateralidade, consubstanciada em passar a tesoura em ações essenciais para a reprodução da vida e inserção social, sem cogitar ampliar receitas, sequer se referir às desonerações fiscais. O segundo domínio de interrogações concentra-se na impossibilidade de impor teto para obrigações previdência estabelecidas, que serão despesas crescentes durante os dez próximos anos. Ainda que se aprove a reforma da Previdência, o montante a ser dividido para as demais políticas sociais será necessariamente menor. E, por fim, a completa ausência de debates e esclarecimentos sobre as consequências, inclusive imediatas, da obtenção de maioria para aprovação da PEC 241. Os preços da governabilidade foram hiperinflacionados. Custa muito caro tomar o Ministério da Saúde um posto avançado da base parlamentar do governo, modelo recentemente replicado no Instituto Nacional do Câncer.
Pesquisas de opinião realizadas este mês apresentam resultados opostos em relação aos limites de gastos públicos. A da Confederação dos Transportes/MDA confirma a saúde como principal prioridade para 60,6% dos entrevistados e pouco conhecimento sobre a PEC 241: apenas 40,9% ouviram falar do teto para as despesas públicas e nesse subconjunto 60,4% aprovaram a medida. Na conduzida pela CUT/Vox Populi, a contenção das despesas com saúde, educação e assistência social por um prazo de 20 anos e aumento de acordo com a inflação foi rejeitada por 70%. Seja lá como se absorva ou conteste a validade dessas informações, é plausível inferir que ser favorável à punição da corrupção não autoriza manter ou aumentar taxas de mortalidade infantil e desigualdades de acesso às ações diagnósticas e terapêuticas.

Os críticos à Constituição de 1988, do pacto que vincula impostos a melhores condições de vida e saúde, não deveriam pular a parte da real situação do setor e o pagamento de tributos por toda a sociedade. A saída via planos privados individuais para que puder pagar só combinaria com renda alta, tributos reduzidos, mercados competitivos, irrelevância de pesquisas e inovações para a qualidade e prolongamento inexistência de doenças graves e prolongadas, como obesidade, autismo, demências, arboviroses. Objetivamente, os melhores padrões de saúde dependem de investimentos públicos. A da vida e crise econômica também afeta privadas. A falência da Unimed Paulistana e do Rio de Janeiro, a queda do número de contratos de planos de saúde decorrente do desemprego e mensalidades reajustadas acima da inflação pesam nas estreitas costas do SUS.

O sacrifício da saúde pública e da ciência e tecnologia foi questionado pela comunidade científica internacional. As conceituadas revistas "The Lancet" e "Science" publicaram depoimentos sobre os possíveis "desastres" da PEC 241, regressão de padrões alcançados de morbi-mortalidade e descontínuidade de pesquisas nacionais estratégicas. Decisões tomadas em fóruns reservados, empresariais, podem acalmar instantaneamente certos mercados, reafirmar credibilidade junto aos credores. Mas prejudicar uma geração inteira apavora quem tem por ofício ensinar, interrogar, buscar reunir evidências, equacionar problemas e testar e propor soluções. Um país que deixa de considerar mudanças demográficas, ocupacionais, sociais e ambientais na definição dos orçamentos para a saúde perde definitivamente integridade. 


Ligia Bahia é professora da UFRJ 
ligiabahia55@gmail.com


Fonte: https://www.abrasco.org.br/site/2016/10/saude-pos-pec-241-por-ligia-bahia/

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Brasil: o segundo golpe – artigo de Rosa Maria Marques

Publicado no site da ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Escrito por: Rosa Maria Marques

"Mas a PEC 241 não é um ajuste. Trata-se da negação da política na esfera fiscal. É a “técnica” se impondo com toda sua força, para fazer valer os interesses mais gerais do grande capital financeiro"


