quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Dicas de Livro: "Desafios de operação e desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde"

Extraído de: Editora E-Papers


"Este livro é um resultado parcial do Projeto “Reflexo das políticas e tecnológicas de saúde
brasileiras na produção local e no fornecimento ao Sistema Único de Saúde (SUS)” apresentado à chamada MCTI/CNPq/CT-Saúde/MS/SCTIE/Decit nº 41/2013 Rede Nacional de Pesquisas sobre Política de Saúde. O Projeto é executado pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), sob a coordenação de Lia Hasenclever, do Grupo de Economia da Inovação do IE/UFRJ, em parceria com Núcleo de Assistência Farmacêutica (NAF) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp)/Fiocruz e Área de Política do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (Iesc) da UFRJ.
Os objetivos deste Projeto são analisar quais são os contornos institucionais e as estratégias de política industrial e tecnológica implantadas, entre 2003-2013, no Brasil, e verificar se elas permitem dar continuidade à política de suprimento do SUS para garantir a sustentabilidade econômica e o direito à saúde.
O Brasil é considerado um caso de sucesso no estabelecimento de uma política de saúde voltada para o combate à epidemia de Aids na década de 1990, mesmo no período em que prevaleceu a ausência de políticas industriais e tecnológicas. A partir de 2003, inicia-se um novo marco de atuação do governo e se restabelece uma política para o setor farmacêutico, capitaneada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em 2008, procurou-se estender esta política para todos os setores envolvidos com suprimentos de saúde – os equipamentos médicos, materiais, reagentes e dispositivos para diagnósticos, hemoderivados, imunobiológicos, intermediários químicos e extratos vegetais para fins terapêuticos, princípios ativos e medicamentos para uso humano e serviços (hospitais, ambulatórios e serviços de diagnóstico e tratamento) – denominado Complexo Industrial da Saúde (CIS).
Entende-se que a compreensão das diferentes dimensões do CIS e a elaboração de metodologias de monitoramento são ferramentas-chave para a análise da evolução destas políticas. Seriam essas políticas capazes de responder às mudanças que ocorreram no regime internacional de propriedade intelectual e às mudanças que vêm ocorrendo no setor farmacêutico, na regulamentação sanitária e em outros aspectos específicos do Complexo sem afetar negativamente o fornecimento do SUS? E a garantia de acesso, estaria assegurada?
Neste livro apresentamos os primeiros resultados parciais do projeto. O livro está organizado em duas grandes partes, quais sejam: a primeira, referente a uma fotografia do CIS e ao mapeamento de seu marco normativo, seja aquele vigente no âmbito do Poder Executivo, como também algumas propostas de Projeto de Lei relacionadas em trâmite no Poder Legislativo. A segunda parte contempla quatro estudos de caso, ilustrativos dos avanços, problemas e desafios identificados na primeira etapa, abrangendo diferentes subsistemas do CIS.
A primeira parte é composta de seis capítulos. O Capítulo 1 reúne os principais indicadores secundários de saúde no Brasil na década entre 2003 e 2013. O seu principal objetivo é caracterizar a demanda e a oferta dos bens e serviços de saúde. Pelo lado da demanda apresentam-se alguns indicadores das condições de saúde da população e, pelo lado da oferta, indicadores de produção local dos bens e serviços de saúde. A partir da leitura destes indicadores e acompanhamento de sua evolução fica evidente que se, de um lado, as condições de saúde mudaram para melhor, a oferta local de bens e serviços não foi capaz de atender a demanda. Em consequência, observa-se um crescente ­aumento do déficit da balança comercial relativo à importação de produtos farmacêuticos, farmoquímicos e equipamentos e materiais médicos e odontológicos. A partir deste Capítulo pode-se concluir que a questão da vulnerabilidade externa na importação de bens recoloca-se para o setor saúde, tornando imprescindível a adoção de políticas industrial e tecnológica que busquem soluções para os problemas estruturais tais como a dependência externa, a industrialização dependente, o controle sobre a inovação tecnológica entre outros.
