terça-feira, 21 de agosto de 2012

Carlos Gadelha responde Elio Gaspari sobre MP 563


No dia 12 de agosto, Elio Gaspari publicou em sua coluna dominical da Folha de São Paulo uma crítica à MP 563 sob o título: "A ciência petista: quem é amigo de quem?". O articulista faz uma crítica a MP que prevê dispensa de licitação ao estado quando da compra de produtos estratégicos para o SUS, quando houver transferência tecnológica. O Secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha,  respondeu a crítica. 

Por Carlos Gadelha, Secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde.
"Considerando as questões apresentadas na matéria de O Globo de 12-08-2012, na coluna de Elio Gaspari, torna-se necessário prestar os seguintes esclarecimentos a este importante veículo de comunicação e aos seus leitores, em virtude da importância deste debate e do alto respeito que esta coluna possui junto à população.
Em primeiro lugar, cabe destacar que o Artigo 73 da MP 563 para a saúde se insere na estratégia do Brasil Maior para estimular a tecnologia, a renda e o emprego no contexto da crise internacional. A área da saúde é das mais importantes do ponto de vista econômico (responde por 9% do PIB), tecnológico (30% do gasto brasileiro com pesquisa e desenvolvimento), do emprego (10% do emprego qualificado formal) e social, sendo a produção do complexo industrial da saúde essencial para os programas de tratamento de doenças do aparelho circulatório, diagnóstico e tratamento de câncer, de vacinação da população, Aids e Hepatites, entre muitos outros.
O Brasil tem significativa dependência na saúde e quanto mais o sistema se universaliza para incluir toda população, como no Farmácia Popular, mais o País depende de importações, deixando de gerar conhecimento, renda e emprego qualificado no País. O déficit comercial com o avanço das políticas de acesso universal aumentou de US$ 2,5 bilhões para mais de U$ 10 bilhões nos últimos 10 anos.
É para contribuir para a superação desta situação que se insere o artigo 73 da Medida Provisória 563 aprovada no Congresso Nacional que altera o artigo 24 da Lei 8666 para estimular a produção no País, envolvendo os produtores públicos e viabilizando as parcerias com o setor privado. Hoje a saúde constitui o caso mais bem sucedido de parcerias na área industrial para viabilizar a produção e a inovação no País, aliando produção nacional, redução de preços e desenvolvimento tecnológico local (34 parcerias com economia estimada de R$ 1,7 bilhões no gasto público e redução esperada no déficit de US$ 1 bilhão, envolvendo empresas privadas nacionais e estrangeiras em parceria com instituições públicas produtoras).
Mais especificamente em relação às questões levantadas, os seguintes elementos são centrais na proposta aprovada pelo Congresso Nacional:
1) O contexto da medida é preparar os produtores públicos para estabelecer relações contratuais claras com o Governo Federal, justificando os investimentos feitos nestas instituições e tornando-as aptas para se atualizarem gerencial e tecnologicamente no atual contexto internacional (o parágrafo segundo do artigo evidencia que a medida se volta os produtores pertencentes à Administração Pública Brasileira).  Sem este Artigo, o poder público brasileiro, depois dos importantes investimentos feitos na Hemobrás, por exemplo, não poderia adquirir os hemoderivados que esta mesma empresa produz porque a mesma foi criada após a Lei 8666, mesmo sendo proibida a comercialização do sangue e seus derivados na própria Constituição brasileira. É como se um acionista tivesse feito um investimento de décadas em suas plantas produtivas industriais e ele mesmo fosse impedido pelo sua área comercial de comprar os produtos que desenvolveu para disponibilizá-los no mercado.
2) Mais ainda, no momento em que produtores públicos se modernizam e criam empresas ou outras figuras jurídicas mais adequadas para a atividade de produção, também não poderiam vender direto ao Estado, se sujeitando às práticas monopólicas tão usuais no campo da saúde, como na área farmacêutica. Neste quadro, não se poderia garantir a compra de produtos do Butantan ou da Fiocruz, instituições responsáveis pelo sucesso de nosso programa de vacinação, cujos investimentos têm sido feito pelo Estado Brasileiro há mais de um século e que se incrementaram muito nos últimos anos. Se se modernizam e mudam o CNPJ, o Estado não poderia mais adquirir vacinas diretamente, colocando em risco todo programa de vacinação.
Num ano em que os sinais de mercado e das “bolhas financeiras” fossem para as empresas localizadas no exterior venderem para fora do país, faltaria vacina e as Instituições Públicas, ao terem parado suas atividades por uma ato de “concorrência”, não teriam qualquer meio de retomar sua produção de um ano para o outro. O pilar básico de nosso programa universal de vacinas estaria quebrado e não teríamos mais qualquer segurança para garantir vacinas para as crianças, idosos e todos incluídos neste programa que é exemplar no mundo, para não falar dos medicamentos para AIDs, artrites, câncer, entre outros.
3) A transferência de tecnologia para a Administração Pública (é para isto que se volta o Artigo) somente pode ser feita para instituições produtivas. Isto é a essência de qualquer processo de transferência de tecnologia. Não haveria como comprar diretamente de uma empresa de Ribeirão Preto, mas apenas de uma unidade produtiva e tecnológica com capacidade de absorver a tecnologia transferida. A relação do Governo Federal sempre seria mediada pela Fiocruz, pelo Butantan, pela Hemobrás ou outra instituição pública produtora.