Faz 74 dias que o Senado brasileiro aprovou a admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff e que Michel Temer assumiu interinamente a presidência da república. Espera-se que, no início de agosto, o Senado decida se o impeachment terá prosseguimento, isto é, se Dilma irá a julgamento final. Para a maioria da esquerda brasileira, todo o processo não passou de um simples golpe capitaneado pela direita vinculada ao grande capital e alimentada pelos principais meios de comunicação do país, posto que Dilma não cometeu crime de responsabilidade durante sua gestão. Daí a luta pelo “Fora Temer!”, que se completa com o chamamento de eleições gerais, embora esse complemento não receba unanimidade entre os setores da esquerda.
Desde seu primeiro momento, o governo Temer foi alvo de muitas críticas e provocou a mobilização de vários setores da sociedade. Em seu primeiro mês de gestão, teve que voltar atrás na decisão de extinguir o Ministério da Cultura, três de seus ministros foram substituídos devido a denúncias de envolvimento em casos de corrupção e ficou evidente o desconhecimento de vários de seus titulares da situação e da matéria atinente a sua pasta. Talvez devido a esses fatos e a outros, em muitas das análises da esquerda brasileira o governo Temer seja considerado fraco. Contudo, naquilo que importa para o grande capital, os principais ministérios estão na mão de homens que sabem defender seus interesses, tais como o Ministério da Fazenda, com Henrique Meirelles, e o Ministério das Relações Exteriores, com José Serra. Esse último, além de claramente defender em todas as oportunidades a adesão do Brasil aos tratados de livre comércio, coloca-se contrário à presidência da Venezuela no Mercosul. Nesse caso, não há surpresas, estando tudo dentro do esperado. A grande surpresa ficou por conta de Henrique Meirelles que, ao concretizar o que tinha sido divulgado no documento “Ponte para o futuro” (documento apresentado pelo PMDB, em 2015), foi muito mais além do que se poderia imaginar, sob quaisquer circunstâncias.
Naquele documento, entre seus vários aspectos, era defendido o fim da desindexação de recursos para a educação e a saúde, introduzindo a prática de trabalhar com o chamado “orçamento zero”, de modo que, a cada ano, os recursos destinados a cada área seriam resultado de negociação, elegendo como princípio maior o equilíbrio fiscal de longo prazo. Para garantir a aplicabilidade desse preceito, propunha a criação de um Comitê Independente para sugerir a continuidade ou o fim dos programas governamentais de acordo com os seus desempenhos. Na época, e em outro artigo, já apontava que isso resultaria na diminuição da capacidade de atuação política do poder executivo, isto é, de sua independência, pois, além desse comitê, o documento propunha também a criação de uma instituição que funcionaria como uma autoridade orçamentária. Em outras palavras, tratava-se de introduzir, no aparelho de Estado, práticas existentes nas empresas privadas, tais como auditoria constante e escolhas definidas a partir do critério da economicidade. Assim, não só o executivo estaria tolhido no exercício de suas funções, como dificilmente demandas oriundas de movimentos sociais seriam ouvidas. Não imaginava, na época, nada pior do que estava sendo proposto.
Eis que, em 15 de junho de 2016, Meirelles encaminha um projeto que visa alterar a Constituição brasileira, a chamada PEC 241 (Projeto de Emenda Constitucional 241), instituindo um novo regime fiscal. Esse projeto simplesmente propõe que os gastos federais sejam congelados por vinte anos, tendo como base o efetivamente gasto em 2016. Os valores dos orçamentos dos anos seguintes seriam somente atualizados pelo índice da inflação e seus valores reais poderiam, a depender dos resultados obtidos em termos de equilíbrio fiscal, ser revisados somente depois de dez anos. Evidentemente que essa proposta tem como justificativa o diagnóstico de que todos os males da economia brasileira devem-se à escalada desenfreada do gasto público e que, portanto, esse deve ser freado. A exposição de motivos que acompanha a PEC 241 é cristalina a esse respeito. Mas, no espaço deste pequeno artigo, não é possível se indicar as várias falácias nela contidas. Importa é denunciar a natureza dessa proposta a partir de suas consequências sobre o que se entende por Estado em um regime democrático.
Em um regime democrático burguês, o executivo é eleito pela maioria dos votos e, a partir daí, executa em teoria seu programa, o que é mediado pela representação das demais forças políticas no congresso nacional e pelas demandas dos setores sociais populares organizados. Em outras palavras, o político está sempre presente. No caso do orçamento do governo federal, esse é resultado dos diferentes interesses presentes na sociedade. Esses se manifestam na proposta inicial encaminhada pelo governo, nas emendas e supressões apresentadas pelos parlamentares e no cumprimento da execução dos recursos orçados e planejados em cada área. O que Meirelles está propondo é, portanto, em nome do equilíbrio fiscal, extinguir o funcionamento democrático do próprio Estado burguês. A partir de uma relação de forças específica, congela-se o orçamento por vinte anos, tempo de uma geração.
De meu ponto de vista, a esquerda brasileira não está se dando conta do significado dessa proposta. Tendo a dizer que em parte a desconhece. Fala em ajuste fiscal, tal como falava durante o governo Dilma (principalmente no último período) e como sempre falou, quando recursos eram contingenciados em função da arrecadação. Mas a PEC 241 não é um ajuste. Trata-se da negação da política na esfera fiscal. É a “técnica” se impondo com toda sua força, para fazer valer os interesses mais gerais do grande capital financeiro. Esse é o segundo golpe, e o mais perigoso.
*Rosa Maria Marques, professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUCSP e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde
Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/2016/07/brasil-o-segundo-golpe-artigo-de-rosa-maria-marques/