Com o objetivo de entender melhor o problema da dependência estrutural brasileira no setor saúde, optou-se por fazer um retrospecto na história das conexões entre as políticas de saúde e de desenvolvimento industrial e tecnológico, com ênfase no setor farmacêutico. Este é o conteúdo do Capítulo 2 que analisa as iniciativas governamentais para o desenvolvimento da indústria farmacêutica no Brasil e suas conexões com a política de saúde no período de 1930 a 2000. Na sequência, o Capítulo 3 atualiza e alarga esta discussão para os anos 2003-2014, trazendo uma descrição e uma avaliação dos atuais esforços do governo para reduzir a dependência estrutural brasileira. A leitura destes Capítulos deixa claro que as experiências exitosas da Central de Medicamentos (Ceme) e a política de genéricos de fazer com que houvesse uma conexão satisfatória entre a política de saúde e a política industrial e tecnológica, qual seja, expandir o acesso, a partir da redução de preços, e reduzir a dependência estrutural, em um novo contexto, que é o período 2003-2014, não tem obtido os mesmos sucessos. Fica para o leitor a reflexão sobre a necessidade de uma melhor coordenação entre as duas políticas.
A partir do Capítulo 4 o livro passa a detalhar aspectos específicos dos marcos institucionais de operação das políticas de saúde, industrial e tecnológica e em que medida eles permitem conexões positivas para a superação da dependência estrutural brasileira. O Capítulo 4 analisa o marco regulatório das compras públicas de medicamentos no Brasil. Na medida em que este marco regulatório é responsável por garantir uma situação satisfatória, tanto para o comprador (sistema público de saúde), quanto para o vendedor (setor fornecedor de bens e serviços de saúde), o seu bom funcionamento é fundamental para a operação da conexão entre a política de saúde e as políticas industriais e tecnológicas. A partir de sua leitura, os leitores poderão acompanhar os avanços feitos nesta direção, com destaque para o uso de poder de compra do estado para fomento de um desenvolvimento sustentável. O capítulo aponta, entretanto, a necessidade de aperfeiçoamento da gestão das compras públicas de forma que a sociedade possa usufruir dos benefícios resultantes deste marco regulatório aperfeiçoado.
O Capítulo 5 detalha o arcabouço de leis e normas sanitárias brasileiras desde o final dos anos 1990 até suas evoluções mais recentes. Entende-se que a regulação da pesquisa e da produção de medicamentos deve ter como objetivo principal o melhor funcionamento das conexões entre a política de saúde e as políticas industrial e tecnológica. Sabe-se que esta regulação pode ser um estímulo importante para a produção local, como foi o caso da política de genéricos, mas também algumas vezes inibir o desenvolvimento local. O capítulo analisa documentos, leis, normas e resoluções, todos relacionados à pesquisa clínica, boas práticas de fabricação, registro de comercialização, até as diretrizes para as parcerias de desenvolvimento produtivo. O resultado é apresentado sob a forma de pontos positivos e negativos para uma melhor conexão entre as políticas em questão.
O Capítulo 6, último capítulo da primeira parte, se debruça sobre a questão-chave da proteção patentária de medicamentos após a entrada em vigor do Acordo TRIPS a partir de 1995. A análise realizada considerou tanto seus efeitos na potencial restrição de oferta de produtos ao SUS e a possibilidade de uma oferta a preços mais altos, quanto suas implicações para a redução de graus de liberdade no exercício das iniciativas governamentais de políticas industrial e tecnológica. Seus resultados mostram que, ainda que a legislação brasileira tenha incorporado as principais salvaguardas de proteção à saúde pública previstas no Acordo TRIPS, ainda persistem várias indefinições institucionais relevantes para um melhor funcionamento dessas salvaguardas que são apontadas ao final do Capítulo.
A partir do Capítulo 7, conforme já informado, são apresentados alguns resultados parciais de avaliação das políticas industriais e tecnológicas (Capítulos 7, 8 e 9) e uma revisão bibliográfica sobre a difusão de tecnologias nos serviços de saúde de alta complexidade (Capítulo 10). O Capítulo 7 foca na análise dos esforços de inovação realizados pelas grandes empresas farmacêuticas atuando no Brasil entre 2008 e 2011 e especula sobre as principais razões para a mudança de tendência positiva nestes esforços. De fato os resultados mostram uma mudança de tendência importante no gasto de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) das grandes empresas farmoquímicas e farmacêuticas, ainda que seja cedo para concluir para um novo padrão de gastos desta natureza por parte das empresas localizadas no Brasil. O capítulo conclui para a importância do papel do estado para a indução desta mudança, através das políticas industriais e tecnológicas iniciadas em 2003, como visto no Capítulo 3.