4) O fato de se poder adquirir os produtos de quem transfere a tecnologia ao longo do processo de absorção tecnológica, reflete a realidade de quem trabalha na área tecnológica.  Todos os processos de transferência de tecnologia bem sucedidos de países menos desenvolvidos que alcançaram os desenvolvidos (Japão nos anos 70 e depois Coréia, Índia e China) são de engenharia reversa. Começam pela aquisição e absorção da tecnologia nas etapas finais até a internalização completa do ciclo tecnológico. Isto é reconhecido na prática e por toda literatura que trata dos países e setores que conseguiram se desenvolver. A tecnologia em saúde no século XXI não se adquire seguindo a analogia do “professor Pardal” que tem uma grande ideia e daqui a 10 anos vende seus resultados para os menos sábios. Os países e setores dependentes tem que buscar o que há de melhor no mundo para atender sua população imediatamente, estabelecendo o contrato de transferência e iniciando pela etapa final até se tornarem inovadores. Se não fosse por este meio, não teríamos produtores de vacinas e de medicamentos para AIDs qualificados para competir no mundo no que há de mais moderno e necessário à saúde.
5) Com relação à escolha de parceiro por parte das Instituições públicas, tem que haver um processo de análise para o País não ficar nas mãos dos monopólios internacionais, o que não exclui a possibilidade de interagir com as empresas estrangeiras desde que o controle do processo seja da Instituição Pública envolvida. Vejamos um caso concreto, além do relacionado às vacinas, AIDs e Hemoderivados. A história brasileira possui uma triste experiência no caso da Insulina. Tínhamos uma empresa nacional, a Biobrás, que era o mais bem sucedido caso de investimento em tecnologia de engenharia genética para termos uma insulina igual à humana. Depois de décadas de investimento das instituições de fomento, de bolsistas pagos pelo Governo Brasileiro, de utilização de nossa infraestrutura universitária (profissionais qualificados e parcerias com universidades públicas), o Governo, em 2001, faz uma licitação e, por uma atividade “competitiva”, o preço é reduzido abruptamente e uma decisão pretensamente isenta faz com que a empresa seja vendida. Detalhe: quem comprou foi uma das duas empresas que dominam o mercado mundial e em seguida a antiga empresa nacional teve suas atividades encerradas. O Brasil não mais produzia insulina. Outro detalhe: o preço quase que triplicou em 4 anos pois somente havia dois fornecedores no mundo e o risco para os diabéticos se tornou grave!!! Estávamos nas mãos de um monopólio e jogamos 20 anos de experiência e de investimento brasileiro pelo ralo, naquele período em que falar em desenvolvimento, importância da produção e da tecnologia nacional era visto como pecado ou coisa de dinossauros.
6) A aquisição de tecnologias estratégicas (são estratégicas porque sem elas não teríamos programas como para vacinas, diabetes ou câncer), tem que obedecer a uma visão de País. É isto que o artigo citado busca e, como a própria 8666 dispõe, os preços sempre devem ser compatíveis com os de mercado. Os atos de práticas de uso indevido das compras públicas devem ser tratados na esfera legal com o rigor e a punição previstas em Lei. Somente não podemos tratar tecnologias essenciais para a garantia da saúde de nossa população como se fossem bens triviais que se um dia o preço está alto deixamos de adquirir e se, no outro, o preço abaixa passamos a comprar no mercado internacional. Tecnologia em saúde é algo complexo (envolve biotecnologia, nanotecnologia, matérias e equipamentos médicos de alta sofisticação e tecnologia da informação), e afeta a continuidade das nossas ações de prevenção e atenção à saúde, Há, portanto, razões de Estado (e não apenas de governo) para termos alternativas de abastecimento de produtos essenciais garantidos por Instituições Públicas sérias, capazes de produzir, absorver e, crescentemente, gerar o conhecimento para ser utilizado pelos brasileiros e pelo SUS.
Neste momento em particular, que o mundo passa uma crise financeira global, não podemos deixar o “mercado da saúde” frágil e dependente, nas mãos da especulação e das bolhas financeiras que podem tornar um simples resfriado em uma doença crônica e degenerativa para a saúde dos brasileiros. O Artigo 73 da Medida Provisória 563 marca o aprofundamento da estratégica do Brasil Maior de qualificar o País para ser competitivo nas áreas mais críticas do ponto de vista econômico, da inovação e social. A saúde tem um papel de destaque em todas estas dimensões e devemos saldar esta medida como um momento especial. Estaremos atentos para garantir a probidade, a eficiência da produção pública e a economicidade no gasto público, como já foi conseguido no ano passado com a redução de quase R$ 2 bilhões no gasto com medicamentos viabilizando a introdução de medicamentos para câncer, artrite e hepatites e a ampliação do programa Farmácia Popular. Temos a chance de entrar, pela via da saúde, na sociedade do conhecimento, garantindo acesso universal, a blindagem do SUS à especulação econômica e financeira e o direito a saúde em bases sustentáveis que garantam o acesso da população ao que há de mais inovador no mundo sem que tenhamos que pagar mais ou ficar nas mãos dos monopólios internacionais que predominam na área farmacêutica."

2 comentários:

Leonardo disse...

Não achei o artigo na MP:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Mpv/563.htm

Afinal, que MP é essa?

Desde já muito obrigado.

O tal do Marco Aurélio disse...

Leonardo, acesse http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/b110756561cd26fd03256ff500612662/7491f6484e3b11d4832579d600420f63?OpenDocument