quarta-feira, 6 de abril de 2016

Fosfoetanolamina - Carta aberta da Abrasco pelo veto ao PL.

Título original: Fosfoetanolamina sintética: Carta Aberta da Abrasco para reivindicar veto ao Projeto de Lei 4639/16
Fonte: www.abrasco.org.br

Abrasco entende que a autorização de medicamento não é competência do Poder Legislativo. Nas sociedades contemporâneas, esse tipo de decisão é remetida à órgãos de caráter técnicos, como a Anvisa

Após ser aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados, em 8 de março deste ano, o Projeto de Lei 4639/16, que autoriza a produção e o uso da fosfoetanolamina sintética aos pacientes com câncer mesmo antes da conclusão dos estudos que permitam à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) analisar o pedido de registro definitivo dela como medicamento, também foi aprovado pelo Senado Federal no último dia 23 e aguarda a sanção ou o veto da Presidência da República. Nas últimas décadas, órgãos do Sistema Único de Saúde e instituições de pesquisa da Saúde Coletiva e de outras áreas de conhecimento promoveram esforços para ofertar à população brasileira medicamentos com segurança comprovada. Assim, a instituição do Estado brasileiro responsável por essa regulamentação, a Anvisa, deve ser fortalecida e a iniciativa de se aprovar um projeto de lei que permita a liberação individualizada de uma substância química precisa ser fortemente rejeitada. Diante destes acontecimentos, a Abrasco encaminhou para a presidente Dilma Rousseff uma Carta Aberta referente à solicitação de veto presidencial ao Projeto de Lei 4639/16, que autoriza a produção e o uso da fosfoetanolamina sintética como medicamento.
Confira o documento na íntegra:

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO, dirige-se respeitosamente a Vossa Excelência para reivindicar vosso veto ao Projeto de Lei 4639/16, que autoriza a produção e o uso da fosfoetanolamina sintética como medicamento. O mencionado PL foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, nos dias 8 e 23 de março últimos, respectivamente, e aguarda sanção ou veto da Presidência da República.

A autorização de medicamentos não compete ao Poder Legislativo e à Presidência da República. Nas sociedades contemporâneas, esse tipo de decisão compete a órgãos técnicos; no Brasil, é atribuição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, segundo a Lei nº 9.782, de
26/01/1999. A determinação da segurança e da eficácia de um medicamento depende dos resultados de uma sequência de estudos clínicos cujos métodos e protocolos já se encontram consolidados pela comunidade cientifica. Não se dispõe ainda de resultados desses estudos no caso da
fosfoetanolamina sintética.