Os Capítulos 8 e 9 analisam a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), respectivamente, do ponto de vista dos produtores e dos atores do sistema brasileiro de produção e inovação do setor farmacêutico. As parcerias de desenvolvimento produtivo, criadas para estimular a produção local de fármacos e medicamentos, produtos biotecnológicos e outros insumos médicos, são o principal instrumento da PDP. O desenvolvimento destas parcerias iniciou-se em 2008 e encontra-se ainda em curso. Do ponto de vista dos produtores, na análise feita no Capítulo 8, as parcerias apresentam-se como as principais estratégias para transferência de tecnologia e entrada em um campo tecnológico novo – a biotecnologia – e distinto da síntese química. O seu maior desafio é a capacidade de absorção tecnológica das empresas brasileiras. Entre as 24 empresas entrevistadas, incluindo empresas privadas nacionais, laboratórios públicos e start ups, destaca-se ainda o modesto esforço de aprendizado tecnológico realizado, refletido nos baixos investimentos em P&D, e a forte preferência pela transferência de tecnologia industrial externa como forma de capacitação, em vez de buscar o desenvolvimento próprio ou conjunto. O capítulo conclui que este tipo de posicionamento estratégico deixa as empresas brasileiras entrevistadas ainda vulneráveis no que diz respeito a sua capacitação tecnológica.
O Capítulo 9, por sua vez, traz uma discussão mais abrangente sobre a viabilidade do modelo escolhido para a implantação da biotecnologia no país e procura captar também em que medida a política é acertada para as empresas superarem a barreira da capacitação tecnológica, apontada como uma vulnerabilidade no Capítulo 8. Os resultados mostram que as grandes empresas brasileiras produtoras de genéricos foram as escolhidas das políticas industrial e tecnológica, capitaneada pelo BNDES, devido ao alto custo inicial dos investimentos requeridos, importância do fortalecimento das empresas nacionais e oferecimento de oportunidades de crescimento continuado para estas empresas que têm capacitação técnica, organizacional e financeira. Esta escolha não foi a expensas das empresas multinacionais, que, mais uma vez, estão sendo chamadas para transferir tecnologia. A entrada no mercado público de medicamentos, sem ter que participar de licitação, seria, segundo os entrevistados, a garantia de que essas empresas não pratiquem uma estratégia predatória em relação às parcerias. Finalmente, o capítulo registra a necessidade de se fazer um esforço maior para a incorporação de pequenas empresas de biotecnologia, preteridas pela política, como fornecedoras das grandes empresas.
O Capítulo 10, último deste livro, faz uma revisão da literatura de como se dá a difusão de tecnologias nos serviços de saúde, em geral, e em específico, nos serviços de hemodinâmica cardiovascular brasileiro. Sabe-se que nem sempre a incorporação de tecnologias obedece somente aos objetivos de melhoria das condições de saúde, sendo muitas vezes fortemente influenciada por razões privadas de maximização de lucros. Em particular, no caso brasileiro onde a prestação dos serviços de alta complexidade conta com a forte e crescente participação do setor privado, é preciso ter em conta que grande parte da demanda adicional de insumos de saúde pode estar baseada em decisões privadas de maximização de lucros e não por evidências empíricas de melhoria da saúde.
Em suma, os resultados parciais do Projeto mostram que a superação da condição estrutural de dependência a que está submetida à política de saúde é um forte empecilho para a melhoria das condições de saúde da população brasileira. A sua superação depende fortemente de uma ação coordenada do estado para alterar verdadeiramente a dependência externa, a industrialização dependente, e a falta de controle sobre a inovação tecnológica entre outros. Todavia, fica evidente pela leitura dos Capítulos ora apresentados que ainda restam muitos desafios a serem vencidos para avançar de forma harmoniosa entre os objetivos de saúde pública de melhores condições de vida da população e os objetivos de redução de nossa dependência estrutural endógena à condição periférica brasileira devido à incapacidade de o país de atender plenamente às demandas de bens e serviços que a melhoria de condições de saúde reclama.
Fica para os leitores a reflexão sobre estes desafios, na expectativa de que os resultados parciais revelados venham contribuír para o aperfeiçoamento e para o monitoramento das políticas em curso".

 Fonte:  http://www.e-papers.com.br/produtos.asp?codigo_produto=2772

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