Em respeito às atribuições legais da ANVISA, e aos melhores interesses de proteção à saúde dos brasileiros, reiteramos a importância do veto presidencial ao PL 4639/16.
Respeitosamente,
Gastão Wagner de Sousa Campos
Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco

Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/2016/04/fosfoetanolamina-sintetica-carta-aberta-da-abrasco-para-reivindicar-veto-ao-projeto-de-lei-463916/

terça-feira, 8 de março de 2016

Abrasco e a crise política no Brasil.

DO SITE DA ABRASCO - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA

Nesse momento de grave crise política, o silêncio e a omissão são inadmissíveis

A política no Brasil está marcada, há décadas, pela relação promíscua entre partidos, lideranças, congressistas e governantes com empresas e grupos de interesse privado. Esta forma de atuar, infelizmente, não é atributo deste ou daquele partido, ou deste ou daquele governo mas, infelizmente é o modus operandi predominante na tradição do país.
Esse padrão degradado de negócios com a coisa pública tem gerado corrupção, mas também tem permitido a apropriação privada do orçamento público, supostamente destinado a assegurar políticas públicas e o bem-estar. Essa forma de operar termina privilegiando as elites econômicas e políticas, perpetuando a desigualdade, produzindo degradação urbana, enfraquecimento da regulação do setor imobiliário, automotivo, químico, da indústria farmacêutica, e ainda enfraquecendo o SUS – Sistema Único de Saúde, a Educação e Pesquisa Públicas, reduzindo direitos das mulheres, de povos indígenas, afrodescendentes, assalariados e pequenos produtores urbanos e rurais.
Este modo perverso de funcionamento do Estado e da Sociedade brasileira somente será superado pelo engajamento de diversos segmentos da sociedade.
O poder judiciário, com certeza, tem papel importante nessa mudança. A Operação Lava-Jato, de início, pareceu fazer parte deste esforço nacional. No entanto, há sinais de que vem preponderando em sua atuação perspectiva enviesada pelo partidarismo estreito e ações de legalidade duvidosa; isto a ponto, de um ministro do STF vir a público declarar-se preocupado com os desdobramentos da Operação, que a continuar nesse caminho caracterizaria “um retrocesso e não um avanço”.
Para agravar o desatino, grande parte da mídia, editores, âncoras e comentaristas perderam todo pudor com a objetividade do jornalismo profissional e ético, passando a açular o ódio e a intolerância.
Nesse sentido, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, representativa de sanitaristas e pesquisadores, sempre comprometida historicamente com a defesa da saúde e da democracia, manifesta seu veemente repúdio aos episódios recentes que colocam em risco a legalidade democrática e o Estado de Direito no Brasil. Rechaçamos enfaticamente atos seletivos, medidas arbitrárias e manobras irresponsáveis que podem vir a configurar um verdadeiro Estado de exceção não declarado.
A coerção e a intimidação impõem retrocessos ao árduo processo de consolidação da democracia, da garantia das liberdades e dos direitos fundamentais. Neste momento de crise nacional, o respeito às instituições que apuram desvios e corrupção deve ser acompanhado de especial vigilância e mobilização, diante das aspirações de forças conservadoras da política, da mídia e de parte da sociedade, orquestradas em tomar o poder a qualquer custo.
A Abrasco junta-se às entidades e movimentos sociais comprometidos com a inadiável coesão nacional para a superação da crise política que ameaça a democracia, da crise econômica que destrói empregos e aniquila as políticas sociais inclusivas, e da crise sanitária causada pelo desfinanciamento do SUS e pelos desafios atuais de saúde pública, dentre eles a epidemia de zika.
Os valores de democracia, justiça e solidariedade, que nos movem na defesa intransigente de um sistema de saúde universal, devem continuar a inspirar nossas ações e nossas escolhas, hoje e sempre.
Rio de Janeiro, 7 de março de 2016.
FONTE: https://www.abrasco.org.br/site/2016/03/abrasco-e-a-crise-politica-no-brasil/